O poder do agora
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
Você está aqui para possibilitar
que o propósito divino do universo se revele. Veja como você é importante!
Eckhart Tolle
A origem deste livro
Não vejo muita utilidade no
passado e raramente penso a respeito dele, mas, para que você compreenda a
transformação que pode ocorrer na sua vida ao acessar o poder do Agora, vou
contar como me tornei um mestre espiritual.
Até os meus 30 anos, eu era
extremamente ansioso, sofria de depressão e tinha fortes tendências suicidas.
Hoje, parece que estou falando da vida de outra pessoa.
Tudo começou a mudar pouco depois
do meu aniversário de 29 anos, quando acordei certa madrugada com uma sensação
de pavor absoluto. Não era a primeira vez que eu tinha uma crise de pânico, mas
aquela, com certeza, foi a mais forte de todas. Tudo parecia estranho, hostil,
absolutamente sem sentido. Senti uma profunda aversão pelo mundo e,
principalmente, por mim mesmo. Qual o sentido de continuar a viver com o peso
dessa angústia? Para que prosseguir com essa luta? Um profundo anseio de
destruição, de deixar de existir, tinha tomado conta de mim, tornando-se até
mais forte do que o desejo instintivo de viver.
“Não posso mais viver comigo”,
pensei. Então, de repente, tomei consciência de como aquele pensamento era
peculiar. “Eu sou um ou sou dois? Se eu não consigo mais viver comigo, deve
haver dois de mim: o ‘eu’ e o ‘eu interior’, com quem o ‘eu’ não consegue mais
conviver”. “Talvez”, pensei, “só um dos dois seja real”.
Fiquei tão atordoado com essa
estranha dedução que a minha mente parou. Eu estava plenamente consciente, mas
não tinha mais pensamentos. Fui arrastado para dentro do que parecia um vórtice
de energia. No início o movimento foi lento, mas depois acelerou. Fui tomado de
um pavor intenso e meu corpo começou a tremer. Ouvia as palavras “não resista”,
como se viessem de dentro do meu peito. Eu estava sendo sugado para dentro de
um vácuo que parecia estar dentro de mim e não do lado de fora. De repente,
perdi o medo e me deixei levar. Não me lembro de nada do que aconteceu depois.
No dia seguinte, fui acordado por
.um pássaro cantando no jardim. Nunca tinha ouvido um som tão maravilhoso
antes. Meu quarto estava iluminado pelos primeiros raios de sol da manhã. Sem
pensar em nada, eu senti – soube – que existem muito mais coisas para vir à luz
do que nós percebemos. Aquela luminosidade suave que atravessava as cortinas da
janela do meu quarto era o próprio amor. Meus olhos se encheram de lágrimas – 8
– e eu percebi que nunca tinha reparado na beleza das pequenas coisas, no
milagre da vida. Era como se eu tivesse acabado de nascer de novo.
Durante os cinco meses seguintes,
vivi em.um estado permanente de paz e alegria. Depois, essa sensação diminuiu
de intensidade ou talvez eu tenha simplesmente me acostumado com ela, pois se,
tornou o meu estado natural. Embora eu continuasse vivendo normalmente, tinha
percebido que nada que eu viesse a fazer poderia mudar realmente a minha vida.
Eu já tinha tudo de que necessitava. Eu sabia que algo profundamente
significativo tinha acontecido, mas não entendia exatamente o quê. Só
compreendi mais tarde, depois de ler muito sobre espiritualidade e de conviver
com mestres iluminados. Percebi que eu já tinha vivenciando a transformação que
as pessoas tanto desejavam. A pressão intensa do sofrimento daquela noite
forçou minha consciência a pôr um fim à sua identificação com a infelicidade e com
o falso “eu interior” amedrontado que minha mente havia criado para me
controlar. Foi uma transformação tão completa que esse “eu interior” sofredor
murchou imediatamente, como quando se tira o pino de um brinquedo inflável. O que restou foi a minha verdadeira
natureza, a minha presença, a consciência em seu estado puro, anterior à sua
identificação com a forma.
Mais tarde aprendi a entrar numa
dimensão interior eterna e imortal, que havia percebido inicialmente como um
vazio, e a permanecer plenamente consciente assim, alcançando um de profunda
paz e bem-aventurança. Eu
me entreguei completamente a essa experiência e, durante um bom tempo, abri mão
de tudo no plano físico: não tinha mais emprego, casa, relacionamentos; nem uma
identidade social definida. Passei quase dois anos sentado em bancos de parque
num estado de profunda alegria.
Mas até mesmo as experiências
mais bonitas vêm e vão. Retomei minha vida no plano físico, mas o sentimento de
paz nunca mais me abandonou. Às vezes, ele é muito intenso, quase palpável, e
outras pessoas também podem senti-lo. Outras vezes, ele fica na retaguarda,
como uma melodia distante.
Tempos depois, as pessoas iriam
se aproximar de mim e dizer: “Quero o que você tem. Você pode me dar ou me
mostrar como conseguir?” Eu respondia: “Você já tem. Mas não consegue sentir
porque a sua mente está fazendo muito barulho”. Foi essa resposta que acabou
originando o livro que você tem nas mãos.
Quando eu vi, já possuía de novo
uma identidade externa: tinha me tornado um mestre espiritual.
Verdade está dentro de
você
Este livro representa a essência
do meu trabalho, com pequenos grupos na Europa e nos Estados Unidos, durante os
últimos dez anos. Com profundo amor e admiração, gostaria de agradecer a essas
pessoas excepcionais pela coragem e força de vontade que tiveram para abraçar
uma mudança interior... Este livro não existiria sem elas. Embora ainda sejam
minoria, esses pioneiros espirituais estão chegando a um ponto onde serão
capazes de romper os padrões de consciência coletiva herdados dos nossos
antepassados, responsáveis pela escravidão da humanidade por séculos.
Acredito que este livro chegará
às mãos das pessoas que estão prontas para uma transformação interior radical e
que atuará como um catalisador dessa mudança. Espero também que ele alcance
muitas outras pessoas que achem o conteúdo digno de atenção, embora ainda não
estejam preparadas para viver plenamente essa transformação. Talvez, mais tarde, a semente
plantada com esta leitura se junte à semente da iluminação que cada ser humano
traz dentro de si e acabe germinando e florescendo dentro delas.
Este livro tem o formato de
perguntas e respostas porque se originou de questões formuladas pelas pessoas
que participaram de meus seminários, grupos de meditação e de sessões
particulares de aconselhamento. Como aprendi muito nos encontros, achei que
outras pessoas poderiam se beneficiar dessa troca de ideias. Por isso, resolvi
transcrever algumas perguntas e respostas quase que textualmente. Também
combinei certas questões mais frequentes em uma só e extraí a essência de
respostas diferentes para formar uma resposta genérica. Algumas vezes, enquanto
escrevia, eu me deparei com uma ou outra questão inteiramente nova, muito mais
profunda ou esclarecedora do que as discutidas anteriormente. Outras questões
foram formuladas para esclarecer determinados conceitos.
Primeiro, vamos tratar da natureza da inconsciência humana, do
sofrimento e da ilusão criada pela nossa mente. Vou lhe
ensinar a reconhecer o que é falso em você e mostrar como a identificação com
esse falso “eu interior”
só pode trazer medo e infelicidade. O próximo passo é se libertar da escravidão da sua mente, entrar no
estado iluminado de consciência e manter esse estado na sua vida cotidiana.
Essa profunda transformação da consciência humana não é uma possibilidade
distante no futuro, ela está disponível agora – não importa quem você seja ou
onde quer que esteja.
Cada palavra deste livro foi
planejada para conduzir você a uma nova consciência à medida que avançar na
leitura. Meu objetivo é levar você comigo a um estado de intensa consciência
da presença do Agora, de modo a lhe proporcionar um vislumbre da iluminação.
Talvez, até que você seja capaz de vivenciar o que estou falando, algumas
passagens pareçam repetitivas. Mas, assim que conseguir, perceberá a grande
carga de poder espiritual contida neste livro.
=Pausa=
O símbolo de pausa depois de
certas passagens é uma sugestão para que você possa parar de ler por uns
instantes, relaxar e vivenciar a verdade do que foi dito.
O significado de certas palavras,
como “Ser” ou “presença”, pode não ser claro à primeira vista, mas continue
lendo porque essas questões serão respondidas mais adiante, ou, então, vão se
tomar irrelevantes à medida que você se aprofundar nos ensinamentos – e dentro
de você mesmo. A mente quer sempre rotular e comparar, mas este livro trará
mais benefícios se você não se apegar às palavras. Se for comparar a
terminologia que eu uso com a de outros textos espirituais, você pode se
confundir porque emprego palavras como “mente”, “felicidade” e “consciência” em
acepções diferentes das usuais.
Não leia apenas com a mente. Tome
cuidado com o senso de identificação dentro de você. Não há nenhuma verdade espiritual que eu possa lhe
contar que já não esteja no seu interior. Só o que posso fazer é
chamar sua atenção para algumas coisas que talvez estejam esquecidas. A sabedoria da vida – antiga, mas
ainda assim sempre nova – é então ativada dentro de cada célula do seu corpo.
Este livro pode ser visto como
uma reafirmação, em nossos tempos, de um ensinamento espiritual atemporal, a
essência de todas as religiões. Essa essência não vem de fontes exteriores, mas sim da
verdadeira Fonte interior. Por isso, não contém teoria nem
especulação. Como estou me baseando nessa experiência interior, vez por outra
sou muito incisivo porque quero atravessar as densas camadas de resistência
mental e alcançar aquele lugar no seu interior que você já conhece, como eu
conheço, e onde se pode reconhecer a verdade ao escutá-la.. Surge, então, um
sentimento de exaltação e de intensa vivacidade, quando algo dentro de você
diz: “É, eu sei que isso é verdade”.
Capítulo
um
VOCÊ NÃO
É A SUA MENTE
O maior
obstáculo para a iluminação
Iluminação
– o que é isso?
Por mais de trinta anos um
mendigo ficou sentado no mesmo lugar, debaixo de uma marquise. Até que um dia,
uma conversa com um estranho mudou sua vida:
– Tem um trocadinho aí pra mim,
moço? – murmurou, estendendo mecanicamente seu velho boné.
– Não, não tenho – disse o
estranho. – O que tem nesse baú debaixo de você?
– Nada, isso aqui é só uma caixa
velha. Já nem sei há quanto tempo sento em cima dela.
– Nunca olhou o que tem dentro? –
perguntou o estranho.
– Não – respondeu. – Para quê?
Não tem nada aqui, não!
– Dá uma olhada dentro – insistiu
o estranho, antes de ir embora.
– O mendigo resolveu abrir a
caixa. Teve que fazer força para levantar a tampa e mal conseguiu acreditar ao
ver que o velho caixote estava cheio de ouro.
Eu sou o estranho sem nada para dar, que está lhe dizendo
para olhar para dentro. Não de uma caixa, mas sim de você mesmo. Imagino que
você esteja pensando indignado:
“Mas eu não sou, um mendigo!”
Infelizmente, todos que ainda não
encontraram a verdadeira riqueza – a radiante alegria do Ser e uma paz:
inabalável – são mendigos, mesmo que possuam bens e riqueza material. Buscam,
do lado de fora, migalhas de prazer, aprovação, segurança ou amor, embora
tenham um tesouro guardado dentro de si, que não só contém tudo isso, como é
infinitamente maior do que qualquer coisa oferecida pelo mundo.
A palavra iluminação transmite a ideia de uma conquista
sobre-humana – e isso agrada ao ego –, mas é simplesmente o
estado natural de sentir-se em unidade com o Ser. É um
estado de conexão com algo imensurável e indestrutível. Pode parecer um
paradoxo, mas esse “algo” é essencialmente você e, ao mesmo tempo, é muito
maior do que você. A iluminação consiste em encontrar a verdadeira natureza por trás do nome
e da forma. A incapacidade de sentir essa conexão dá origem a
uma ilusão de separação, tanto de você mesmo quanto do mundo ao redor. Quando
você se percebe, consciente ou inconscientemente, como um fragmento isolado, o
medo e os conflitos internos e externos tomam conta da sua vida.
Adoro a definição simples de Buda para a iluminação: “É o fim do sofrimento”. Não há
nada de sobre-humano nisso, não é mesmo? Claro que não é uma definição
completa. Ela apenas nos diz o que a iluminação não é: não é sofrimento. Mas o
que resta quando não há mais sofrimento? Buda silencia a respeito, e esse
silêncio implica que teremos de encontrar a resposta por nós mesmos. Como ele
emprega uma definição negativa, a mente não consegue entendê-la como uma
crença, ou como uma conquista sobre-humana, um objetivo difícil de alcançar.
Apesar disso, a maioria dos budistas ainda acredita que a iluminação é algo
apenas para Buda e não para eles próprios, pelo menos, não nesta vida.
Você usou a palavra Ser, Pode explicar o que quer dizer com
isso?
Ser é a eterna e sempre presente Vida Única, que existe além
das inúmeras formas de vida sujeitas ao nascimento e à morte. Entretanto,
o Ser não
está apenas além, mas também dentro de todas as formas, como a mais profunda,
invisível e indestrutível essência interior. Isso significa que ele
está ao seu alcance agora, sob a forma de um eu interior mais profundo,
que é a verdadeira natureza dentro de você. Mas não procure apreendê-lo com a
mente. Não tente entendê-lo. Só é possível conhecê-lo quando a mente está serena.
Se estiver alerta, com toda a sua atenção voltada para o Agora, você até poderá
sentir o Ser, mas jamais conseguirá compreendê-lo mentalmente. Recuperar a
consciência do Ser e submeter-se a esse estado de “percepção dos sentidos” é o
que se chama iluminação.
=Pausa=
A mente não precisa ser eliminada, só precisa estar
serenamente calma |
Quando você diz Ser, está falando sobre Deus? Se estiver,
por que não diz expressamente?
A palavra Deus tornou-se vazia de
significado ao longo de milhares de anos de utilização imprópria. Emprego-a
ocasionalmente, mas com moderação. Considero imprópria a sua utilização por
pessoas que jamais tiveram a menor ideia do reino do sagrado, da infinita
imensidão contida nessa palavra, mas que a usam com grande convicção, como se
soubessem do que estão falando. Existem ainda aqueles que questionam o termo,
como se soubessem o que estão discutindo. Esse uso indevido dá origem a
crenças, afirmações e delírios absurdos, tais como “o meu ou o nosso Deus é o
único Deus verdadeiro, o seu Deus é falso”, ou a famosa frase de Nietzsche,
“Deus está morto”.
A palavra Deus se tornou um
conceito fechado. Quando a pronunciamos, criamos uma imagem mental, talvez não
mais a de um velhinho de barba branca, mas ainda uma representação mental de
alguém ou de algo externo a nós e, quase inevitavelmente, alguém ou alguma
coisa do sexo masculino.
Tanto Deus quanto Ser são palavras que não conseguem definir nem
explicar a realidade por trás delas. Ser, entretanto, tem a vantagem de sugerir
um conceito aberto. Não reduz o invisível infinito a uma entidade finita. É
impossível formar uma imagem mental a esse respeito. Ninguém pode reivindicar a
posse exclusiva do Ser. É a sua essência, tão acessível como sentir a sua
própria presença, a realização do Eu sou que antecede o “eu sou isso” ou “eu
sou aquilo”. Portanto, a distância é muito curta entre a palavra Ser e a
vivência do Ser.
Qual o maior obstáculo para vivenciar essa realidade?
Identificar-se com a mente, o que
faz com que estejamos sempre pensando em alguma coisa. Ser incapaz de parar de
pensar é uma aflição terrível, mas ninguém percebe porque quase todos nós
sofremos disso e, então, consideramos uma coisa normal. O ruído mental incessante nos impede de encontrar a área
de serenidade interior, que é inseparável do Ser. Isso faz com
que a mente crie um falso eu interior que projeta uma sombra de medo e
sofrimento sobre nós. Examinaremos esses pontos detalhadamente, mais adiante.
O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais
fundamental quando proferiu sua conhecida máxima: “Penso, logo existo”. Cometeu, no entanto, um erro básico
ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade ao pensamento. O pensador compulsivo,
ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente isolamento, em
um mundo povoado de conflitos e problemas. Um mundo que reflete a fragmentação
da mente em uma escala cada vez maior. A iluminação é um estado de plenitude, de estar “em unidade” e, portanto,
em paz. Em unidade tanto com o universo quanto com o eu interior mais profundo,
ou seja, o Ser. A
iluminação é o fim não só do sofrimento e dos conflitos internos e externos
permanentes, mas também da aterrorizante escravidão do pensamento. Que
maravilhosa libertação!
Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de conceitos,
rótulos, imagens, palavras, julgamentos e definições que bloqueia todas as
relações verdadeiras. Essa tela se situa entre você e o seu eu interior, entre
você e o próximo, entre você e a natureza, entre você e Deus. E essa tela de
pensamentos que cria uma ilusão de separação, uma ilusão de que existe você e
um “outro” totalmente à parte. Esquecemos o fato essencial de que, debaixo do
nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo aquilo que é. Por “esquecermos” quero dizer que
não sentimos mais essa unidade como uma realidade evidente por si só. Podemos
até acreditar que isso seja uma verdade, mas não mais a reconhecemos como
verdade. Acreditar pode até trazer conforto. No entanto, a libertação só pode vir
através da vivência pessoal.
Pensar se tornou uma doença. A
doença acontece quando as coisas se desequilibram. Por exemplo, não há nada de
errado com a divisão e a multiplicação das células no corpo humano. Mas, quando
esse processo acontece sem levar em conta o organismo como um todo, as células
se proliferam e temos a doença.
Se for usada corretamente, a mente é um
instrumento magnífico. Entretanto, quando a usamos de forma errada, ela se
torna destrutiva. Para ser ainda mais preciso, não é você que usa
a sua mente de forma errada. Em geral, você simplesmente não usa a mente. É
ela que usa você. Essa é a doença. Você acredita
que é a sua mente. Eis aí o delírio. O instrumento se apossou de você.
Não concordo muito com isso. É verdade que penso muito sem
um objetivo definido, como a maioria das pessoas, mas ainda posso escolher como
usar a minha mente para ter e conseguir coisas, e faço isso o tempo todo.
Só porque podemos resolver
palavras cruzadas ou construir uma bomba atômica não significa que estejamos
usando a mente. Assim como os cães adoram mastigar ossos, a mente adora
transformar dificuldades em problemas. É por isso que ela resolve palavras cruzadas
e constrói bombas atômicas. Mas essas coisas não interessam a você. Pergunto então:
você consegue se livrar da sua mente quando quer? Já encontrou o botão que a
“desliga”?
A ideia é parar de pensar completamente? Não, não consigo,
a não ser por um ou dois segundos.
Então, é porque a mente está
usando você. Estamos tão identificados com ela que nem percebemos que somos
seus escravos. É quase como se algo nos dominasse sem termos consciência disso
e passássemos a viver como se fôssemos a entidade dominadora. A liberdade começa
quando percebemos que não somos a entidade dominadora, o pensador. Saber disso
nos permite observar a entidade. No momento em que começamos a observar o
pensador, ativamos um nível mais alto de consciência. Começamos
a perceber, então, que existe uma vasta área de inteligência além do
pensamento, e que este é apenas um aspecto diminuto da inteligência. Percebemos
também que todas as coisas realmente importantes como a beleza, o amor, a
criatividade, a alegria e a paz interior surgem de um ponto além da mente. É
quando começamos a acordar.
=Pausa=
Libertando-se da sua mente
O que você quer dizer exatamente por “observar o pensador”?
Quando alguém vai ao médico e
diz: “Ouço uma voz dentro da minha cabeça”, provavelmente será encaminhado a um
psiquiatra. De uma forma ou de outra, praticamente todas as pessoas ouvem uma
voz, ou algumas vozes, o tempo todo dentro da cabeça. São os processos
involuntários do pensar – que acreditamos que não podemos interromper –,
manifestando-se como monólogos ou diálogos contínuos.
Você já deve ter cruzado na rua
com pessoas “doidas” falando sem parar ou resmungando consigo mesmas. Isso não
tem nada de diferente do que acontece com você e com outras pessoas “normais”,
exceto que vocês não falam alto. A voz comenta, especula, julga, compara,
desculpa, gosta, desgosta, etc. A voz não precisa ser relevante para a situação
do momento, pois ela pode estar revivendo o passado recente ou remoto, ou
ensaiando, ou imaginando possíveis situações futuras. Neste último caso, ela
imagina sempre as coisas indo mal e com resultados desfavoráveis. É o que se
chama de preocupação. Às vezes, essa trilha sonora e acompanhada de imagens ou
“filmes mentais”.
Mesmo que tenha alguma relação
com o momento, a voz será interpretada em termos do passado. Isso acontece
porque a voz pertence à mente condicionada, que é o resultado de toda a nossa
história passada, bem como dos valores culturais coletivos que herdamos. Assim,
vemos e julgamos o presente com os olhos do passado e construímos uma imagem
totalmente distorcida. Não é raro que a voz se torne o pior inimigo de nós
mesmos. Muitas pessoas vivem com um torturador em suas cabeças, que as ataca e
pune sem parar, drenando sua energia vital. Essa é a causa de muita angústia e
infelicidade, assim como de doenças.
A boa notícia é que podemos nos libertar de nossas
mentes. Essa é a única libertação verdadeira. Dê o primeiro passo nesse exato
momento. Comece a prestar atenção ao que a voz diz, principalmente a padrões
repetitivos de pensamento, aquelas velhas trilhas sonoras que você escuta
dentro da sua cabeça há anos. É isso que quero dizer com “observar o pensador”.
É um outro modo de dizer o seguinte: ouça a voz dentro da sua cabeça, esteja lá
presente, como uma testemunha.
Seja imparcial ao ouvir a voz,
não julgue nada. Não julgue ou condene o que você ouve, porque fazer isso
significaria que a mesma voz acabou de voltar pela porta dos fundos. Você logo
perceberá: lá está a voz e aqui estou eu, ouvindo-a e observando-a. Sentir a própria
presença não é um pensamento, é algo que surge de um ponto além da mente.
Assim, ouvir um pensamento significa que você está
consciente não só do pensamento, mas também de você mesmo, como uma testemunha
daquele pensamento. Isso
acontece porque uma nova dimensão da consciência acabou de surgir. Quando você ouve o
pensamento, sente uma presença consciente, que é o seu eu interior mais
profundo, por trás ou por baixo do pensamento. O pensamento, então, perde o
poder que exerce sobre você e se afasta rapidamente, porque a mente não está
mais recebendo a energia gerada pela sua identificação com ela. Esse é o começo
do fim do pensamento involuntário e compulsivo.
Quando um pensamento se afasta, percebemos uma
interrupção no fluxo mental, um espaço de “mente vazia”. No
início, esses espaços são curtos, talvez apenas alguns segundos, mas, aos
poucos, se tornam mais longos. Quando esses espaços acontecem, sentimos uma
certa serenidade e paz interior. Esse e o começo do estado natural de nos sentirmos em
unidade com o Ser, que normalmente é encoberto pela mente. Com a
prática, a sensação de paz e serenidade vai se intensificar. Na verdade, essa
intensidade não tem fim. Você também vai
sentir brotar lá de dentro uma sutil emanação de alegria, que é a alegria do
Ser.
Não se trata de um estado de
transe. Nada disso. Se o preço da paz fosse a perda da consciência e o preço da
serenidade, uma falta de vitalidade e de vivacidade, então não valeria a pena.
É exatamente o oposto. Nesse estado de conexão interior, ficamos muito mais
alertas. Estamos presentes por inteiro.
Ao penetrarmos mais profundamente
nessa área de “mente vazia”, como ela às vezes é chamada no Oriente, começamos
a perceber o estado de pura consciência. Nesse estado, sentimos a nossa própria
presença com tal intensidade e alegria que os pensamentos, as emoções, nosso
corpo, o mundo exterior – tudo se torna insignificante comparado a ele. No
entanto, não é um estado egoísta, e sim generoso. Ele nos transporta para um
ponto além do que antes julgávamos ser o nosso “eu interior”. Essa presença é
essencialmente você e, ao mesmo tempo, muito maior do que você.
è
Em vez de “observar o pensador”, podemos também criar um espaço no fluxo da
mente, direcionando o foco da
nossa atenção para o Agora. Torne-se consciente do momento. Isso é profundamente
gratificante de se fazer. Agindo assim, desviamos a consciência para longe da
atividade da mente e criamos um espaço de mente vazia, em que ficamos
extremamente alertas e conscientes, mas sem pensar. Essa é a essência da
meditação.
è
Na vida diária é
possível pôr isso em prática dando total atenção a qualquer atividade rotineira,
normalmente considerada como apenas um meio para atingir um objetivo, de modo a
transformá-la em um fim em si mesma. è Por exemplo,
todas as vezes que você subir ou descer as escadas em casa ou no trabalho,
preste muita atenção a cada passo, a cada movimento, até mesmo à sua
respiração. Esteja totalmente presente. Ou, quando lavar as mãos, preste atenção a todas as
sensações
provocadas por essa atividade, como o som e o contato da água, o movimento das
suas mãos, o cheiro do sabonete, e assim por diante. è Ou então, quando entrar em seu carro,
pare por alguns segundos depois que fechar a porta e observe o fluxo da sua
respiração. Tome consciência de um silencioso, mas poderoso, sentido de
presença. Para medir, sem errar, o seu sucesso nessa prática, verifique o grau
de paz dentro de você.
è
Portanto, o passo mais importante na
caminhada em direção à iluminação é aprendermos a nos dissociar de nossas
mentes. Todas as vezes que criamos um espaço no fluxo do pensamento, a luz da
nossa consciência fica mais forte.
Um dia você pode se surpreender
sorrindo para a voz dentro da cabeça, como sorriria para as travessuras de uma
criança. Isso significa que você não está mais levando tão a sério o que vai
pela mente, Pois o seu eu interior não depende dela.
Iluminação: elevando-se
acima do pensamento
O pensamento não é indispensável para sobrevivermos neste
mundo?
Nossa mente é um instrumento, uma
ferramenta. Está ali para ser usada em uma tarefa específica e depois ser
deixada de lado. Sendo assim, eu poderia afirmar que 80% a 90% dos pensamentos
não só são repetitivos e inúteis, mas, por conta de uma natureza frequentemente
negativa, são também nocivos. Observe sua mente e verificará como isso é
verdade. Essa atitude causa uma perda significativa de energia vital.
Esse tipo de pensamento
compulsivo é, na verdade, um vício. O que caracteriza um vício? Simplesmente não
termos mais a opção de parar. O vício parece mais forte do que nós. Proporciona
ainda uma falsa sensação de prazer, um prazer que, quase sempre, se transforma
em sofrimento.
Por que temos de ser viciados em pensar?
Porque estamos identificados com
esse processo, já que a percepção do eu interior (Neste caso: ego) tem origem
no conteúdo e na atividade de nossas mentes. Acreditamos que deixaríamos de
existir se parássemos de pensar. No processo de crescimento, construímos uma
imagem mental de nós mesmos, baseada em nosso condicionamento pessoal e
cultural. Podemos chamar isso “o fantasma pessoal do ego”. Consiste em uma
atividade mental e só pode ser mantido através do pensar constante. A palavra ego tem sentidos diferentes para pessoas
diferentes, mas aqui significa um falso eu interior,
criado por uma identificação inconsciente com a mente.
Para o ego, o momento presente dificilmente existe. Só o passado e o
futuro são considerados importantes. Essa total inversão da verdade
explica por que, para o ego, a mente não tem função è(???). O ego está sempre preocupado em
manter vivo o passado, porque pensa que sem ele não seríamos ninguém. E se
projeta no futuro para assegurar a continuação de sua sobrevivência e buscar
algum tipo de escape ou satisfação lá adiante. Ele diz assim: “Um dia, quando
isso ou aquilo acontecer, vou ficar bem, feliz, em paz”. Mesmo quando o ego
parece estar preocupado com o presente, não é o presente que ele vê, porque
constrói uma imagem completamente distorcida, a partir do passado. Ou então
reduz o presente a um meio para obter o fim desejado, um fim que sempre
consiste em um futuro projetado pela mente. Observe sua mente e verá que é
assim que ela funciona.
è O momento presente tem a
chave para a libertação. Mas você não conseguirá percebê-lo enquanto você for a
sua mente.
Não quero perder a minha capacidade de analisar e criticar.
Não me importo em aprender a pensar de forma mais clara, com um sentido mais
direcionado, mas não quero perder esse dom, que considero o bem mais precioso
que temos. Sem ele, seríamos apenas mais uma espécie animal.
O predomínio da mente é apenas um
estágio na evolução da consciência. Precisamos, urgentemente, passar ao próximo
estágio, senão seremos destruídos pela mente, que se transformou em um monstro.
Falarei sobre isso em detalhes, mais adiante. Pensamento
e consciência não são sinônimos. O pensamento é um pequeno aspecto
da consciência. O
pensamento não consegue existir sem a consciência, mas a consciência não
necessita do pensamento.
A iluminação significa chegar a um nível acima do pensamento,
e não em ficar abaixo dele, ao nível de um animal ou de uma planta. è No estado iluminado, continuamos
a usar nossas mentes quando necessário, mas de um modo mais focalizado e
eficiente. Assim, utilizando nossas mentes com objetivos práticos, não ouvimos
mais o diálogo interno involuntário e sentimos uma enorme serenidade interior. Quando
usamos de fato nossas mentes e, em especial, quando necessitamos de uma solução
criativa, há uma oscilação, de segundos, entre o pensamento e a serenidade, entre
a mente e a mente vazia. è O estado de mente vazia é a consciência sem o
pensamento. Só assim é possível pensar criativamente, porque somente desse modo o
pensamento tem alguma força real. O pensamento sozinho, quando não mais
conectado com a área da consciência, que é muito mais ampla, rapidamente se
torna árido, doentio e destrutivo.
è A mente é, em
essência, uma máquina de sobrevivência. Ela executa muitas coisas boas quando,
por exemplo, ataca e se defende de outras mentes, coleta, armazena e analisa
uma informação, mas não é nada criativa. Todo artista verdadeiro, quer tenha ou
não consciência disso, cria a partir de um lugar de mente vazia, que se origina
de uma serenidade interior. A mente então dá forma ao impulso criativo, ou
insight. Até mesmo os grandes cientistas têm relatado que as suas descobertas
mais originais aconteceram em um momento de serenidade mental. Uma pesquisa nacional realizada
com alguns dos matemáticos mais preeminentes que já atuaram nos Estados Unidos,
incluindo Einstein, para estudar seus métodos de trabalho, mostrou que o
pensamento “é apenas uma parte secundária da fase breve e decisiva do ato
criativo em si”. è Logo, eu poderia dizer que a
maioria dos cientistas não é criativa, não porque não sabe pensar, mas sim
porque não sabe como parar de pensar!
Não foi a mente, nem o
pensamento, que criou o milagre da vida ou nossos corpos. É claro que existe
uma inteligência, de uma dimensão muito maior do que a da mente, trabalhando
para manter tudo isso funcionando. è Como uma simples célula humana,
que mede 1/1.000 de 25,4 mm, pode conter instruções dentro do DNA que encheriam
1.000 livros de 600 páginas cada um? Quanto mais aprendemos sobre o
funcionamento do corpo, mais percebemos como é vasta a inteligência que age
dentro dele e como sabemos pouco a esse respeito. Quando a mente se relaciona
como corpo, transforma-se na mais maravilhosa das ferramentas. Serve, então, a
alguma é coisa maior do que ela mesma.
Emoção: a reação do corpo
à mente
E quanto às emoções? Elas me dominam muito mais do que a
minha mente.
A mente, no sentido em que
emprego o termo, não é apenas pensamento. Ela inclui nossas emoções, assim como
todos os padrões de reações mentais e emocionais inconscientes. A emoção nasce no
lugar onde a mente e o corpo se encontram. É a reação do corpo à
nossa mente ou, podemos dizer, um reflexo da mente no corpo. Por
exemplo, um pensamento agressivo ou hostil vai acumulando, aos poucos, uma
energia no corpo – a raiva. O corpo está se preparando para lutar. Já a ideia
de que nos encontramos sob uma ameaça física ou psicológica faz com que o corpo
se contraia,' o que é a manifestação física daquilo que chamamos medo. As
pesquisas têm demonstrado que as emoções fortes causam até mesmo mudanças na
bioquímica do corpo. Essas mudanças bioquímicas representam o aspecto físico ou
material da emoção. Em
geral, não temos consciência de todos os nossos padrões de pensamento. Só é
possível trazê-los à consciência quando observamos nossas emoções.
Quanto mais identificados
estivermos com nosso pensamento, com as coisas que nos agradam ou não, com
nossos julgamentos e interpretações, ou seja, quanto menos presentes estivermos
como consciência observadora, mais forte será a carga de energia emocional,
tenhamos ou não consciência disso. Se você não consegue sentir as suas emoções,
se as mantém à distância; terminará por senti-las em um nível puramente físico,
como um sintoma ou um problema físico. Muito se tem escrito a respeito disso
nos últimos anos, portanto não precisamos nos aprofundar no assunto.
É possível que um forte padrão
emocional inconsciente venha a se manifestar como um acontecimento externo,
algo que parece acontecer só com você. Por exemplo, tenho observado que as
pessoas que guardam muita raiva dentro de si mesma – mesmo sem ter consciência
e sem falar sobre o assunto – são mais propensas a ser atacadas verbalmente, ou
até mesmo fisicamente, por outras pessoas cheias de raiva. Com frequência, sem
qualquer motivo aparente. A razão é que elas desprendem uma raiva tão forte que
acaba sendo captada de forma subconsciente por outras pessoas, e isso aciona a
raiva latente que essas trazem dentro de si.
Se você tem dificuldade de sentir suas emoções, comece concentrando a
atenção na área de energia interior do seu corpo. Sinta o seu corpo lá no
fundo. Essa prática colocará você em contato com as suas emoções. Aprofundarei
o assunto mais adiante.
Você diz que a emoção é o reflexo da mente no corpo. Mas,
às vezes, ocorre um conflito entre os dois quando a mente diz “não” e a emoção
diz “sim”, ou vice-versa.
Se quisermos conhecer mesmo a
nossa mente, o corpo sempre nos dará um reflexo confiável. Portanto, observe a
sua emoção, ou melhor, sinta-a em seu corpo. Se houver um aparente conflito
entre os dois, a verdade estará na emoção e não no pensamento. Não a verdade
definitiva sobre quem você é, mas a verdade relativa ao estado da sua mente
naquele momento.
É bastante comum ocorrerem conflitos entre os pensamentos
superficiais e os processos mentais inconscientes. Mesmo que você ainda não
seja capaz de trazer a sua atividade mental inconsciente para um estado de
consciência sob a forma de pensamento, ela estará sempre refletida no seu corpo
como uma emoção, e isso você pode passar a perceber.
Observar uma emoção por esse ângulo é basicamente o mesmo que ouvir ou observar
um pensamento, como descrevi anteriormente. A única diferença é que o
pensamento está na sua cabeça, enquanto a emoção, por conter um forte
componente físico, se manifesta em primeiro lugar no corpo. Você pode permitir
que a emoção esteja ali, sem deixar que ela assuma o controle. Você não é mais a emoção.
Você é o observador, a presença que observa. Ao praticar isso, tudo o que está
inconsciente será trazido à luz da sua consciência.
Então, observar nossas emoções é tão importante quanto
observar nossos pensamentos?
è Sim. Habitue-se a perguntar o
que está acontecendo com você nesse exato momento. Essa questão lhe indicará a
direção certa. Mas não analise, apenas observe. Concentre sua atenção dentro de
você. Sinta a energia da emoção. Se não há emoção presente, concentre sua
atenção mais fundo no campo da energia interna do seu corpo. Essa é a porta de
entrada para o Ser.
=Pausa=
Uma emoção, em geral, representa um padrão de pensamento amplificado e
energizado. Por conta da carga energética quase sempre excessiva que ela
contém, não é fácil, a princípio, termos condições para observá-la. A
emoção quer assumir o controle, e quase sempre consegue, a menos que você
esteja presente e alerta. Se você for empurrado para uma identificação inconsciente
com a emoção, ela se tornará, temporariamente, “você”. É comum se estabelecer
um círculo vicioso entre o pensamento e a emoção porque um alimenta o outro. O
padrão do pensamento cria um reflexo amplificado de si mesmo na forma de uma
emoção, fazendo com que a frequência vibratória desta permaneça alimentando o
padrão de pensamento original. Ao lidar mentalmente com a situação,
acontecimento ou pessoa que é identificada como causadora da emoção, o
pensamento fornece energia para a emoção, a qual, por sua vez, energiza o
padrão de pensamento, e assim por diante.
Basicamente, todas as emoções são
modificações de uma emoção primitiva não diferenciada, cuja origem é a perda da
percepção de quem somos por trás do nome e da forma. É difícil encontrar um
nome que descreva essa emoção primitiva. A palavra “medo” é muito próxima, mas,
além do sentido de ameaça permanente, ela pode ser entendida como um profundo
sentimento de abandono e incompletude. Por isso, talvez seja melhor usar uma
palavra que não se confunda tanto com aquela emoção básica e chamar isso
simplesmente e “sofrimento”. Uma das principais tarefas da mente, uma das
razões da sua atividade incessante, é a de combater ou eliminar o sofrimento
emocional, embora ela invariavelmente só consiga encobri-lo por um tempo. De
fato, quanto mais a mente tenta se livrar do sofrimento, mais ele aumenta. A
mente nunca pode achar a solução, nem pode permitir que encontremos a solução,
porque é, ela mesma, uma parte intrínseca do “problema”. Imagine um chefe de
polícia tentando achar um incendiário, quando o incendiário é o próprio chefe
de polícia. Não nos livraremos desse sofrimento enquanto não extrairmos o
sentido de eu interior da identificação com a mente, ou seja, do ego. A mente
é, então, derrubada da sua posição de poder, e o Ser se revela em si mesmo,
como a verdadeira natureza da pessoa.
Já sei o que você vai
perguntar agora.
Eu ia perguntar: O que acontece com as emoções positivas,
como o amor e a alegria?
Elas são inseparáveis do estado
natural de conexão interior com o Ser. Sempre que houver um espaço no fluxo dos
pensamentos, podem ocorrer lampejos de amor e alegria, ou breves instantes de
uma paz profunda. Para a maioria das pessoas, tais espaços raramente acontecem,
e mesmo assim por acaso, nas ocasiões em que a mente fica “sem palavras”,
instigada por uma beleza estonteante, uma exaustão física extrema, ou mesmo um
grande perigo. De repente se instala uma serenidade interior. E dentro dessa
serenidade existe uma alegria sutil, mas intensa, existe amor, existe paz.
Normalmente, tais momentos têm
vida curta, pois a mente logo reassume essa atividade barulhenta a que chamamos
pensar. O amor, a alegria e a paz não conseguem florescer, a menos que tenhamos nos
livrado do domínio da mente. Mas eu não os chamaria de emoções.
Eles estão por baixo das emoções, em um nível mais profundo. Portanto,
precisamos nos tornar plenamente conscientes de nossas emoções e sermos capazes
de senti-las, antes de sermos capazes de sentir aquilo que está além delas. A
palavra emoção significa, literalmente, “desordem”. A palavra vem do latim emovere, que
significa “movimentar”.
Amor, alegria e paz são estados profundos do Ser, ou
melhor, três aspectos do estado de ligação com o Ser. Assim,
não possuem opositores pela simples razão de que surgem por trás da mente. As
emoções, por outro lado, sendo uma parte da mente dualística, estão sujeitas à
lei dos opostos. Isso quer dizer, simplesmente, que não se pode ter o bom
sem que haja o mau. Portanto, numa condição não iluminada de
identificação com a mente, aquilo que algumas vezes é erroneamente chamado de
alegria é o lado geralmente breve do prazer, dentro da alternância contínua do
ciclo sofrimento/prazer. O prazer sempre se origina de alguma coisa externa a
nós, ao passo que a alegria nasce do nosso interior. A mesma coisa que
proporciona prazer hoje provocará sofrimento amanhã, ou nos abandonará, e essa
ausência causará sofrimento. Do mesmo modo, o que se costuma chamar de amor
pode ser prazeroso e excitante por um tempo, mas é um apego adicional, uma
condição de necessidade extrema, que pode vir a se transformar no oposto, em um
piscar de olhos. Muitas relações “amorosas”, passada a euforia inicial, oscilam
entre o “amor” e o ódio, a atração e a agressão.
O amor verdadeiro não permite que você sofra.
Como poderia? Não se transforma em ódio de repente, assim como a verdadeira
alegria não se transforma em sofrimento. Antes de
atingirmos a iluminação, antes mesmo de nos libertarmos de nossas mentes,
podemos ter lampejos de alegria autêntica, de um amor verdadeiro ou de uma
profunda paz interior, tranquila, mas intensamente viva. Esses são aspectos da
nossa verdadeira natureza, em geral obscurecida pela mente. Mesmo dentro de uma
relação “normal” de dependência, é possível haver momentos onde podemos sentir
a presença de algo genuíno, incorruptível. Mas serão somente lampejos, a serem
logo encobertos pela interferência da mente. Você poderá ficar com a impressão
de que teve alguma coisa muita valiosa, mas a perdeu, ou a sua mente pode lhe
convencer de que tudo não passou de uma ilusão. A verdade é que não foi uma
ilusão e você também não perdeu nada. Esse algo valioso é parte de seu estado
natural – pode estar encoberto, mas nunca ser destruído pela mente. Mesmo
quando o céu está totalmente coberto, o sol não desapareceu. Ainda está lá, por
trás das nuvens.
Buda diz que a dor ou o sofrimento surge através de desejos ou anseios, e
que para se libertar da dor necessitamos romper as amarras do desejo.
Todos os anseios nascem da busca
da mente por salvação ou satisfação nas coisas externas e no futuro, como
substitutos da alegria do Ser. Se somos nossas mentes, somos aqueles anseios,
aquelas necessidades, desejos, apegos e aversões. Fora deles não existe o eu,
exceto como uma mera possibilidade, um potencial não preenchido, uma semente
que ainda não germinou. Nessa
condição, até mesmo o desejo de nos tornarmos livres ou iluminados não passa de
mais um desejo a ser realizado ou concluído no futuro. Portanto, não busque se
libertar do desejo ou “adquirir” a iluminação. Torne-se presente. Esteja lá,
como um observador da mente. Em lugar de citar Buda, seja Buda, seja “O
Iluminado”, que é o que a palavra buda significa.
Os seres humanos têm
vivido enredados pelo sofrimento por séculos, desde que decaíram do estado de
graça, penetraram no domínio de tempo e da mente, e perderam a percepção do
Ser. Nesse momento, começaram a se perceber como fragmentos sem sentido em um
universo estranho, sem conexão com a Fonte e com o seu semelhante.
Enquanto estivermos identificados
com as nossas mentes, o que significa dizer, enquanto estivermos inconscientes
espiritualmente, o sofrimento, será inevitável. Refiro-me aqui, ao sofrimento
emocional, que é também a causa principal do sofrimento físico e da doença. O
ressentimento, o ódio, a autopiedade, a culpa, a raiva, a depressão, o ciúme e
até mesmo uma leve irritação são formas de sofrimento. E qualquer prazer ou
forte emoção contém em si a semente do sofrimento. É o inseparável oposto, que
se manifestará com o tempo. Quem já tomou bebidas alcoólicas ou drogas para
ficar “alto” sabe que o alto se transforma em baixo, que o prazer se transforma
em alguma forma de sofrimento. A maioria das pessoas também sabe, por
experiência própria, como uma relação íntima pode se transformar, de modo fácil
e rápido, de fonte de prazer em fonte de sofrimento. Vistas de uma
perspectiva mais ampla, tanto a polaridade negativa quanto a positiva são lados
de uma mesma moeda, são partes de um sofrimento que está oculto, inseparável do
estado de consciência identificado com a mente. Existem dois níveis de
sofrimento: o que você cria agora e o que tem origem no passado que ainda vive
em sua mente e no seu corpo.
Deixar de criar sofrimento no presente e dissolver o sofrimento do
passado – é sobre isso que desejo falar com você agora.
Capítulo
dois
CONSCIÊNCIA:
O CAMINHO PARA ESCAPAR DO SOFRIMENTO
Não crie mais sofrimento
no presente
Ninguém tem uma vida livre de sofrimento e mágoa. Não é uma
questão de aprender a viver com isso, em vez de tentar evitar?
A maior parte do sofrimento
humano é desnecessária. Ele se forma sozinho, enquanto a mente superficial
governa a nossa vida.
O sofrimento que sentimos neste
exato momento é sempre alguma forma de não aceitação, uma forma de resistência
inconsciente ao que é. No nível do pensamento, a resistência é uma forma de
julgamento. No nível emocional, ela é uma forma de negatividade. O sofrimento varia de intensidade de
acordo com o grau de resistência ao
momento atual, e isso, por sua vez, depende da intensidade com que nos
identificamos com as nossas mentes. A mente procura sempre negar e escapar do
Agora. Em outras palavras, quanto mais nos identificamos com as nossas mentes,
mais sofremos. Ou ainda, quanto mais respeitamos e aceitamos o Agora, mais nos libertamos
da dor, do sofrimento e da mente.
Por que a mente tem o hábito de negar ou resistir ao
Agora? Porque ela não consegue funcionar e permanecer no controle sem que
esteja associada ao tempo, tanto passado quanto futuro, e assim ela vê o
atemporal Agora como algo ameaçador. Na verdade, o tempo e a mente são
inseparáveis.
Imagine a Terra sem a vida
humana, habitada apenas por plantas e animais. Será que ainda haveria passado e
futuro? Será que as perguntas “que horas são?” ou “que dia é hoje?” teriam
algum sentido para um carvalho ou uma águia? Acho que eles ficariam intrigados
e responderiam: “Claro que é agora. A hora é agora. O que mais existe?”
Não há dúvidas de que precisamos da mente e
do tempo, mas, no momento, em que eles assumem o controle das nossas vidas,
surgem os problemas, o sofrimento e a mágoa.
Para ter certeza de que permanece no controle, a mente trabalha o tempo
todo para esconder o momento presente com o passado e o futuro. Assim, a
vitalidade e o infinito potencial criativo do Ser, que é inseparável do Agora,
ficam encobertos pelo tempo e a nossa verdadeira natureza é obscurecida pela
mente. Todos nós sofremos ao ignorar ou negar cada momento precioso
ou reduzi-lo a um meio para alcançar algo no futuro, algo que só existe em
nossas mentes, nunca na realidade. O tempo acumulado na mente humana encerra
uma grande quantidade de sofrimento cuja origem está no passado.
Se não quer gerar mais sofrimento para você e para os outros, não crie
mais tempo, ou, pelo menos, não mais do que o necessário para lidar com os
aspectos práticos da sua vida. Como deixar de “criar” tempo? Tendo uma profunda consciência de que o
momento presente é tudo o que você tem. Faça do Agora o foco principal da sua vida. Se antes você
se fixava no tempo e fazia rápidas visitas ao Agora, inverta essa lógica,
fixando-se no Agora e fazendo visitas rápidas ao passado e ao futuro quando
precisar lidar com os aspectos práticos da sua vida. Diga
sempre “sim” ao momento atual. O que poderia ser mais insensato do que criar
uma resistência interior a alguma coisa que já é? O que poderia ser mais insensato do que
se opor à própria vida, que é agora e sempre agora? Renda-se ao que é. Diga “sim” para a vida e veja
como, de repente, a vida começa a trabalhar mais a seu favor em vez de contra
você.
Às vezes, o momento atual
é inaceitável, desagradável ou terrível.
As coisas são como são. Observe
como a mente julga continuamente o comportamento, atribuindo nomes às coisas.
Entenda como esse processo cria sofrimento e infelicidade. Ao observarmos o mecanismo da mente,
escapamos dos padrões de resistência e podemos então permitir que o momento
atual exista. Isso dará a você uma prova do estado de liberdade
interior, o estado da verdadeira paz interior. Veja então o que acontece e
parta para a ação, caso necessário ou possível.
Aceite, depois aja. O que quer que o momento atual
contenha, aceite-o como uma escolha sua. Trabalhe sempre com ele, não contra.
Torne-o um amigo e aliado, não seu inimigo. Isso transformará toda a sua vida,
como por milagre.
Dissolvendo o sofrimento
do passado
Enquanto não somos capazes de
acessar o poder do Agora, vamos acumulando resíduos de sofrimento emocional.
Esses resíduos se misturam ao sofrimento do passado e se alojam em nossa mente
e em nosso corpo. Isso inclui o sofrimento vivido em nossa infância, causado
pela falta de compreensão do mundo em que nascemos.
Todo esse sofrimento cria um
campo de energia negativa que ocupa a mente e o corpo. Se olharmos para ele
como uma entidade invisível com características próprias, estaremos chegando
bem perto da verdade. É o sofrimento emocional do corpo. Apresenta-se sob duas
modalidades: inativo e ativo. O sofrimento pode ficar inativo 90% do tempo, ou
100% ativado em alguém profundamente infeliz. Algumas pessoas atravessam a vida
quase que inteiramente tomadas pelo sofrimento, enquanto outras passam por ele
em algumas situações que envolvem relações familiares e amorosas, lesões
físicas ou emocionais, perdas do passado, abandono, etc. Qualquer coisa pode
ativá-lo, especialmente se encontrar ressonância em um padrão de sofrimento do
passado. Quando o sofrimento está pronto para despertar do estágio inativo, até
mesmo uma observação inocente feita por um amigo ou um pensamento é capaz de
ativá-lo.
Alguns sofrimentos são
irritantes, mas inofensivos, como é o caso de uma criança que não para de
chorar. Outros são monstros destrutivos e mórbidos, verdadeiros demônios.
Alguns são fisicamente violentos; outros, emocionalmente violentos. Eles podem
atacar tanto as pessoas à nossa volta quanto a nós mesmos, seus “hospedeiros”.
Os pensamentos e sentimentos relativos à nossa vida tornam-se, então,
profundamente negativos e autodestrutivos. Doenças e acidentes frequentemente
acontecem desse modo. Alguns sofrimentos podem até levar uma pessoa ao
suicídio.
Às vezes levamos um choque ao
descobrir uma faceta detestável em alguém que pensávamos conhecer bem.
Entretanto, é mais importante observar essa situação em nós mesmos do que nos
outros. Preste atenção a
qualquer sinal de infelicidade em você, qualquer que seja a forma, pois talvez
seja o despertar do sofrimento. Ele pode se manifestar como uma irritação, um
sinal de impaciência, um ar sombrio, um desejo de ferir, sentimentos de raiva,
ira, depressão ou uma necessidade de criar algum tipo de problema em seus
relacionamentos. Agarre o sinal no momento em que ele despertar de seu estado
inativo.
O sofrimento deseja sobreviver, mas, para isso, precisa
conseguir que nos identifiquemos inconscientemente com ele.
Portanto, quando o sofrimento toma conta de nós, cria uma situação em nossas
vidas que reflete a própria frequência de energia da qual ele se alimenta. Sofrimento só se
alimenta de sofrimento. Não se consegue alimentar de alegria.
Acha-a indigesta. Quando o sofrimento nos domina, faz com que desejemos ter
mais sofrimento. Passamos a ser vítimas ou perpetradores. Queremos infligir
sofrimento, ou senti-lo, ou ambos. Na verdade, não há muita diferença entre os
dois. É claro que não temos consciência disso e afirmamos que não queremos
sofrer. Mas, preste bem atenção e verá que o seu pensamento e o seu comportamento
estão programados para continuar com o sofrimento, tanto para você quanto para
os outros. Se você estivesse consciente disso, o padrão iria se desfazer,
porque desejar mais sofrimento é uma insanidade, e ninguém é insano conscientemente.
O sofrimento, a sombra escura
projetada pelo ego, tem medo da luz da nossa consciência. Teme ser descoberto.
Sobrevive graças à nossa identificação inconsciente com ele, assim como do medo
inconsciente de enfrentarmos o sofrimento que vive dentro de nós. Mas se não o
enfrentarmos, se não direcionarmos a luz da nossa consciência sobre o
sofrimento, seremos forçados a revivê-lo. O sofrimento pode nos parecer um monstro perigoso, mas eu
lhe garanto que se trata de um fantasma frági1. Ele não pode prevalecer sobre o
poder da nossa presença.
Alguns ensinamentos espirituais
dizem que todo sofrimento é, em última análise, uma i1usão, e isso é verdade. A
questão é se isso é uma verdade para você. Acreditar simplesmente não
transforma nada em verdade. Você quer sofrer para o resto da vida e permanecer
dizendo que é uma ilusão? Será que essa atitude livra você do sofrimento? O que nos interessa aqui é
o que podemos fazer para vivenciar essa verdade, ou seja, torná-la real em
nossas vidas.
Portanto, o sofrimento não quer
que nós o observemos diretamente e vejamos o que ele realmente é. No momento em que o
observamos, sentimos seu campo energético dentro de nós e desfazemos nossa
identificação com ele, surge uma nova dimensão da consciência. Chamo a isso presença.
Passamos a ser testemunhas ou observadores do sofrimento. Isso significa que
ele não pode mais nos usar, fingindo ser nosso eu interior. Então, não temos
mais como realimentá-lo. Aqui está nossa mais profunda força interior, Acabamos de acessar o poder
do Agora.
O que acontece ao sofrimento quando nos tornamos
conscientes o bastante para romper a nossa identificação com ele?
A inconsciência cria o sofrimento. A consciência transforma
o sofrimento nela mesma. São Paulo expressa esse princípio universal de uma
forma linda ao dizer: “Tudo é revelado ao ser exposto à luz e o que for
exposto à própria luz se torna luz”. Assim como não se pode lutar contra a
escuridão, não se pode lutar contra o sofrimento. Tentar fazer isso poderia
gerar um conflito interior e um sofrimento adicional. Observar o sofrimento já é o
bastante. Observá-lo implica aceitá-lo como parte do que existe naquele momento.
O sofrimento consiste na energia
vital aprisionada que se desprendeu do campo energético total e se fez
temporariamente autônoma, através de um processo artificial de identificação
com a mente. Ela se volta para dentro de si mesma e se torna algo contrário à
vida, como um animal tentando comer o próprio rabo. Por que você acha que a
nossa civilização se tornou tão autodestrutiva? Acontece que as forças
destrutivas da vida, ainda são energia vital.
Mesmo quando começamos a deixar de nos identificar e nos
tornamos observadores, o sofrimento ainda continua a agir por um tempo e vai
tentar fazer com que voltemos a nos identificar com ele. Embora
não esteja mais recebendo a energia originada da nossa identificação com ele, o
sofrimento ainda tem sua força, como uma roda-gigante que continua a girar,
mesmo quando deixa de receber o impulso. Nesse estágio, o sofrimento pode até
ocasionar dores em diversas partes do corpo, mas elas não vão durar. Esteja
presente, fique consciente. Vigie o seu espaço interior. Você vai
precisar estar presente e alerta para ser capaz de observar o sofrimento de um
modo direto e sentir a energia que emana dele. Agindo assim, o sofrimento não
terá força para controlar o seu pensamento.
No momento em que o seu
pensamento se alinha com o campo energético do sofrimento, você está se
identificando com ele e, de novo, alimentando-o com os seus pensamentos. Por
exemplo, se a raiva é a vibração de energia que predomina no sofrimento e você
alimenta esse sentimento, insistindo em pensar no que alguém fez para
prejudicá-lo ou no que você vai fazer em relação a essa pessoa, é porque você
já não está mais consciente, e o sofrimento se tornou “você”. Onde existe
raiva, existe sempre um sofrimento oculto. Quando você começa a entrar em um
padrão mental negativo e a pensar como a sua vida é horrorosa, isso quer dizer
que o pensamento se alinhou com o sofrimento e que você passou a estar
inconsciente e vulnerável a um ataque do sofrimento. Utilizo a palavra
“inconsciência” no presente contexto para significar uma identificação com um
padrão mental ou emocional. Isso implica uma ausência completa do observador.
Manter-se em um estado de alerta consciente destrói a
ligação entre o sofrimento e o mecanismo do pensamento, e aciona o processo de
transformação. É como se o sofrimento se tornasse o combustível
para a chamada da consciência, resultando em um brilho de mais intensidade. Esse é o significado esotérico
da antiga arte da a1quimia: a transformação do metal não-precioso em ouro, do
sofrimento em consciência. A separação interior cicatriza, e você se torna
inteiro outra vez. Cabe a você, então, não criar um sofrimento adicional.
Resumindo o processo: concentre a
atenção no sentimento dentro de você. Reconheça que é o sofrimento. Aceite que
ele esteja ali. Não pense a respeito. Não permita que o sentimento se
transforme em pensamento. Não julgue nem analise. Não se identifique com o
sentimento. Esteja presente e observe o que está acontecendo dentro de você.
Perceba não só o sofrimento emocional, mas também a presença “de alguém que
observa”, o observador silencioso. Esse é o poder do Agora, o poder da sua própria presença
consciente. Veja, então, o que acontece.
=Pausa=
Em inúmeras mulheres, o
sofrimento manifesta-se, em particular, no período anterior ao fluxo menstrual.
Mais adiante comentarei as razões pelas quais isso acontece. No momento, o
importante é que você seja capaz de estar alerta e presente quando o sofrimento
aparecer e de observar o sentimento em vez de se deixar dominar por ele. Essas
atitudes proporcionam uma oportunidade para a mais poderosa das práticas
espirituais e tornam possível uma rápida transformação de todo o passado.
A identificação do ego com
o sofrimento
O processo que acabei de descrever é extremamente poderoso,
embora simples. Poderia ser ensinado a uma criança, e tenho a esperança de que
um dia será uma das primeiras coisas a serem aprendidas na escola. Uma vez entendido o princípio
básico do que significa estar presente observando o que acontece dentro de nós
– e “entendemos” isso
quando passamos pela experiência –, teremos à nossa disposição a mais poderosa
ferramenta de transformação.
Não nego que podemos encontrar
uma forte resistência interna tentando nos impedir de pôr um fim à
identificação com o sofrimento. Isso acontecerá particularmente se tivermos
vivido intimamente identificados com o sofrimento emocional durante a maior
parte da Vida e se tivermos investido nele uma grande parte ou mesmo todo o
nosso sentido de eu interior. Isso significa que construímos um eu
interior infeliz por conta do nosso sofrimento e acreditamos que somos essa
ficção fabricada pela mente. Nesse caso, nosso medo inconsciente de
perder a identidade vai criar uma forte resistência a qualquer forma de
não-identificação. Em
outras palavras, você preferiria viver com o sofrimento – ser o sofrimento – a
saltar para o desconhecido, correndo o risco de perder o seu infeliz, mas
familiar eu interior.
Se esse é o seu caso, observe a
resistência dentro de você. Observe o seu apego ao sofrimento. Esteja muito
alerta. Observe como é estranho ter prazer em ser infeliz. Observe a compulsão
de falar ou pensar a esse respeito. A resistência deixará de existir se você torná-la
consciente. Poderá então dar atenção ao sofrimento, estar presente como
testemunha e iniciar a transformação.
Só você pode fazer isso. Ninguém
pode fazer por você. Mas, caso tenha bastante sorte para encontrar alguém
intensamente consciente, se puder estar com essa pessoa e juntar-se a ela no
estado de presença, isso poderá ser de grande utilidade, acelerando o processo.
Se isso acontecer, a sua própria luz logo brilhará mais forte. Quando colocamos
um pedaço de lenha que tenha começado a queimar há pouco tempo perto de outro
que está queimando vigorosamente e, depois, separamos os dois novamente, o
primeiro tronco passará a queimar com uma intensidade muito maior. Afinal de
contas, é o mesmo fogo. Ser um fogo dessa natureza é uma das funções de um
mestre espiritual. Alguns terapeutas estão aptos a preencher essa função; desde
que tenham alcançado um ponto além do nível de consciência e sejam capazes de
criar e sustentar um estado de presença intensa e consciente enquanto estiverem
trabalhando com você.
A origem do medo
Você mencionou o medo como uma parte do nosso sofrimento
emocional latente. Por que há tanto medo na vida das pessoas? Uma certa dose de
medo não é saudável? Se eu não tivesse medo do fogo, poderia colocar minha mão
dentro dele e me queimar.
A razão pela qual não colocamos a
mão no fogo não é o medo, e sim a certeza de que vamos nos queimar. Não é
preciso ter medo para evitar um perigo desnecessário, basta um mínimo de
inteligência e bom senso. Nessas questões práticas, é muito útil aplicarmos as
lições do passado. Mas se alguém nos ameaça com fogo ou com violência física,
talvez experimentemos uma sensação como o medo. É uma reação instintiva ao
perigo, sem relação com a doença psicológica do medo que estamos tratando aqui.
A doença psicológica do medo não está presa a qualquer perigo imediato concreto
e verdadeiro. Manifesta-se de várias formas, tais como agitação, preocupação,
ansiedade, nervosismo, tensão, pavor, fobia, etc. Esse tipo de medo psicológico
é sempre de alguma coisa que poderá acontecer, não de alguma coisa que está
acontecendo neste momento. Você está aqui e agora, ao passo que a sua mente está
no futuro. Essa situação cria um espaço de angústia. E caso
estejam identificados com as nossas mentes e tivermos perdido o contato com o
poder e a simplicidade do Agora, essa angústia será a nossa companhia
constante. Podemos
sempre lidar com uma situação no momento em que ela se apresenta, mas não
podemos lidar com algo que é apenas uma projeção mental. Não podemos lidar com
o futuro.
Além do mais, enquanto estivermos
identificados com a mente, o ego rege as nossas vidas, como mencionei
anteriormente. Por conta da sua natureza ilusória e apesar dos elaborados
mecanismos de defesa, o ego é muito vulnerável e inseguro e vê a si mesmo em constante
ameaça. Esse é o caso aqui, mesmo que o ego seja muito confiante, em sua forma
externa. Agora,
lembre-se que uma emoção é a reação do corpo à mente. Que mensagem o corpo está recebendo
permanentemente do ego, o falso eu interior construído pela mente? Perigo,
estou sob ameaça. E qual é a emoção gerada por essa mensagem permanente? Medo,
é claro.
O medo parece ter várias causas –
tememos perder, falhar, nos machucar –, mas em última análise todos os medos se
resumem a um só: o
medo que o ego tem da morte e da destruição. Para o ego, a morte está bem ali na
esquina. No estado de identificação com a mente, o medo da morte afeta cada
aspecto da nossa vida. Por exemplo, mesmo uma coisa
aparentemente trivial ou “normal”, como a necessidade de estar certo em um
argumento e demonstrar à outra pessoa que ela está errada, defendendo a posição
mental com a qual nos identificamos, acontece por causa do medo da morte. Se
estivermos identificados com uma atitude mental e descobrirmos que estamos
errados, nosso sentido de eu interior baseado na mente corre um sério risco de
destruição. Portanto, assim como o ego, você não pode errar. Errar é morrer.
Muitas guerras foram disputadas por causa disso e inúmeros relacionamentos
foram destruídos.
Uma vez que não estejamos mais identificados com a mente,
não faz a menor diferença para o nosso eu interior estarmos certos ou errados.
Assim, a necessidade compulsiva e profundamente inconsciente de ter sempre
razão – o que é uma forma de violência – vai desaparecer. Você
poderá declarar de modo calmo e firme como se sente ou o que pensa a respeito
de algum assunto, mas sem agressividade ou qualquer sentido de defesa. O sentido do eu interior
passa a se originar de um lugar profundo e verdadeiro dentro de você, não mais
de sua mente. Tenha cuidado com
qualquer tipo de defesa dentro de você. Está se defendendo de quê? De
identidade ilusória, de uma imagem em sua mente, de uma identidade fictícia? Ao
trazer esse padrão à consciência, ao testemunhá-lo, você deixa de se
identificar com ele. Sob a luz da consciência, o padrão de inconsciência irá se dissolver
rapidamente. Esse é o fim de
todos os argumentos e jogos de poder, tão prejudiciais aos relacionamentos. O poder sobre os outros é fraqueza
disfarçada de força. O verdadeiro poder é interior e está à sua disposição
agora.
O medo será uma companhia constante para qualquer pessoa
que esteja identificada com a mente e, portanto, desconectada do seu verdadeiro
poder, o eu profundo enraizado no Ser. O número de pessoas que
conseguiram alcançar o ponto além da mente ainda é extremamente pequeno, o que
nos leva a presumir que, virtualmente, todas as pessoas que você encontra ou
conhece vivem em um estado permanente de medo. Só o que varia é a intensidade.
Ele flutua entre a ansiedade e o pavor numa ponta da escala e um desconfortável,
vago e distante sentido de ameaça na outra. Muitas pessoas só tomam consciência
disso quando o medo assume uma de suas formas mais agudas.
A busca do ego pela
plenitude
Um outro aspecto do sofrimento
emocional é uma profunda sensação de falta, de incompletude, de não se sentir
inteiro. Em algumas pessoas isso é consciente, em outras, não. Quando está
consciente, a pessoa tem uma sensação inquietante de que não é respeitada ou
boa o bastante. Na forma inconsciente, essa sensação se manifesta indiretamente
como um anseio, uma necessidade ou uma carência intensa. Em ambos os casos, as
pessoas podem acabar buscando compulsivamente uma forma de gratificar o ego e
preencher o buraco que sentem por dentro. Assim, empenham-se em possuir
propriedades, dinheiro, sucesso, poder, reconhecimento ou um relacionamento
especial, para se sentirem melhor e mais completas. Porém, mesmo quando
conseguem todas essas coisas, percebem que o buraco ainda está ali e não tem
fundo. As pessoas veem, então, que estão realmente em apuros, porque não podem
mais se enganar. Na verdade, elas continuam tentando agir como antes, mas isso
se torna cada vez mais difícil.
Enquanto o ego dirige a nossa vida, não conseguimos nos
sentir à vontade, em paz ou completos, exceto por breves períodos, quando
acabamos de ter um desejo satisfeito. O ego precisa de alirnento e proteção o
tempo todo. Tem necessidade de se identificar com coisas externas, como
propriedades, status social, trabalho, educação, aparência física, habilidades
especiais, relacionamentos, história pessoal e familiar, ideais políticos e
crenças religiosas. Só que nada disso é você.
Levou um susto? Ou sentiu um
enorme alívio? Mais cedo ou mais tarde, você vai ter que abrir mão de todas
essas coisas. Pode ser difícil de acreditar, e eu não estou aqui pedindo a você
que acredite que a sua identidade não está em nenhuma dessas coisas. Você vai
conhecer por si mesmo a verdade, lá no fim, quando sentir a morte se aproximar.
Morte significa um despojar-se de tudo o que não é você. O segredo da vida é
“morrer antes que você morra” – e descobrir que não existe morte.
Capítulo
três
ENTRANDO
PROFUNDAMENTE NO AGORA
Não
busque o seu eu interior dentro da mente
Sinto que ainda tenho muito a aprender
sobre as atividades da minha mente, antes de poder chegar a algum lugar próximo
da consciência ou iluminação espiritual.
Não, não tem. Os problemas da
mente não podem ser solucionados no nível da mente. No momento em que
compreendemos que não somos a nossa mente, não existe muito mais a aprender ou
compreender. O
máximo que podemos conseguir ao estudar a mente é nos tornarmos bons
psicólogos, mas isso não nos levará para além da mente, do mesmo modo que
estudar a loucura não basta para criar a sanidade. Já
entendemos a mecânica básica do estado de inconsciência, ou seja, quando nos
identificamos com a mente geramos um falso eu interior, o ego, que é um substituto do nosso verdadeiro eu interior enraizado no Ser. Passamos a ser “um
ramo cortado da videira”, como Jesus pregou.
As necessidades do ego são
intermináveis. Ele se sente vulnerável e ameaçado e, em consequência, vive em
um estado de medo e carência. Quando entendemos esse funcionamento anormal da
mente, não precisamos examinar todas as suas numerosas manifestações, nem o
transformar em um problema pessoal complexo. O ego, é claro, adora fazer isso.
Está sempre buscando algo em que se apegar para sustentar e fortalecer a ilusão
que tem de si mesmo e para juntar aos seus problemas. Essa é a razão pela qual,
para muitos de nós, o sentido do eu interior está intimamente ligado aos nossos
problemas. Quando isso acontece, a última coisa que desejamos é nos livrar
deles, porque isso significaria a perda do eu interior. Por isso, pode existir
uma grande parte de investimento inconsciente do ego em mágoa e sofrimento.
Portanto, se reconhecermos que a
raiz da inconsciência vem de uma identificação com a mente, o que naturalmente
inclui as emoções, estaremos dando um passo para nos livrar da mente. Ficamos
presentes. Quando estamos presentes, podemos permitir que a mente seja como é,
sem nos deixar enredar por ela. è A mente em si é uma ferramenta
maravilhosa. O mau funcionamento acontece quando buscamos o nosso eu interior
dentro dela e a confundimos com quem somos. É nesse momento que a mente
torna-se egóica e domina toda a nossa vida.
O fim da ilusão do tempo
É praticamente impossível deixarmos de nos identificar com
a mente. Estamos mergulhados nela. Como se ensina um peixe a voar?
O segredo está em acabar com a ilusão do tempo. O tempo e
a mente são inseparáveis. Tire o tempo da mente e ele para, a menos que você
escolha utilizá-lo.
Estar identificado com a
mente é estar preso ao tempo. É a compulsão para vivermos quase exclusivamente
através da memória ou da antecipação. Isso cria uma preocupação infinita com o
passado e o futuro, e uma relutância em respeitar o momento presente e permitir
que ele aconteça. Temos essa compulsão porque o passado nos dá uma identidade e
o futuro contém uma promessa de salvação e de realização. Ambos são ilusões.
Mas, sem o tempo, qual seria a razão de nossa existência?
Não teríamos objetivos a alcançar, nem mesmo saberíamos quem somos. O tempo é
algo precioso e acho que precisamos aprender a utilizá-lo com sabedoria, em vez
de desperdiçá-lo.
O tempo não tem nada de precioso,
porque é uma ilusão. Aquilo que achamos ser precioso não é o tempo, mas um
ponto que está fora dele: o Agora. Isso é realmente precioso. Quanto mais nos concentramos no
tempo, no passado e no futuro, mais perdemos o Agora, a coisa mais importante
que existe. Por que o
Agora é a coisa mais importante que existe?
Primeiramente, porque é a única coisa. É tudo o que existe. O eterno
presente é o espaço dentro do qual se desenvolve toda a nossa vida, o único
fator que permanece constante. A vida é agora. Nunca houve uma época em que a
nossa vida não fosse agora, nem haverá. Em segundo lugar, o Agora é o único ponto que
pode nos conduzir para além das fronteiras limitadas da mente. É o nosso único
ponto de acesso para a área atemporal e amorfa do Ser.
Nada existe fora do Agora
O passado e o futuro não são tão reais quanto o presente?
Afinal, o passado determina quem somos e de que forma agimos no presente. E os
nossos objetivos futuros determinam as atitudes que tomamos no presente.
Você ainda não captou a essência
do que estou dizendo porque está tentando entender mentalmente. A mente não
pode entender esse assunto. Só você pode. Por favor, preste atenção ao
seguinte:
Você alguma vez vivenciou, realizou, pensou ou sentiu
alguma coisa fora do Agora? Acha que conseguirá algum dia? É possível alguma
coisa acontecer ou ser fora do Agora? A resposta é óbvia, não é mesmo?
Nada jamais aconteceu no passado,
aconteceu no Agora.
Nada jamais irá acontecer no
futuro, acontecerá no Agora.
O que consideramos como passado é
um traço da memória, armazenado na mente, de um Agora anterior. Quando
lembramos do passado, reativamos um traço da memória e fazemos isso agora. O
futuro é um Agora imaginado, uma projeção da mente. Quando o futuro acontece,
acontece como sendo o Agora. Quando pensamos sobre o futuro, fazemos isso no
Agora. Obviamente o passado e o futuro não têm realidade própria. Do mesmo modo
como a lua não tem luz própria e apenas reflete a luz do sol, o passado e o
futuro são apenas um reflexo pálido da luz, do poder e da realidade do eterno
presente. A realidade deles é “emprestada” do Agora.
A essência dessas afirmações não
pode ser compreendida pela mente. No momento em que captamos a essência, ocorre
uma mudança na consciência, que passa a desviar o foco da mente para o Ser, do
tempo para a presença. De repente, tudo parece vivo, irradia energia, emana do
Ser.
=Pausa=
A chave para a dimensão
espiritual
Em situações em que a nossa vida
está ameaçada pode ocorrer naturalmente essa mudança na consciência do tempo
para o momento presente. A personalidade que tem um passado e um futuro
retrocede e é substituída por uma presença consciente intensa, serena, mas, ao
mesmo tempo, alerta. Sempre que uma reação se faz necessária, ela surge desse
estado de consciência.
Muitas
pessoas, embora não percebam, gostam de se envolver em atividades perigosas,
como escaladas de montanhas, corridas de automóvel, voos de asa-delta, pela
simples razão de que essas atividades as trazem para o Agora, livre do tempo,
dos problemas, dos pensamentos e das obrigações pessoais. Nesses casos, desviar
sua atenção do momento presente, nem que seja por um segundo, pode significar a
morte. Infelizmente, essas pessoas passam a depender de uma atividade em
particular para ficarem nesse estado. Mas você não precisa escalar a face norte
do Eiger(1). Você
pode entrar nesse estado agora.
=Pausa=
Desde a antiguidade, mestres
espirituais de todas as tradições apontam o Agora como a chave para a dimensão
espiritual. Mas parece que isso permaneceu como um segredo. Com certeza, não é
ensinado em igrejas ou em templos. Se você vai a uma igreja, pode ouvir
passagens do Evangelho como “Não vos inquieteis pelo dia de amanhã, porque o
dia de amanhã cuidará de si mesmo”, ou
“Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus”.
A profundidade e a natureza radical desses ensinamentos não são reconhecidas.
Parece que ninguém percebe que os ensinamentos foram formulados para serem
vividos e, dessa forma, provocarem uma profunda transformação interior. (1)Pico dos
Alpes Berneses, na Suiça, com 3.970 metros de altitude (Nota do Tradutor).
=Pausa=
Toda a essência do zen consiste
em caminhar sobre o fio da navalha do Agora, em estar tão absolutamente
presente que nenhum problema, nenhum sofrimento, nada que não seja quem somos
em essência, possa permanecer em nós. No Agora, na ausência do tempo, todos os nossos
problemas se dissolvem. O sofrimento precisa do tempo e não consegue sobreviver
no Agora.
O grande mestre zen Rinzai, visando desviar a atenção de
seus alunos do tempo, levantava o dedo com freqüência e perguntava calmamente: “O que está faltando neste exato
momento?”
Uma pergunta poderosa, que não requer resposta no plano da mente. É formulada
para conduzir uma atenção profunda para o Agora. Outra questão muito usada na
tradição zen é: “Se
não é agora, então quando?”
=Pausa=
O Agora é também um ponto central
no ensinamento do sufismo, o braço místico do islamismo. Os sufistas têm um
ditado que diz: “O sufista é filho do momento presente”. E Rumi, o grande poeta
e mestre do sufismo, ensina: “Passado e futuro ocultam Deus de nossa vista, ponha fogo
em ambos”.
Mestre Eckhart, mestre espiritual
do século treze, resumiu tudo isto com poucas e belas palavras, ao afirmar: “O que impede a luz de
nos alcançar é o tempo. Não há maior obstáculo para Deus do que o tempo”.
Acessando o poder do Agora
Momentos atrás, quando você falou sobre o eterno presente e
a irrealidade do passado e do futuro, peguei-me olhando através da janela para
uma determinada árvore. Já a tinha olhado muitas vezes antes, mas agora foi
diferente. Não percebi muita diferença na forma externa, exceto que as cores
pareciam mais vivas. Mas havia uma dimensão adicional que antes eu não tinha
notado. É difícil de explicar. Não sei bem, mas achei ter percebido alguma
coisa invisível, como se fosse a essência daquela árvore, ou melhor, um
espírito interior. E, de alguma forma, era como se eu fosse parte dela.
Percebo, agora, que nunca tinha visto de fato a árvore, apenas uma imagem plana
e morta. Quando olho para a árvore agora, parte daquela impressão ainda permanece,
mas posso sentir que ela está desaparecendo. A experiência já está parecendo
algo do passado. Será que alguma coisa como essa pode ser considerada mais do
que um vislumbre passageiro?
Por um instante, você se libertou
do tempo. Ao se concentrar no presente, pôde perceber a árvore sem o
enquadramento da mente. A consciência do Ser tornou-se parte da sua percepção.
Suprimir a dimensão do tempo faz surgir um tipo diferente de conhecimento, que
não “mata” o espírito que mora dentro de cada criatura e de cada coisa. Um
conhecimento que não destrói o aspecto sagrado nem o mistério da vida, e que
contém um amor e uma reverência profundos por tudo o que é. Um conhecimento
sobre o qual a mente nada sabe.
A mente não pode conhecer a
árvore. O que ela conhece são apenas fatos ou informações sobre a árvore. A
minha mente não pode conhecer você, só rótulos, julgamentos, fatos e opiniões
sobre você. Só o Ser conhece diretamente.
Há um lugar para a mente e para o
conhecimento da mente. Situa-se na prática do dia-a-dia. Entretanto, quando a
mente domina todos os aspectos da nossa vida, incluindo as relações com outras
pessoas e com a natureza, transforma-se em um parasita monstruoso que, se não
reprimido, pode acabar matando todo o tipo de vida no planeta e, finalmente a
si mesmo, ao matar quem o hospeda.
Você teve uma breve visão de como
a ausência do tempo pode transformar nossa percepção. Mas não basta uma
experiência, não importa quanto ela seja linda ou profunda. O que é necessário, e o
que nos interessa, é uma mudança definitiva na consciência.
Portanto, rompa com o velho padrão de negação e
resistência ao momento presente. Torne uma prática desviar a atenção do passado
e do futuro, afaste-se da dimensão do tempo na vida diária, tanto quanto
possível. Se você achar difícil entrar diretamente no
Agora, comece observando como a sua mente tende a fugir do Agora. Vai notar que
geralmente imaginamos o futuro como algo melhor ou pior do que o presente. Imaginar
um futuro melhor nos traz esperança e uma antecipação do prazer. Imaginá-lo
pior nos traz ansiedade. Ambos os casos são ilusões. Ao observarmos a
nós mesmos, um maior grau de presença surge automaticamente em nossas vidas. No
momento em que percebemos que não estamos presentes, estamos presentes. Sempre que formos
capazes de observar nossas mentes, deixamos de estar aprisionados.
Um outro fator surgiu, algo que não pertence à mente: a presença observadora.
Esteja presente como alguém que observa a mente e examine
seus pensamentos, suas emoções, assim como suas reações em diferentes
circunstâncias. Concentre seu interesse não só nas reações, mas
também na situação ou na pessoa que leva você a reagir. Perceba também com que frequência
a sua atenção está no passado ou no futuro. Não julgue nem analise o que você
observa. Preste atenção ao pensamento, sinta a emoção, observe a reação. Não
veja nada como um problema pessoal. Sentirá então algo muito mais poderoso do
que todas aquelas outras coisas que você observa, uma presença serena e
observadora por trás do conteúdo da sua mente: o observador silencioso.
=Pausa=
Uma presença intensa se faz
necessária quando certas situações provocam uma reação de grande carga
emocional, como, por exemplo, no momento em que acontece uma ameaça à nossa
auto-imagem, um desafio na vida que nos causa medo, quando as coisas “vão mal”
ou quando um complexo emocional do passado vem à tona. Nessas situações,
tendemos a nos tornar “inconscientes”. A reação ou a emoção nos domina, “passamos
a ser” ela. Passamos a agir como ela. Arranjamos uma justificativa, erramos,
agredimos, defendemos... só que não somos nós e sim uma reação padronizada, a
mente em seu modo habitual de sobrevivência.
Identificar-se com a mente dá a ela mais energia, enquanto
observar a mente retira a sua energia. Identificar-se com a
mente gera mais tempo, enquanto observar a mente revela a dimensão do infinito.
A energia retirada da mente se transforma em presença. No momento em que
conseguimos sentir o que significa estar presente, fica muito mais fácil
escolher simplesmente escapar da dimensão do tempo e entrar mais profundamente
no Agora. Isso não prejudica nossa capacidade de usar o tempo – passado ou
futuro – quando precisamos nos referir a ele em termos práticos. Nem prejudica
nossa capacidade de usar a mente. Na verdade, estar presente aumenta nossa
capacidade. Quando você usar a mente de verdade, ela estará mais alerta, mais
focalizada.
=Pausa=
Abandonando o tempo
psicológico
Aprenda a usar o tempo nos aspectos práticos da sua vida – podemos
chamar de “tempo do relógio” –, mas retorne imediatamente para
perceber o momento presente, tão logo esses assuntos práticos tenham sido
resolvidos. Assim, não haverá acúmulo do “tempo psicológico”, que
é a identificação com o passado e a projeção compulsiva e contínua no futuro.
O tempo do relógio não diz respeito apenas a marcar um compromisso ou programar uma
viagem. Inclui aprender com o passado, para não repetir os mesmos erros indefinidamente.
Estabelecer objetivos e trabalhar para alcançá-los. Predizer o futuro através
de padrões e leis, que podem ser físicas, matemáticas, etc. Aprender com o
passado e adotar as ações apropriadas com base em nossos prognósticos.
Mas, mesmo aqui, no âmbito da
vida prática, onde não podemos agir sem uma referência ao passado ou ao futuro,
o momento presente permanece como um fator essencial, porque qualquer ação do
passado é relevante e se aplica ao agora. E planejar ou trabalhar para atingir
um determinado objetivo é feito agora.
O principal foco de atenção das pessoas iluminadas é sempre o Agora,
embora elas tenham uma noção relativa do tempo. Em outras palavras, continuam a usar o tempo do relógio, mas estão livres do tempo psicológico.
Esteja alerta quando praticar
isso, para que você, sem querer, não transforme o tempo do relógio em tempo
psicológico. Por exemplo, se você cometeu um erro no passado e só agora
aprendeu com ele, está utilizando o tempo do relógio. Por outro lado, se você considerar
isso mentalmente e daí resultar uma autocrítica, um sentimento de remorso ou de
culpa, então você está transformando o erro em “meu”. Ele passou a ser uma
parte do seu sentido de eu interior e se transformou em tempo psicológico, que
está sempre relacionado a um falso sentido de identidade. A dificuldade em
perdoar envolve, necessariamente, uma pesada carga de tempo psicológico.
Se estabelecemos um objetivo e trabalhamos para
alcançá-lo, estamos empregando o tempo do relógio. Sabemos bem aonde queremos
chegar, mas respeitamos e damos atenção total ao passo que estamos tomando
neste momento. Se insistimos demais nesse objetivo, talvez porque estejamos em
busca de felicidade, satisfação ou de um sentido mais completo do eu interior,
deixamos de respeitar o Agora. E ele é reduzido a um mero degrau para o futuro,
sem nenhum valor intrínseco. O tempo do relógio se transforma então em tempo psicológico. Nossa jornada deixa de ser uma aventura e passa a ser
encarada como uma necessidade obsessiva de chegar, de possuir, de “conseguir”.
Aí, não somos mais capazes de ver nem de sentir as flores pelo caminho, nem de
perceber a beleza e o milagre da vida que se revela em tudo ao redor, como
acontece quando estamos presentes no Agora.
Consigo ver a importância suprema do Agora, mas não posso
concordar quando você diz que o tempo é uma completa ilusão.
Quando afirmo que “o tempo é uma ilusão”,
não tenho intenção de fazer nenhuma afirmação filosófica. Estou apenas chamando
a atenção para um fato simples, algo tão óbvio que você pode achar difícil de
entender e até mesmo considerar sem sentido. Mas perceber isso será como cortar
com uma espada todas as camadas de “problemas” criadas pela mente. Repito que o momento
presente é tudo o que temos. Nunca há um tempo em que a nossa vida não é “este
momento”. Não é verdade?
A insanidade do tempo
psicológico
Não teremos qualquer dúvida de
que o tempo psicológico é uma doença mental se olharmos para as suas
manifestações coletivas. Elas ocorrem, por exemplo, na forma de ideologias como
o comunismo, o nacional-socialismo ou qualquer nacionalismo, ou de sistemas rígidos
de crenças religiosas, que atuam na suposição implícita de que o bem maior repousa no futuro e que, portanto, o fim
justifica os meios. O fim é uma ideia, um ponto na mente projetado no futuro,
quando a salvação, sob a forma de felicidade, satisfação, igualdade,
libertação, etc., será alcançada. Muitas vezes, os meios para atingir o fim são
a escravidão, a tortura e o assassinato de pessoas no presente.
Por exemplo, estima-se que cerca de cinquenta
milhões de pessoas foram assassinadas para promover a causa do comunismo e
levar a um “mundo melhor” na Rússia, na China e em outros países(1) ! Esse é um exemplo terrível
de como uma crença em um paraíso no futuro cria um inferno no presente.
Resta alguma dúvida de que o tempo psicológico é uma doença mental séria e
perigosa?
De que forma esse padrão mental opera em sua vida? Você está sempre tentando chegar
a algum lugar além daquele onde você está? A maior parte do que você faz é
apenas um meio para alcançar um determinado fim? A satisfação está sempre em
outro lugar ou restrita a breves prazeres como sexo, comida, bebida e drogas,
ou relacionada a uma emoção ou excitação? Você está sempre pensando em vir a
ser, adquirir, alcançar ou, em vez disso, está à caça de novas emoções e
prazeres? Você acha que, quanto mais bens adquirir, uma pessoa se sentirá
melhor ou psicologicamente completa? Está à espera de um homem ou de uma mulher
que dê um sentido à sua vida?
No estado normal de consciência,
o poder e o infinito potencial criativo do Agora estão completamente encobertos
pelo tempo psicológico. Nossa vida perde a vibração, o frescor, o sentido de
encantamento. Os velhos
padrões de pensamento, emoção, comportamento, reação e desejo são
encenados repetidas vezes, como um roteiro dentro da nossa mente que nos dá uma
identidade, mas distorce ou encobre a realidade do Agora. A mente, então,
desenvolve uma obsessão pelo futuro, buscando fugir de um presente insatisfatório.
A negatividade e o
sofrimento têm raízes no tempo
Mas acreditar que o
futuro será melhor do que o presente nem sempre é uma ilusão. O presente pode
ser terrível e as coisas podem melhorar no futuro, e muitas vezes melhoram.
O futuro, geralmente, é uma
réplica do passado. É possível haver mudanças superficiais, mas as
transformações reais são raras e dependem da possibilidade de estarmos
presentes para dissolver o passado, acessando o poder do Agora. O que
percebemos como futuro é uma parte intrínseca do nosso estado de consciência do
momento. Se a nossa mente carrega um grande fardo do passado, vamos sentir
isso. O passado se perpetua pela falta de presença. O que dá forma ao futuro é a
qualidade da nossa percepção do momento presente, e o futuro, é claro, só pode
ser vivenciado como presente.
Podemos ganhar 10 milhões de
reais, mas esse tipo de mudança é apenas superficial. Vamos simplesmente
continuar a representar os mesmos padrões condicionados, em ambientes mais
luxuosos. Os seres humanos aprenderam a dividir o átomo. Em vez de
matar dez ou vinte pessoas com um
porrete de madeira, uma pessoa agora pode matar um milhão delas com um simples
apertar de um botão. Será que isso é uma mudança real?
Se é a qualidade da nossa percepção neste momento que
determina o futuro, então o que é que determina a qualidade da nossa
consciência? O nosso grau de presença. Portanto, o único lugar onde pode
ocorrer uma mudança verdadeira e onde o passado pode se dissolver é no Agora.
(1) Brzenzinski, Z. The Grand
Failure. New York: Charles Scribner’s Sons, 1989, p. 239-40.
=Pausa=
Toda a negatividade é causada pelo acúmulo de tempo
psicológico e pela negação do presente. O desconforto, a ansiedade, a tensão, o
estresse, a preocupação, todas essas formas de medo são causadas por excesso de
futuro e pouca presença. A culpa, o arrependimento, o ressentimento,
a injustiça, a tristeza, a amargura, todas as formas de incapacidade de perdão
são causadas por excesso do passado e pouca presença.
Muitos acham difícil acreditar na
possibilidade de existir um estado de consciência absolutamente livre de toda a
negatividade. E até o momento, esse é o estado de liberdade para o qual apontam
todos os ensinamentos espirituais. É a promessa da salvação, não em um futuro
ilusório, mas bem aqui e agora.
Talvez seja difícil reconhecer
que o tempo é a causa do nosso sofrimento ou de nossos problemas. Acreditamos
que eles são causados por situações específicas em nossas vidas, e, de um ponto
de vista convencional, isso é uma verdade. Mas enquanto não lidarmos com a disfunção
básica da mente – o apego ao passado e ao futuro e a negação do presente –, os
problemas apenas mudam de figura. Se todos os nossos problemas, ou causas
identificadas de sofrimento ou infelicidade, fossem milagrosamente solucionados
no dia de hoje, sem que nos tornássemos mais presentes e mais conscientes, logo
nos veríamos com um outro conjunto de problemas ou causas de sofrimento
semelhantes, como uma sombra que nos seguisse aonde quer que fôssemos. Em
última análise, o único problema é a própria mente limitada pelo tempo.
Não posso acreditar que algum dia venha a alcançar 'um
ponto onde eu esteja completamente livre de problemas.
Você tem razão. Você nunca poderá
alcançar esse ponto porque você está nesse ponto agora.
Não há salvação dentro do tempo.
Você não pode se libertar no futuro. A presença é a chave para a liberdade.
Portanto, você só pode ser livre agora.
Descobrindo a vida por
baixo da situação de vida
Não vejo como ser livre agora. Estou extremamente infeliz com a minha
vida neste momento. Isso é um fato, e eu estaria me iludindo se tentasse me
convencer de que tudo está bem, quando não está. Para mim, o presente é triste
e nada libertador. O que me faz prosseguir é a esperança de um futuro melhor.
Você pensa que a sua atenção está
no momento presente quando, na verdade, está totalmente envolvida pelo tempo. Você não pode estar
infeliz e completamente presente no Agora, ao mesmo tempo.
Aquilo a que nos referimos como
vida deveria ser chamado, mais precisamente, de “situação de vida”. É o
tempo psicológico, passado e futuro. Certas coisas do passado não seguiram o
caminho que queríamos. Ainda resistimos ao que aconteceu no passado e agora
estamos resistindo ao que é. A esperança nos leva a prosseguir, mas a esperança nos mantém focalizados
no futuro, e esse foco contínuo perpetua a negação do Agora e, portanto, a
nossa infelicidade.
É verdade que a situação atual da minha vida é o resultado
de coisas que aconteceram no passado, mas ainda assim é a minha situação atual
e estar preso a ela é o que me faz infeliz.
Esqueça a situação da sua vida
por um instante e preste atenção à sua vida.
Qual é a diferença?
A nossa situação de vida existe
no tempo.
Nossa vida é agora.
Nossa situação de vida é coisa da
mente.
Nossa vida é real.
Encontre o “portão estreito que conduz à vida”. Ele é
chamado de Agora. Restrinja a sua vida a este exato momento. Sua situação de
vida pode estar cheia de problemas – a maioria das situações de vida está –,
mas verifique se você tem algum problema neste exato momento. Não amanhã ou
dentro de dez minutos, mas já. Você tem um problema agora?
Quando estamos cheios de
problemas, não há espaço para nada novo entrar, nenhum espaço para uma solução.
Portanto, sempre que você puder, crie algum espaço de modo a encontrar a vida
sob a sua situação de vida.
Utilize os seus sentidos
plenamente. Esteja onde você está. Olhe em volta. Apenas olhe, não interprete.
Veja as luzes, as formas, as cores, as texturas. Esteja consciente da presença
silenciosa de cada objeto. Esteja consciente do espaço que permite cada coisa
existir. Ouça os sons, não os julgue. Ouça o silêncio por trás dos sons. Toque
alguma coisa, qualquer coisa. Sinta e reconheça o Ser dentro dela. Observe o
ritmo da sua respiração. Sinta o ar fluindo para dentro e para fora. Sinta a
energia vital dentro do seu corpo. Permita que as coisas aconteçam, no
interior e no exterior. Deixe que todas as coisas “sejam”. Mova-se
profundamente para dentro do Agora.
Você está deixando para trás o
agonizante mundo da abstração mental e do tempo. Está se libertando da mente
doentia que suga a sua energia vital, do mesmo modo que, lentamente, ela está
envenenando e destruindo a Terra. Você está acordando do sonho do tempo e
entrando no presente.
=Pausa=
Todos os problemas são
ilusões da mente
É como se um grande peso tivesse sido tirado dos meus
ombros. Sinto-me leve... mas os problemas ainda estão lá me esperando, não
estão? Ainda não foram resolvidos. Será que não os estou evitando apenas
temporariamente?
Se você estivesse no paraíso, sua
mente não demoraria a encontrar algum problema. Não se trata, basicamente, de
solucionar seus problemas. Trata-se de perceber que não existem problemas.
Apenas situações com que temos de lidar agora ou deixar de lado e aceitar como
uma parte do “ser” neste momento, até que se transformem ou possam ser
negociadas. Os problemas são criados pela mente e precisam de tempo para
sobreviver. Eles não conseguem sobreviver na atualidade do agora.
Focalize sua atenção no Agora e
verifique quais são os seus problemas neste exato momento.
Não estou obtendo uma resposta
porque é impossível termos problemas quando toda a nossa atenção está inteira
no Agora. Pode ser que haja uma ou outra situação que você precise resolver ou
aceitar. Por que transformar isso em problema? Por que transformar tudo em
problema? A vida já não é bastante desafiadora do jeito que é? Para que
precisamos de problemas? A mente, inconscientemente, adora problemas porque
eles podem ser de vários tipos. Isso é normal e doentio. A palavra “problema”
significa que estamos lidando mentalmente com uma situação, sem que exista um
propósito real ou uma possibilidade de agir no momento, e também que estamos
inconscientemente fazendo dele uma parte do nosso sentido de eu interior. Ficamos tão
sobrecarregados pela nossa situação de vida que perdemos o sentido da vida, ou
do Ser. Ou então vamos carregando na mente o peso insano de uma
centena de coisas que iremos fazer ou poderemos ter de fazer no futuro, em vez
de focalizarmos a atenção sobre uma coisa que podemos fazer agora.
Quando criamos um problema,
criamos sofrimento. Por isso, é preciso tomar uma decisão simples: não importa
o que aconteça, não vou criar mais sofrimento nem problemas para mim. É uma
escolha simples, mas radical. Ninguém faz uma escolha dessas a menos que esteja
verdadeiramente sufocado pelo sofrimento. E não se consegue levar esse tipo de
decisão adiante a não ser acessando o poder do Agora. Se não criar mais
sofrimento para si mesmo, você não criará também para os outros. Deixará,
assim, de contaminar nosso lindo planeta, seu próprio espaço interior e a
psique humana coletiva com a negatividade da criação de problemas.
=Pausa=
Se você alguma vez esteve numa
situação de emergência, de vida ou morte, saberá que isso não foi um problema.
A mente não teve tempo para se distrair e transformar a situação em problema. Numa emergência de
verdade, a mente para. Ficamos absolutamente presentes no Agora,
e algo infinitamente mais poderoso passa a dominar. Essa é a razão pela qual
existem inúmeros relatos de pessoas comuns que, de uma hora para outra,
tornaram-se capazes de façanhas incrivelmente corajosas. Numa situação de
emergência, ou você sobrevive ou morre. Em qualquer dos casos, não é um
problema.
Algumas pessoas ficam furiosas
quando me ouvem dizer que os problemas são ilusões. É que estou ameaçando
afastar delas a imagem que têm de si próprias. Elas investiram muito tempo num
falso sentido de eu interior. Durante muitos anos, definiram inconscientemente
suas identidades de acordo com os problemas que tiveram. Quem seriam sem eles?
Uma grande porção do que
as pessoas dizem, pensam ou fazem é, na verdade, motivada pelo medo, que está
sempre ligado com o foco no futuro e com o estar fora de contato com o Agora.
Se não existirem problemas no Agora, não existirá o medo.
Caso apareça uma situação com a
qual você precise lidar agora, a sua ação vai ser clara e objetiva, se
conseguir perceber o momento presente. Tem muito mais chances de dar certo. Não
será uma reação vinda do condicionamento da sua mente no passado, mas sim uma
resposta intuitiva à situação. Em situações em que
a mente teria reagido, você vai achar mais eficaz não fazer nada. Fique só
centrado no Agora.
Um salto quântico na
evolução da consciência
Tive breves lampejos desse estado de liberdade da mente e
do tempo que você descreveu, mas o passado e o futuro são tão fortes que não
consigo mantê-los afastados por muito tempo.
O modelo da consciência condicionada
pelo tempo está profundamente enraizado na psique humana. Mas o que estamos
fazendo aqui é parte de uma profunda mudança que está se formando na
consciência coletiva do planeta e ainda mais: o despertar da consciência
dissociada do sonho da matéria, da forma e da separação. O fim do tempo. Estamos
rompendo com padrões mentais que dominaram a vida humana por eras. Padrões
mentais que criaram um sofrimento inimaginável, em larga escala. Não estou
empregando a palavra demônio. É mais útil chamar de inconsciência ou insanidade.
Essa ruptura com o antigo modelo
de consciência, ou melhor, inconsciência, é algo que temos de fazer ou vai
acontecer de qualquer maneira? Em outras palavras, essa mudança é inevitável?
É uma questão de perspectiva. O
fazer e o acontecer são, na verdade, um processo único. Como somos únicos e
formamos um todo com a consciência, não podemos separar os dois. Mas não há uma
garantia absoluta de que os seres humanos vão conseguir. O processo não é
inevitável nem automático. Nossa cooperação é uma parte essencial do processo.
Independentemente de como você o veja, trata-se de um importante salto na
evolução da consciência, assim como a nossa única chance de sobreviver como
raça.
A alegria do ser
Para demonstrar como você se
deixou dominar pelo tempo psicológico, experimente usar o critério de se
perguntar se existe alegria, naturalidade e leveza no que você está fazendo. Se
não existir, é porque o tempo está encobrindo o momento presente e a vida está
sendo percebida como um encargo ou uma luta.
A ausência de alegria,
naturalidade ou leveza no que estamos fazendo não significa, necessariamente,
que precisemos mudar o que estamos fazendo. Talvez baste mudarmos o como. “Como” é sempre mais importante
do que “o que”. Verifique se você pode dar muito mais atenção ao fazer do que
ao resultado desejado através do fazer. Dê a sua inteira atenção
para o que quer que o momento apresente. Isso implica que você aceitou
totalmente o que é, porque não se pode dar atenção completa a alguma coisa e,
ao mesmo tempo, resistir a ela.
Ao respeitarmos o momento
presente, toda a luta e a infelicidade se dissolvem e a vida começa a fluir com
alegria e naturalidade. Ao agirmos com a consciência do momento presente, tudo
o que fizermos virá com um sentido de qualidade, cuidado e amor, mesmo a mais
simples ação.
=Pausa=
Portanto, não se preocupe com o resultado da sua
ação, basta dar atenção à ação em si. O resultado surgirá
espontaneamente. Essa é uma valiosa prática espiritual. No Bhagavad Gita, um
dos mais antigos e mais belos ensinamentos espirituais que existem, o desapego
ao resultado da ação é chamado Karma Yoga. É descrito como o caminho da “ação santificada”.
Ao fim dessa luta compulsiva
contra o Agora, a alegria do Ser passa a fluir em tudo o que fazemos. No
momento em que a nossa atenção se volta para o Agora, percebemos uma presença,
uma serenidade, uma paz. Não dependemos mais do futuro para obtermos plenitude
e satisfação, não o olhamos mais como salvação. Consequentemente, não estamos
mais presos aos resultados. Nem o fracasso nem o sucesso têm o poder de alterar o
estado interior do Ser. Você acabou de encontrar a vida sob a situação de vida.
Na ausência do tempo psicológico,
o nosso sentido do eu interior provém do Ser, não do nosso passado pessoal.
Assim, desaparece a necessidade psicológica de nos tornarmos uma outra pessoa
diferente de quem já somos. No mundo, levando em conta a situação de vida, podemos nos
tornar ricos, conhecidos, bem-sucedidos, livres disso ou daquilo, mas, na
dimensão mais profunda do Ser, estamos completos e inteiros agora.
Nesse estado de plenitude, ainda teríamos capacidade ou
vontade de alcançar os objetivos externos?
Claro que sim, mas sem as
expectativas ilusórias de que uma coisa ou alguém no futuro irá nos salvar ou
nos fazer felizes. No que diz respeito à situação de vida, podem existir coisas
a ser alcançadas ou adquiridas. Vivemos no mundo da forma, dos lucros e perdas.
Mas, em um nível mais profundo, já estamos completos, e quando percebemos isso,
tudo o que fizermos será impulsionado por uma energia alegre e jovial. Estando
livre do tempo psicológico, não perseguimos mais os objetivos com uma
determinação implacável, movida pelo medo, pela raiva, pelo descontentamento ou
pela necessidade de nos tornarmos alguém. Nem permanecemos imóveis com medo de
falhar. Quando
o nosso sentido profundo do eu interior é derivado do Ser, quando nos livramos
do “tornar-se”
como
uma necessidade psicológica, nem a nossa felicidade nem o nosso sentido do eu
interior dependem do resultado e, assim, nos libertamos do medo.
Não buscamos permanência onde ela não pode ser encontrada, ou seja, no mundo da
forma, dos lucros e perdas, do nascimento e da morte. Nem esperamos que
situações, condições, lugares ou pessoas nos tragam felicidade, só para depois
nos causarem sofrimento, quando nossas expectativas não forem correspondidas.
Tudo inspira respeito, mas nada
importa. As formas nascem e morrem, ainda que estejamos conscientes de uma
eternidade subjacente às formas. Sabemos que “nada de verdade pode ser
ameaçado”(1) .
Quando este é o seu estado de
Ser, como é possível não alcançar o sucesso? Você já o alcançou.
(1) A Course in Miracles.
Foundation For Inner Peace. 1992.
Capítulo
quatro
ESTRATÉGIAS
DA MENTE PARA EVITAR O AGORA
A perda
do agora: a ilusão central
Mesmo que eu aceite que o tempo é uma ilusão, que diferença
isso fará na minha vida? Tenho que continuar a viver em um mundo absolutamente
dominado pelo tempo.
O entendimento intelectual é apenas mais uma crença e não
vai fazer muita diferença para a nossa vida. Para perceber essa verdade temos
que vivenciá-la. Quando cada célula do nosso corpo está tão presente que vibra
com a vida, e quando conseguimos sentir essa vida a cada momento como a alegria
do Ser, podemos dizer que estamos livres do tempo.
Mas ainda tenho de pagar as contas e sei que vou envelhecer
e morrer, exatamente como todas as pessoas. Como posso dizer que estou livre do
tempo?
As contas de amanhã não são um
problema. A degeneração do corpo não é um problema. A perda do Agora é o
problema, ou melhor, a ilusão central que transforma uma situação simples, um
acontecimento ou uma emoção em um problema pessoal e em sofrimento. Perder o Agora é
perder o Ser.
Livrar-se do tempo é livrar-se da necessidade psicológica
tanto do passado quanto do futuro. Isso representa a mais profunda
transformação de consciência que você possa imaginar. Em
casos muito raros, essa mudança na consciência acontece de forma drástica e
radical, de uma vez por todas. Quando isso acontece, normalmente é através de
uma completa rendição, em meio a um sofrimento intenso. Muitas pessoas,
entretanto, têm de trabalhar para obtê-la.
Depois dos primeiros vislumbres
do estado atemporal de consciência, passamos a viver em um vaivém entre a
dimensão do tempo e a presença. Primeiro, você começa a perceber que a sua atenção
raramente está no Agora. Entretanto, saber que você não está presente já é um
grande sucesso. O simples saber já é presença – mesmo que, no
início, dure só alguns segundos no tempo do relógio antes de desaparecer outra
vez. Depois,
com uma frequência cada vez maior, você escolhe dirigir o foco da consciência
para o momento presente. Você se torna capaz de ficar presente por períodos
mais longos. Portanto, antes que
sejamos capazes de nos estabelecer com firmeza no estado de presença,
oscilamos, periodicamente, de um lado para o outro, entre a consciência e a
inconsciência, entre o estado de presença e o estado de identificação com a
mente. Perdemos o Agora várias vezes, mas retornamos a ele. Por fim, a presença
se torna o estado predominante.
A maioria das pessoas nunca
vivencia a presença. Ela acontece apenas de modo breve e acidental, em raras
ocasiões, sem ser reconhecida pelo que é. Muitos seres humanos não se alternam
entre a consciência e a inconsciência, mas somente entre diferentes níveis de inconsciência.
A inconsciência comum e a
inconsciência profunda
O que você quer dizer com diferentes níveis de
inconsciência?
Como você provavelmente sabe, o
ser humano se desloca constantemente entre fases do sono em que sonha e que não
sonha. Da mesma forma, a maioria das pessoas, quando acordada, se alterna entre
a inconsciência comum e a inconsciência profunda. Chamo de inconsciência
comum essa identificação com os nossos processos de pensamentos e emoções,
nossas reações, desejos e aversões. É o estado normal da maioria das
pessoas. Nesse estado, somos governados pela mente e não temos consciência do
Ser. Não se trata de um estado de sofrimento agudo ou de
infelicidade, mas de um nível baixo e contínuo de desconforto,
descontentamento, enfado ou nervosismo, como uma espécie de estática ao fundo.
Talvez você não perceba muito bem essa situação porque ela já faz parte da
nossa vida “normal”, da mesma forma que você não percebe um barulho contínuo ao
fundo, como o zumbido do ar-condicionado, até ele parar. Quando isso acontece
de repente, ocorre uma sensação de alívio. Muitas pessoas usam a bebida, as
drogas, o sexo, a comida, o trabalho, a televisão, ou até mesmo o ato de fazer
compras como anestésicos, em uma tentativa inconsciente para acabar com esse
desconforto básico. Quando isso acontece, uma atividade que poderia ser muito
agradável, se feita com moderação, passa a ter um componente de compulsão ou
dependência, e tudo o que se obtém sob essa influência traz uma sensação de
alívio por um período extremamente curto.
A sensação de desconforto da inconsciência comum se
transforma no sofrimento da inconsciência
profunda, ou seja, um estado de sofrimento ou infelicidade mais
agudo e mais perceptível quando as coisas “vão mal”, quando o ego é ameaçado ou
quando existe um desafio maior, tal como uma perda real ou imaginária em nossa
situação de vida, ou um conflito numa relação. A inconsciência profunda é uma versão
ampliada da inconsciência comum, da qual difere na intensidade, mas não na
espécie.
Na inconsciência comum, uma
resistência habitual ou uma negação daquilo que é cria um desconforto que a
maioria das pessoas aceita como algo normal. Quando essa resistência se
intensifica através de algum desafio ou ameaça ao ego, faz aflorar uma negatividade
intensa que se manifesta sob a forma de raiva, medo profundo, agressão,
depressão, etc. A inconsciência profunda significa, com frequência, que o
sofrimento começou e que você passou a se identificar com ele. A violência física não aconteceria
sem o estado de inconsciência profunda. Ela pode explodir com
facilidade quando as pessoas geram um campo coletivo de energia negativa.
O melhor indicador do nível de
consciência é a maneira como você lida com os desafios da vida. É através desses
desafios que uma pessoa já inconsciente tende a se tornar mais profundamente
inconsciente, e uma pessoa consciente a se tornar mais
intensamente consciente. Podemos nos valer de um desafio para nos acordar ou
para permitir que ele nos empurre para um sono ainda mais profundo. O sonho no
nível da inconsciência comum se transforma, então, em pesadelo.
Se você não consegue estar presente mesmo em situações
normais, como, por exemplo, quando está sozinho em uma sala, caminhando no
campo ou ouvindo alguém, certamente não será capaz de permanecer consciente
quando alguma coisa “vai mal”. Será dominado por uma reação, que é sempre, em
última análise, alguma forma de medo, e empurrado para uma inconsciência
profunda. Esses desafios são os seus testes. Só o modo como você
lida com eles lhe mostrará onde você está no que se refere ao seu estado de
consciência, e não a quantidade de horas que você consegue ficar sentado com os
olhos fechados.
Portanto, é fundamental colocar
mais consciência em sua vida durante as situações comuns, quando tudo está
correndo de modo relativamente tranquilo. É assim que se aumenta o poder de
presença. Ele gera um campo energético de alta frequência vibracional em você e
ao seu redor. Nenhuma inconsciência, nenhuma negatividade, nenhuma discórdia ou
violência pode penetrar nesse campo e sobreviver, do mesmo modo que a escuridão
não consegue sobreviver na presença da luz.
O que eles estão buscando?
Carl Jung relata, em um de seus
livros, uma conversa mantida com um chefe indígena norte-americano para quem a
maioria das pessoas brancas tinha rostos tensos, olhos espantados e um ar
cruel. O chefe disse: “Estão sempre buscando alguma coisa. O que eles estão
procurando? Os brancos sempre querem alguma coisa. Estão sempre agitados e
descontentes. Não sabemos o que desejam. Achamos que são loucos”.
Não há dúvidas de que a tendência
a uma permanente sensação de desconforto começou muito antes do surgimento da
civilização industrial ocidental, mas foi na civilização ocidental, que hoje
cobre quase todo o planeta, inclusive grande parte do Leste, que ela se
manifestou de uma forma aguda sem precedentes. Ela já estava presente no tempo
de Jesus e também seiscentos
anos antes, no tempo de Buda, e muito antes desse tempo. “Por
que vocês estão sempre ansiosos?”, Jesus perguntou aos discípulos. “Será que os
seus pensamentos ansiosos podem acrescentar um simples dia às vossas vidas?” Da
mesma forma, Buda ensinou que a raiz do sofrimento pode ser encontrada em
nossos desejos e ansiedades permanentes.
A resistência ao Agora como uma
disfunção básica coletiva está intimamente ligada à perda da consciência do Ser
e forma a base da nossa civilização industrial desumanizada. Freud também
reconheceu a existência dessa tendência para o desconforto e escreveu sobre o
assunto em seu livro O Mal-Estar na Civilização, mas não admitiu a verdadeira
raiz da inquietação e falhou em perceber que é possível libertar-se dela. Essa
disfunção coletiva criou uma civilização muito infeliz e extraordinariamente
violenta, que se tornou uma ameaça não só para si mesma, mas para toda a vida
do planeta.
Dissolvendo a
inconsciência comum
Como podemos nos livrar desse desconforto?
Torne-o consciente. Observe as
muitas maneiras pelas quais o desconforto, o descontentamento e a tensão surgem
dentro de você, através de julgamentos desnecessários, resistência àquilo que é
e negação do Agora. Qualquer coisa inconsciente se dissolve quando a luz da consciência
brilha sobre ela. Se soubermos como dissolver a inconsciência
comum, a luz da nossa presença irá brilhar intensamente e será muito mais fácil
lidarmos com a inconsciência profunda. Mas, no início, talvez não seja muito
fácil detectar a inconsciência comum porque a consideramos uma coisa normal.
Habitue-se a monitorar o seu estado mental e emocional
através de uma auto-observação. “Estou me sentindo à vontade
nesse momento?” é uma pergunta que você deve se fazer com frequência. Ou pode
se questionar: “O que está acontecendo dentro de mim neste exato momento?”
Mantenha o mesmo nível de interesse pelo que vai tanto no seu interior quanto
no exterior. Se
você captar corretamente o interior, o exterior se encaixará no lugar. A
realidade principal está no interior, a realidade externa é secundária. Mas não
responda logo a essas questões. Direcione a sua atenção para o interior.
Olhe para dentro de você. Que tipo de pensamentos a sua mente está produzindo?
O que você sente? Dirija a atenção para o seu corpo. Existe alguma tensão?
Quando você perceber um certo desconforto, um ruído estático ao fundo,
verifique que caminhos você está usando para evitar, resistir ou negar a vida,
o Agora. Existem
muitos caminhos pelos quais resistimos, inconscientemente, ao momento presente.
Vou dar alguns exemplos. Com a prática, o seu poder de auto-observação, de
monitorar o seu estado interior, se tornará mais aguçado.
Libertando-se da
infelicidade
Você não está satisfeito com as
atividades que desempenha? Talvez não goste de seu trabalho ou tenha se
aborrecido por ter concordado em fazer alguma coisa, embora parte de você não
goste e ofereça resistência. Tem algum ressentimento oculto em relação a alguém
próximo a você? Percebe que a energia que você desprende por conta disso tem
efeitos tão prejudiciais que você está contaminando a si mesmo e aos que estão
ao seu redor? Dê uma boa olhada dentro de você. Existe algum leve traço de
ressentimento ou má vontade? Se existe, observe-o, tanto no nível mental quanto
no emocional. Que tipos de pensamento a sua mente está criando em torno dessa
situação? Depois,
observe a sua emoção, que é a reação do corpo a esses pensamentos.
Sinta a emoção. Ela lhe parece agradável ou não? É uma energia que você
escolheria para ter dentro de você? Você tem escolha?
Talvez a atividade seja tediosa,
ou alguém próximo a você seja desonesto, irritante ou inconsciente, mas tudo
isso é irrelevante. Não faz a menor diferença se os seus pensamentos e emoções
a respeito da situação tenham ou não uma justificativa. O fato é que você está
resistindo ao que é. Está transformando o momento atual num inimigo. Está
criando infelicidade, um conflito entre o interior e o exterior. A sua
infelicidade está poluindo não só o seu
próprio ser interior e daqueles à sua volta, como também a psique coletiva
humana, da qual você é uma parte inseparável. A poluição do planeta é apenas um
reflexo externo de uma poluição interior psíquica gerada por milhões de
indivíduos inconscientes, sem a menor responsabilidade pelos espaços que trazem
dentro de si.
Você pode parar de executar a
tarefa que está lhe causando insatisfação, falar com a pessoa envolvida e
expressar todos os seus sentimentos, ou livrar-se da negatividade que a sua
mente criou em volta da situação e que não serve a nenhum propósito, exceto o
de fortalecer um falso sentido do eu interior. É importante reconhecer essa
inutilidade. A
negatividade nunca é o melhor caminho para lidar com qualquer situação. Na verdade, na maior parte
dos casos, ela nos paralisa, bloqueando qualquer mudança verdadeira. Qualquer
coisa feita com uma energia negativa será contaminada por ela e dará origem a
mais sofrimento. Além disso, qualquer estado interior negativo é
contagioso, pois a infelicidade se espalha mais rapidamente do que uma doença
física. Pela lei da ressonância, ela detona e alimenta a negatividade latente
nos outros, a menos que sejam imunes, quer dizer, altamente conscientes.
Você está poluindo o mundo ou
limpando a sujeira? Você é responsável pelo seu espaço interior, da mesma forma
que é responsável pelo planeta. Assim no interior, assim no exterior: se os
seres humanos limparem a poluição interior, deixarão então de criar a poluição
externa.
Como podemos nos livrar da
negatividade?
Descartando-a. Como nos livramos
de um pedaço de carvão em brasa que está em nossas mãos? Como nos livramos de
uma bagagem pesada e inútil que estamos carregando? Reconhecendo que não
desejamos mais sofrer nem carregar peso, e deixando os de lado.
A inconsciência profunda, como o
sofrimento físico ou outro sofrimento profundo, como, por exemplo, a perda de
uma pessoa amada, quase sempre necessita ser transformada através da aceitação
combinada com a luz da presença, ou seja, através de uma atenção constante. Por
outro lado, muitos padrões da inconsciência comum podem ser simplesmente
descartados ao percebermos que não os queremos mais ou que não precisamos mais
deles, que temos uma escolha e que não somos só um feixe de reflexos
condicionados. Tudo isso indica que somos capazes de acessar o poder do Agora.
Sem ele, não temos escolha.
Ao chamar algumas emoções de negativas, será que você não
está criando uma polaridade mental de bom e mau, como mencionou anteriormente?
Não. A polaridade foi criada num
estágio anterior, quando sua mente julgou o momento presente como mau. Foi esse
julgamento que criou a emoção negativa.
Mas ao chamar algumas emoções de
negativas, você não está querendo dizer que elas não deveriam estar ali, que
não está certo ter essas emoções? Entendo que deveríamos nos permitir ter
qualquer tipo de sentimento, sem julgar se ele é bom ou mau. Não há nada demais
em estar com raiva, de mau humor, ou seja lá o que for, do contrário, nos
sentiremos reprimidos, em conflito interior ou rejeitados. As coisas estão bem
do jeito que são.
Sem dúvida. Quando um padrão
mental, uma emoção ou uma reação forem observados, aceite-os. Você não está
consciente o bastante para ter uma escolha em relação a esse assunto. Não se
trata de um julgamento, apenas de um fato. Se você tivesse uma escolha, ou
percebesse que, de fato, tem uma escolha, escolheria o sofrimento ou a alegria,
o conforto ou o desconforto, a paz ou o conflito? Escolheria um pensamento ou
um sentimento que separasse você do seu estado natural de bem-estar, da alegria
da vida interior? Chamo de negativo a qualquer sentimento dessa natureza, o que
significa simplesmente mau. Não no sentido de “você não deveria ter feito
isso”, mas simplesmente o mau no sentido concreto, como sentir dor de estômago.
Como é possível que os seres humanos tenham assassinado mais de 100 milhões de
seus semelhantes apenas no século vinte?1 Pessoas infligindo um sofrimento de
tal magnitude umas às outras está além de qualquer coisa que você possa
imaginar. E isso sem considerar a violência física, mental e emocional, a
tortura, o sofrimento e a crueldade que os homens continuam a infligir uns aos
outros, bem como a outros seres vivos.
Será que agem assim em seu estado
natural, em contato com a alegria da vida dentro deles? Claro que não. Somente
aqueles que vivem num estado profundamente negativo, que se sentem de fato
muito mal, poderiam ver tal realidade como um reflexo do modo como se sentem.
No momento, essas pessoas estão empenhadas em destruir a natureza e o planeta
que nos sustenta. Isso é inacreditável, mas é verdadeiro. O homem é uma espécie
perigosamente insana e doente. Isso não é um julgamento, é um fato. É também um
fato que a sanidade está lá, por baixo da loucura. A cura e a redenção estão
disponíveis neste exato momento.
É verdade que, quando aceita seu
ressentimento, o mau humor, a raiva, etc., você não sente mais necessidade de
manifestá-los de maneira cega e tem menos chance de projetá-los sobre os
outros. Mas eu me pergunto se você não está se iludindo. Quando uma pessoa vem
praticando a aceitação por um tempo, como é o seu caso, chega um ponto em que
precisa passar para o estágio seguinte, onde essas emoções negativas não são
mais criadas. Se você não passa, a “aceitação” se torna apenas um rótulo mental
que permite ao seu ego continuar a ser tolerante com a tristeza e, dessa forma,
fortalecer o sentimento de separação das outras pessoas, do seu ambiente, do
seu aqui e agora. Como você bem sabe, a separação é a base do sentido de
identidade do ego. A aceitação verdadeira poderia transformar tudo de uma vez
por todas. E se sabe, bem lá no fundo, que tudo “está bem” como você diz, será
que esses pensamentos negativos viriam em primeiro lugar? Se não houver
julgamento nem resistência ao que é, eles nem surgiriam. A sua mente diz que
“tudo está bem”, mas no fundo você não acredita nisso, e assim os velhos
padrões de resistência mental e emocional ainda estão ali. É isso o que nos faz
mal.
1 Sivard, R. L. World Military
ans Social Expenditures. 1996. 16ª edição. Washington, D. C.: World Priorities,
1996. p. 7.
Isso também não tem importância.
Você está defendendo o seu
direito de ser inconsciente, o seu desejo de sofrer? Não se preocupe, pois
ninguém vai lhe tirar esse direito. Ao perceber que um determinado tipo de
alimento lhe faz mal, você continuaria a comer aquele alimento e insistiria em
afirmar que não se importa em passar mal?
Onde quer que você esteja,
esteja por inteiro
Você pode dar outros exemplos da inconsciência comum?
Observe quando estiver
reclamando, com palavras ou pensamentos, de uma situação que envolva você –
pode ser alguém que fez ou disse algo que lhe aborreceu, algo sobre a sua
situação de vida, o lugar
onde mora, ou até mesmo o tempo. Reclamar é sempre uma não aceitação de
algo que é. Essa atitude contém invariavelmente uma carga negativa
inconsciente. Quando você reclama, transforma-se em vítima. Quando fala, você
está no controle. Portanto, mude a situação agindo ou falando, caso necessário
ou possível, ou então fuja da situação ou mesmo aceite-a. Tudo o mais é loucura.
A inconsciência comum é sempre relacionada, de algum modo, com a negação
do Agora. O Agora, naturalmente, também implica o aqui.
Você está resistindo ao aqui e agora? Algumas pessoas prefeririam estar num
outro lugar. O “aqui” delas nunca é suficientemente bom. Observe-se e verifique
se isso acontece em sua vida. Onde quer que você esteja, esteja lá por inteiro.
Se você
acha insuportável o seu aqui e agora e isso lhe faz infeliz, há três opções:
abandone a situação, mude-a ou aceite-a totalmente. Se você
deseja ter responsabilidade sobre a sua vida, deve escolher uma dessas opções e
deve fazê-lo agora. Depois, arque com as consequências. Sem desculpas. Sem
negatividade. Sem poluição física. Mantenha limpo o seu espaço interior.
Se você tomar qualquer atitude,
abandonando ou mudando a situação, livre-se primeiro da negatividade. Uma
atitude originada no discernimento tem mais efeito do que uma originada na
negatividade.
Uma atitude qualquer é muitas
vezes melhor do que nenhuma atitude, especialmente se há muito tempo você está
paralisado numa situação infeliz. Se for uma atitude errada, ao menos você
aprenderá alguma coisa, caso em que deixará de ser um erro. Se você não agir,
nada aprenderá. Será que o medo está evitando que você tome uma atitude? Admita
o medo, observe-o, concentre-se nele, esteja totalmente presente. Isso corta a
ligação entre o medo e o pensamento. Não deixe o medo nascer em sua mente. Use
o poder do Agora. O medo não pode prevalecer sobre ele.
Se não há mesmo nada a fazer e
você não pode mudar a situação, então aceite o aqui e agora totalmente,
abandonando toda a resistência interior. O falso e infeliz eu interior, que
adora sentir-se miserável, ressentido ou com pena de si mesmo, não consegue
mais sobreviver. Isso se chama rendição. A rendição não é uma fraqueza. Há uma
grande força nela. Somente alguém que se rendeu tem poder espiritual. Através
da rendição, você se livrará da situação internamente. É possível que você perceba
uma mudança na situação sem que tenham sido necessários maiores esforços da sua
parte. De qualquer forma, você está livre.
Ou haverá algo que você “deveria”
estar fazendo mas não está? Levante-se e faça agora. Ou, em vez disso, aceite
totalmente a sua inatividade, preguiça ou passividade neste momento, se esta é
a sua escolha. Mergulhe nela por inteiro. Desfrute-a. Seja tão preguiçoso ou
inativo quanto puder. Se você fizer isso conscientemente, logo sairá dela. Ou
talvez não. Em qualquer dos casos, não há nenhum conflito interior, nenhuma
resistência, nenhuma negatividade.
Você está sofrendo de estresse?
Pensa tanto no futuro que o presente está reduzido a um meio para chegar lá? O estresse é causado
pelo estar “aqui” embora se deseje estar “lá”, ou por se estar no presente
desejando estar no futuro. É uma divisão que corta a pessoa por
dentro. Criar e viver com essa divisão é insano. O fato de que todas as pessoas
estão agindo assim não torna ninguém menos insano. Se você não pode fugir
disso, tem de se movimentar rápido, trabalhar rápido, ou até mesmo correr, sem
se projetar no futuro e sem resistir ao presente. Quando se movimentar,
trabalhar e correr, faça tudo por inteiro. Desfrute o fluxo de energia, a alta
energia desse momento. Agora não há mais estresse, não há mais divisão por
dois, apenas o movimento, a corrida, o trabalho. Desfrute essas atitudes. Ou
você também pode abandonar tudo e se sentar num banco do parque. Mas, ao
fazê-lo, observe a sua mente. Pode ser que ela diga: “Você devia estar
trabalhando. Está perdendo o seu tempo”. Observe a mente. Sorria para ela.
O passado toma uma grande
parte da sua atenção? Você frequentemente fala e pensa sobre ele, tanto de
forma positiva quanto negativa? As grandes coisas que você conquistou, suas
experiências e aventuras, ou as coisas horrorosas que lhe aconteceram, ou
talvez que você fez a alguém? Será que seus pensamentos estão gerando culpa,
orgulho, ressentimento, raiva, arrependimento ou autopiedade? Então, você está
não só dando mais força ao falso eu interior, como também ajudando a acelerar o
processo de envelhecimento do seu corpo através da criação de um acúmulo de
passado na sua psique. Constate isso observando à sua volta aquelas pessoas que
têm uma forte tendência para se apegar ao passado.
Morra para o passado a cada instante. Você não precisa
dele. Refira-se a ele apenas quando totalmente relevante para o presente. Sinta
o poder do momento presente e a plenitude do Ser. Sinta a sua presença.
Você tem preocupações? Tem muitos
pensamentos do tipo “e se”? Você está identificado com a mente, que está se
projetando num futuro imaginário e criando o medo. Não há como enfrentar tal tipo
de situação, porque ela não existe. É um fantasma mental. Você pode parar com
essa insanidade que corrói a saúde e a vida aceitando simplesmente o momento
presente. Perceba a sua respiração. Sinta o ar entrando e saindo do seu corpo.
Sinta o seu campo interno de energia. Tudo com o que você sempre teve que
lidar, tudo que teve de enfrentar na vida real, em oposição às projeções
imaginárias da mente, é o momento presente. Pergunte-se qual é o seu problema
neste exato momento, não no ano que vem, ou amanhã ou daqui a cinco minutos. O
que está errado neste exato momento? Você pode sempre enfrentar o Agora, mas
não pode jamais enfrentar o futuro, nem tem de fazer isso. A resposta, a força,
a atitude certa estarão à sua disposição quando você precisar, nem antes, nem
depois.
“Algum dia vou fazer isso”. Seu
objetivo está tomando de tal modo a sua atenção que o momento presente é apenas
um meio para atingir um fim? Está consumindo a alegria das coisas que você faz?
Você está esperando para começar a viver? Se você desenvolver esse tipo de
padrão mental, não importa o que você adquira ou alcance, o presente nunca será
bom o bastante. O futuro sempre parecerá melhor. Uma receita perfeita para uma
insatisfação permanente, você não acha?
Você está sempre “esperando”
alguma coisa? Quanto tempo da sua vida você passou esperando? Chamo “espera de
pequena escala” à espera na fila do correio, num engarrafamento de automóveis,
no aeroporto, por alguém que vai chegar, um trabalho que precisa ser terminado,
etc. Chamo de “espera em grande escala” à espera pelas próximas férias, por um
emprego melhor, pelos filhos crescerem, por uma relação verdadeiramente
significativa, pelo sucesso, para ficar rico, para ser importante, para se
tornar iluminado. Não é raro que as pessoas passem a vida toda esperando para
começar a viver.
Esperar é um estado mental. Significa basicamente desejar
o futuro e não querer o presente. Você não quer o que conseguiu e deseja aquilo
que não conseguiu. Em qualquer dos tipos de espera você,
inconscientemente, cria um conflito interior entre o seu aqui e agora, onde
você não quer estar, e o futuro projetado, onde você quer estar. Essa situação
reduz grandemente a qualidade da sua vida ao fazer você perder o presente.
Não há nada de errado em nos
empenharmos para melhorar a nossa situação de vida. Podemos melhorar a
situação da nossa vida, mas não podemos melhorar a nossa vida. A vida é básica.
A vida é o Ser interior mais
profundo. É um todo, completo, perfeito. A nossa situação de vida se constitui
das nossas circunstâncias e experiências. Não há nada de errado em
estabelecermos metas e nos empenharmos para conseguir bens. O erro reside em
usar isso como um substituto para o sentimento da vida, para o Ser. O único ponto
de acesso a isso é o Agora. Agimos, assim, como um arquiteto que não dá atenção
às fundações de uma construção, mas que gasta um bom tempo trabalhando na
superestrutura.
Por exemplo. Muitos de nós
estamos à espera da prosperidade. Ela pode não acontecer no futuro. Quando
respeitamos, admitimos e aceitamos completamente a realidade do presente – onde
estamos, quem somos, o que estamos fazendo agora –, quando aceitamos o que
temos, significa que estamos agradecidos pelo que conseguimos, pelo que é, pelo
Ser. A gratidão pelo momento presente e pela plenitude da vida atual é a
verdadeira prosperidade. Não está no futuro. Então, no tempo certo, essa
prosperidade se manifesta para nós de várias maneiras.
Se você não encontra satisfação
nas coisas que possui, se tem um sentimento de frustração ou de aborrecimento
por não ter tudo o que quer no presente, isso pode levá-lo a querer enriquecer,
mas, mesmo que consiga milhões, continuará a ter uma sensação de que falta
alguma coisa. Talvez o dinheiro lhe compre muitas experiências excitantes,
embora passageiras, deixando sempre uma sensação de vazio e estimulando uma
necessidade de gratificação física ou psicológica ainda maior. Você não vai se
conformar em simplesmente Ser e, assim, sentir a plenitude da vida agora – a
verdadeira prosperidade.
Portanto, desista da espera como
um estado da mente. Quando você se vir escorregando para a espera... pule fora. Venha para o
momento presente. Apenas seja e aprecie ser. Quando estamos presentes, nunca
precisamos esperar por nada. Portanto, da próxima vez que alguém disser
“desculpe por ter feito você esperar”, sua resposta pode ser: “Está tudo bem,
não estava esperando. Estava aqui contente comigo, com meu eu interior”.
Essas são apenas algumas das
estratégias comuns da mente para negar o momento presente já incorporadas à
inconsciência comum. São fáceis de passar despercebidas porque já estão
entranhadas em nosso modo de vida, como o ruído de fundo do nosso eterno
descontentamento. Mas, quanto mais você praticar o monitoramento do seu estado
interior emocional e mental, mais fácil será perceber em que momento você foi
capturado pelo passado e pelo futuro, bem como despertar da ilusão do tempo
dentro do presente. Mas tenha cuidado porque o eu interior falso e infeliz,
baseado na identificação com a mente, vive no tempo. Ele sabe que o presente
significa sua própria morte e sente-se ameaçado. Fará tudo para afastar você do
Agora. Tentará manter você preso ao tempo.
O propósito interno da
nossa jornada de vida
Posso perceber a verdade do que você está dizendo, mas
ainda acho que devíamos ter um propósito em nossa jornada, do contrário,
ficamos sem rumo. Propósito significa futuro, não significa? Como conciliar
isso com o viver no presente?
Ao partir numa jornada, é claro
que ajuda muito sabermos para onde vamos ou, ao menos, a direção geral que
estamos tomando. Entretanto, não podemos esquecer de que a única coisa real
sobre a nossa jornada é o passo que estamos dando neste exato momento. Isso é
tudo o que existe.
Nossa jornada de vida tem um
propósito externo e um interno. O propósito externo é o de alcançarmos o
objetivo ou destino, realizarmos o que estabelecemos cumprir, adquirirmos uma
coisa ou outra, o que, é claro, envolve o futuro. Mas, se o destino ou os
passos que vamos dar no futuro tomam tanto nossa atenção que se tornam mais
importantes do que o passo que estamos dando agora, significa que perdemos
completamente o propósito interno da vida, que não tem nada a ver com aonde
estamos indo ou com o que estamos fazendo, mas tudo a ver com o de que modo.
Esse propósito interno não está relacionado com o futuro e sim com a qualidade
da nossa consciência no momento presente. O propósito externo pertence à
dimensão horizontal de tempo e espaço enquanto o interno diz respeito ao
aprofundamento do Ser na dimensão vertical do eterno Agora. Nossa jornada
externa pode conter um milhão de passos enquanto a jornada interna só tem um,
que é o passo que estamos dando neste exato momento. Quando tomamos maior
consciência desse passo, percebemos que ele já contém dentro de si todos os
outros passos, assim como o nosso destino. Esse único passo se vê transformado
em uma expressão da perfeição, um ato de grande beleza e qualidade. Ele terá
nos levado para dentro do Ser e a luz do Ser brilhará através dele. Este é
tanto o propósito quanto à realização da nossa jornada interior: a jornada para
dentro de nós mesmos.
=Pausa=
Faz diferença se alcançamos nosso propósito externo, se
somos bem-sucedidos ou se fracassamos?
Faz diferença se você não tiver
alcançado seu propósito interno. Depois disso, o propósito externo é só um jogo
que você pode apreciar e querer continuar jogando. Pode acontecer também de
você falhar em seu propósito externo e, ao mesmo tempo, ter pleno sucesso em
seu propósito interno. Ou de outra forma até mais comum, pode obter riqueza
externa e pobreza interna, ou “ganhar o mundo e perder a alma”, nas palavras de
Jesus. Claro que, no fim, cada propósito externo está condenado a “fracassar”
mais cedo ou mais tarde, simplesmente porque está sujeito à lei da não
permanência de todas as coisas. Quanto mais cedo você perceber que o propósito
externo não pode lhe proporcionar uma satisfação duradoura, melhor. Depois de
ter constatado as limitações do seu propósito externo, você desiste da
expectativa irreal de que ele deveria fazer a sua felicidade e torna-o
subserviente ao seu propósito interno.
O passado não consegue
sobreviver diante da presença
Você disse que pensar ou
falar sobre o passado é um dos caminhos pelos quais evitamos o presente. Mas,
além do passado do qual nos lembramos e com que talvez nos identifiquemos, não
existe um outro nível de passado dentro de nós mais enraizado? Falo sobre o
passado inconsciente, que condiciona nossas vidas, em especial as experiências dos
primeiros anos da infância, até mesmo as experiências de vida passada. Existem
também os condicionamentos culturais, tão relacionados ao lugar e ao período
histórico em que vivemos. Todas essas coisas determinam o modo como vemos o
mundo, o que pensamos, que tipo de relacionamentos mantemos, como vivemos. Como
poderíamos nos livrar disso tudo? Quanto tempo isso levaria? E se
conseguíssemos, o que restaria?
O que resta quando
terminam as ilusões?
Não há necessidade de investigar
o nosso passado inconsciente, exceto à medida que ele for se manifestando no
presente, na forma de um pensamento, de uma emoção, de um desejo, de uma reação
ou de algo externo que nos aconteça. Uma eventual curiosidade quanto ao passado
inconsciente poderá ser satisfeita através dos desafios do presente. Quanto
mais penetramos no passado, mais ele se torna um buraco sem fundo. Haverá
sempre alguma coisa a mais. Você pode pensar que precisa de mais tempo para
entender o passado ou se livrar dele ou, em outras palavras, que o futuro irá
finalmente livrá-lo do passado. Isso é ilusão. Só o presente pode nos livrar do passado.
Uma quantidade maior de tempo não consegue nos livrar do tempo. Acesse o poder do Agora.
Essa é a chave.
O que é o poder do Agora?
Nada mais do que o poder da sua presença, da sua
consciência libertada das formas de pensamento.
Portanto, lide com o passado no
nível do presente. Quanto mais atenção você der ao passado, mais energia estará
dando a ele e mais probabilidades terá de construir um eu interior baseado
nele. Não confunda as coisas. A atenção é essencial, mas não em relação ao
passado como passado. Dê atenção ao presente. Dê atenção ao seu comportamento,
às suas reações, seu humor, seus pensamentos, suas emoções, medos e desejos, da
forma como eles acontecem no presente. Ali está o seu passado. Se você consegue
estar presente o bastante para observar todas essas coisas, não de modo crítico
ou analítico, mas sem julgamentos, significa que você está lidando com o
passado e dissolvendo-o através do poder da sua presença. Não é procurando no
passado que você vai se encontrar. Você vai se encontrar estando no presente.
O passado não pode ser útil para nos ajudar a compreender
por que fazemos certas coisas, reagimos de determinadas maneiras, ou por que,
inconscientemente, criamos nossos dramas particulares?
Quando ficamos mais conscientes
do presente, podemos ter um insight sobre o porquê de determinados
condicionamentos. Podemos perceber, por exemplo, se seguimos algum padrão nos
nossos relacionamentos e podemos ver mais claramente coisas que aconteceram no passado.
Fazer isso é
bom e pode ser útil, mas não é essencial. O que é essencial é a nossa presença
consciente. Ela dissolve o passado. Ela é o agente transformador. Portanto, não
procure entender o passado, mas esteja presente tanto quanto conseguir. O passado
não consegue sobreviver diante da sua presença, só na sua ausência.
Capítulo
cinco
O ESTADO
DE PRESENÇA
Não é o
que você pensa que é
Você continua falando que o estado de presença é a chave.
Acho que compreendo a ideia mentalmente, mas não sei se alguma vez vivenciei
esse estado. Imagino o que seja. É do jeito que eu penso ou é algo
completamente diferente?
Não é o que você pensa que é! Não
podemos pensar sobre a presença nem a mente pode entendê-la. Compreender a
presença é estar presente.
Faça uma experiência
rápida. Feche os olhos e diga: “Imagino qual será o meu próximo pensamento”.
Depois fique bem alerta e espere pelo próximo pensamento. Aja como um gato
espreitando o buraco do rato. Que pensamento será que vai sair do buraco do
rato? Experimente já.
E aí?
Tive de esperar bastante tempo
até que surgisse um pensamento.
Exatamente. Enquanto estamos num
estado de presença tensa, estamos livres do pensamento. Estamos quietos, embora
bem alerta. No instante em que a consciência desce abaixo de um certo nível, os
pensamentos surgem aos borbotões. O ruído mental volta a aparecer e perdemos a
serenidade. Estamos de volta ao tempo.
Para testar o grau de presença,
alguns mestres zen tornaram-se conhecidos por se aproximarem dos alunos por
trás e, de súbito, atingi-los com um bastão. Que susto! Se o aluno estivesse
totalmente presente e em estado de alerta, se tivesse “mantido seu lombo
cingido e sua lamparina acesa”, que é uma das analogias de que Jesus se utiliza
para falar da presença, o aluno teria percebido o mestre se aproximar e o teria
imobilizado ou se desviado para o lado. Mas, se o aluno fosse atingido,
significaria que estava mergulhado em seus pensamentos, o que quer dizer,
ausente, inconsciente.
Para ficarmos presentes no dia-a-dia, ajuda muito estarmos
profundamente enraizados dentro de nós. Do contrário, a mente, que tem um
impulso inacreditável, nos arrastará com ela, como um rio caudaloso.
O que você quer dizer com “enraizado em seu interior”?
Significa ocupar o corpo completamente. Ter sempre a
atenção concentrada no campo energético interior do corpo. Sentir o corpo bem
lá no fundo, como se diz. A consciência do corpo nos mantém presentes. Ela nos
dá uma base firme no Agora. (Ver capítulo seis.)
O sentido esotérico de
“espera”
Num certo sentido, o estado de
presença poderia ser comparado à espera. Jesus empregou a analogia da espera em
muitas de suas parábolas. Não se trata do costumeiro tipo de espera, tediosa ou
agitada, que é uma negação do presente e sobre a qual já comentei. Não é uma
espera na qual a atenção fica focalizada em algum ponto do futuro e o presente
é percebido como um obstáculo indesejável, que nos impede de alcançar o que
desejamos. Existe
um tipo de espera que requer uma prontidão total. Alguma coisa pode acontecer a
qualquer momento e, se não estivermos absolutamente acordados e calmos, vamos
perdê-la. Esse é o tipo de espera da qual Jesus falou. Nesse estado, toda a
nossa atenção está no Agora. Não há nenhum espaço para fantasias, pensamentos,
lembranças, antecipações. Não há tensão, nem medo, apenas uma presença alerta.
Estamos presentes com todo o nosso Ser, com cada célula do corpo. Nesse estado,
o “você” que tem um passado e um futuro, em outras palavras a personalidade,
dificilmente está ali. E, mesmo assim, não se perdeu nada de valor. Você ainda
é essencialmente você. Na verdade, você é muito mais inteiramente você do que
jamais terá sido, ou melhor, somente agora você é verdadeiramente você.
“Seja como um servo esperando
pelo retorno do seu senhor”, diz Jesus. O servo desconhece a que horas o senhor
vai chegar. Então fica acordado, vigilante, aprumado e sereno, para não perder
a chegada do patrão. Em outra parábola, Jesus fala das cinco mulheres
descuidadas (inconscientes) que não tinham levado azeite suficiente
(consciência) para manter as lâmpadas acesas (ficar presente) e, assim,
perderam a chegada do esposo (o Agora) e não participaram das bodas
(iluminação). Essas cinco fazem um contraste com as cinco mulheres prudentes
que tinham azeite (fique consciente).
Nem mesmo os homens que
escreveram esses Evangelhos compreenderam o sentido dessas parábolas e, assim,
os primeiros mal-entendidos e distorções surgiram enquanto eles estavam
escrevendo. Com as interpretações equivocadas, perdeu-se completamente o
sentido real. Essas parábolas não são sobre o fim do mundo, mas sobre o fim do
tempo psicológico. Elas apontam para a transcendência da mente e para a
possibilidade de se viver num estado inteiramente novo de consciência.
A beleza nasce da
serenidade da sua presença
O que você acabou de descrever é algo que acontece comigo
ocasionalmente por breves momentos quando estou só e em meio à natureza.
Sim. Os mestres zen usam a
palavra satori para descrever um momento de insight, um momento de mente vazia e presença total.
Embora satori não seja uma transformação duradoura, agradeça quando ele surgir
porque terá uma amostra da iluminação. Isso já pode ter acontecido muitas
vezes, sem que você soubesse o que significava e como era importante. A presença
é necessária para tomarmos consciência da beleza, da majestade, do aspecto
sagrado da natureza. Você alguma vez contemplou o espaço infinito em uma noite
clara, estarrecido por sua calma absoluta e incrível vastidão? Já escutou, de
verdade, o som de um riacho numa montanha na floresta? Ou o som de um melro ao
cair da tarde em uma tranquila tarde de verão? Para perceber tudo isso a mente
tem que estar serena. Você tem de se despojar por um momento da sua bagagem
pessoal de problemas, do passado e do futuro, e também do seu conhecimento. Do
contrário, você olhará mas não verá, ouvirá mas não escutará. Estar totalmente
presente é fundamental.
Existe algo mais sob a beleza das
formas externas. Algo que não pode ser nomeado, que é inefável, uma essência
profunda, interna e sagrada. Onde quer que exista a beleza, essa essência
interior brilhará de alguma forma. Ela só se revela quando estamos presentes. Será possível que
essa essência sem nome e a sua presença sejam coisas idênticas e uma coisa só?
Será que a essência estaria lá sem a sua presença? Vá fundo nisso. Descubra por
si mesmo.
=Pausa=
Quando você vivenciou esses
momentos de presença, provavelmente não percebeu que, por breves instantes,
esteve em um estado de mente vazia. Isso aconteceu porque o espaço entre esse
estado e o fluxo de pensamentos era muito estreito. O seu satori pode ter
demorado só uns segundos antes que a mente surgisse, mas ele esteve lá, do
contrário você não teria vivenciado a beleza. A mente não pode reconhecer, nem
criar a beleza. Por alguns segundos, enquanto você esteve completamente
presente, aquela beleza ou algo sagrado esteve lá. O pequeno espaço, sua falta
de vigilância e a falha no estado de alerta impediram que você visse a
diferença fundamental entre a percepção, a consciência da beleza sem
pensamento, e a nomeação e interpretação disso como um pensamento. O espaço de
tempo foi tão pequeno que pareceu ser um simples processo. No entanto, a
verdade é que, no momento em que o pensamento surgiu, tudo o que lhe restou foi
uma lembrança dele.
Quanto maior for o espaço entre a percepção e o
pensamento, mais profundos seremos como seres humanos, ou seja, ficaremos mais
conscientes.
Muitas pessoas estão tão
aprisionadas em suas mentes que a beleza da natureza não existe para elas.
Podem dizer “que flor linda”, mas é apenas um rótulo mental mecânico. Como elas
não estão serenas, não estão presentes, não veem a flor de verdade, não sentem
a sua essência, do mesmo modo como não conhecem a si mesmas, não sentem a sua
própria essência interior, sagrada.
Como vivemos em uma cultura
dominada pela mente, a maior parte da arte moderna, da arquitetura, da música e
da literatura é desprovida de beleza, de essência interior, com raras exceções.
A razão é que as pessoas que criam essas obras não conseguem livrar-se das suas
mentes, nem mesmo por um momento. Portanto, nunca estão em contato com aquele
lugar interior, onde se originam a verdadeira criatividade e a beleza. A mente
pode criar monstruosidades e não só nas galerias de arte. Olhe para as nossas
paisagens urbanas e terrenos baldios em zonas industriais. Nenhuma civilização
jamais produziu tanta feiura.
Vivenciando a consciência
pura
Presença é o mesmo que Ser?
Quando tomamos consciência do Ser, o que de fato acontece é
que o Ser se torna consciente de si
mesmo. Quando o Ser toma consciência de si
mesmo, isso é presença. Como o Ser, a consciência e a vida são sinônimos, podemos dizer que
a presença significa a consciência se tornando consciente de si mesma, ou a
vida tomando consciência de si mesma. Mas não se apegue às palavras e não se
esforce para entendê-las. Não há nada que você precise
entender antes de conseguir se tornar presente.
Compreendo o que você acabou de dizer, mas isso parece implicar
que o Ser, a realidade transcendental definitiva, ainda não está completo e que
está passando por um processo de desenvolvimento. Será que Deus precisa de
tempo para um crescimento pessoal?
Sim, mas somente se visto da
perspectiva limitada do universo manifesto. Na Bíblia, Deus declara: “Eu sou o
Alfa e o Omega, eu sou Aquele que está vivo”. No reino eterno em que Deus
habita, que também é a nossa casa, o começo e o fim, o Alfa e o Ômega, são uma
unidade, e a essência de todas as coisas que existem e existirão está
eternamente presente na forma de um estado não manifesto de unidade e
perfeição, totalmente além de qualquer coisa que a mente humana possa vir a
imaginar ou compreender. Entretanto, em nosso mundo de formas aparentemente
separadas, a perfeição eterna é um conceito muito difícil de imaginarmos. Aqui,
até mesmo a consciência, que é a luz emanando da Fonte eterna, parece estar
sujeita a um processo de desenvolvimento, mas isso se deve à nossa percepção
limitada. Não é isso o que acontece em termos absolutos. Ainda assim, vou
continuar a falar por um momento a respeito da evolução da consciência em nosso
mundo.
Todas as coisas que existem têm um Ser, têm uma essência
divina, têm algum grau de consciência. Até mesmo uma pedra tem uma
consciência rudimentar, do contrário não existiria e seus átomos e moléculas se
dispersariam. Tudo está vivo. O sol, a terra, as plantas, os animais, as pessoas,
todos são expressões da consciência em níveis variáveis, a consciência se
manifestando como forma.
O universo desponta quando a
consciência toma um corpo e uma forma, formas abstratas e formas materiais.
Olhe para os milhões de formas de vida só neste planeta. No mar, na terra, no
ar e, em seguida, como cada forma de vida se reproduz milhões de vezes. Com que
propósito? Será que alguma coisa, ou alguém, está jogando um jogo com a forma?
É isso o que os antigos profetas da Índia se perguntavam. Viam o mundo como lila, uma espécie de jogo
divino jogado por Deus. As formas de vida individuais não são obviamente muito
importantes nesse jogo. No mar, a maioria das formas de vida não sobrevive por
mais de alguns minutos depois de ter nascido. A forma humana também vira pó bem
rapidamente e, quando ela se vai, é como se nunca tivesse acontecido. Isso é
trágico ou cruel? Só se criarmos uma identidade separada para cada forma e
esquecermos que a consciência de cada uma é a expressão da essência divina
através forma. Mas você não sabe de verdade essas coisas até que vivencia a sua
própria essência divina como pura consciência.
Se um peixe nasce no seu aquário
e você lhe dá o nome de John, escreve uma certidão de nascimento, conta-lhe a
história da família dele e, dois minutos depois, o vê sendo engolido por um
outro peixe, isso é trágico. Mas só é trágico porque você projetou um eu
interior separado onde não havia nenhum. Você se apoderou de uma fração de um
processo dinâmico, uma dança molecular, e fez dela uma entidade separada.
A consciência assume formas tão
complexas para se disfarçar que acaba se perdendo completamente nelas. Nos dias
atuais, a consciência está totalmente identificada com seu disfarce. Só se
conhece como forma e assim vive com medo da destruição da sua forma física ou
psicológica. Essa é a mente egóica, e é aqui que surge uma grave disfunção.
Agora parece que alguma coisa deu errado em algum ponto ao longo da linha da
evolução. Mas mesmo isso é parte da lila, o jogo divino. Por fim, a pressão do
sofrimento criada por essa aparente disfunção obriga a consciência a se
desidentificar da forma e a faz despertar do sonho da forma. Ela recobra sua
autopercepção, mas num nível muito mais profundo do que quando a perdeu.
Esse processo é explicado por
Jesus na parábola do filho pródigo, que deixa a casa paterna, esbanja a sua
fortuna, vira um mendigo e então é forçado por suas provações a voltar para
casa. Ao chegar, seu pai o ama mais do que antes. O estado do filho é o mesmo
que anteriormente, ainda que não o mesmo. Tem agora uma dimensão adicional de
profundidade. A parábola descreve uma trajetória a partir de uma perfeição
inconsciente, passa por uma aparente imperfeição e “demonismo”, até chegar a
uma perfeição consciente.
Você consegue perceber agora a profundidade e a grandeza
de se tornar presente como o observador da sua mente? Sempre que observamos a
mente, livramos a consciência das formas da mente, criando aquilo que chamamos
o observador ou a testemunha. Consequentemente,
o observador – que é a pura consciência além da forma – se
torna mais forte, e as formações mentais se tornam mais fracas. Quando
falamos sobre observar a mente, estamos personalizando um fato de verdadeiro
significado cósmico porque, através de você, a consciência está despertando do
seu sonho de identificação com a forma e se retirando da forma. Isso é
o prenúncio – e também parte – de um acontecimento que provavelmente ainda está
num futuro distante, no que diz respeito ao tempo cronológico. Esse
acontecimento é conhecido como o fim do mundo.
=Pausa=
Quando a consciência se liberta da sua identificação com as
formas física e mental, torna-se o que podemos chamar de consciência pura ou
iluminada, ou presença. Isso já aconteceu com alguns indivíduos e
parece que está destinado a acontecer em breve em uma escala muito maior,
embora não haja garantia absoluta que vá acontecer. Muitos seres humanos ainda
estão identificados com a mente e são governados por ela. Se não se libertarem
a tempo, serão destruídos por ela. Vão se ver envolvidos em confusões cada vez
maiores, conflitos, violência, doenças, desespero, loucura. A mente se
transformou em um navio que naufraga. Se você não pular, vai naufragar com ele.
A mente egóica coletiva é a entidade mais perigosamente insana e destruidora
que jamais habitou nosso planeta. O que você acha que acontecerá ao planeta se
a consciência humana não se modificar?
Para a maioria dos seres humanos,
a única maneira de descansar a mente é ocasionalmente reverter a um nível de
consciência abaixo do pensamento. As pessoas fazem isso todas as noites,
durante o sono. Mas, até certo ponto, isso também acontece através do sexo, da
bebida e de outras drogas que suprimem a atividade excessiva da mente. Se não
fosse pela bebida, por tranquilizantes e antidepressivos, bem como pelas drogas
ilegais, todas consumidas em grandes quantidades, a insanidade das mentes
humanas seria até mais óbvia do que já é. Acredito que, impedida de usar
drogas, uma grande parte da população se transformaria num perigo para ela
mesma e para os outros. Essas drogas mantêm as pessoas paralisadas dentro da
disfunção. Sua ampla utilização apenas retarda a ruptura das velhas estruturas
mentais e o aparecimento de uma consciência superior. Enquanto os usuários
individuais puderem obter algum alívio da tortura diária a eles infligida por
suas próprias mentes, estarão sendo impedidos de gerar uma presença consciente
o bastante para se elevarem sobre o pensamento e assim encontrarem a verdadeira
libertação.
Retomar a um nível de consciência
abaixo da mente, que é o nível pré-pensamento dos nossos ancestrais distantes e
também dos animais e das plantas, não é uma opção válida para nós. Não há como
retomar. Se a raça humana tiver de sobreviver, terá de passar para o estágio
seguinte. A consciência está se desenvolvendo por todo o universo através de
bilhões de formas. Portanto, mesmo se não conseguirmos, não terá a menor
importância numa escala cósmica. Nunca se perde um avanço na consciência
cósmica, ele simplesmente vai se expressar através de uma outra forma. Mas o
simples fato de eu estar falando aqui e de você estar me ouvindo, ou lendo, é
um sinal claro que uma nova consciência está ganhando espaço no planeta.
Não há nada de pessoal nisso: não
estou ensinando nada a você. Você está consciente e está prestando atenção. Há
um ditado oriental que diz: “O mestre e o ensinamento juntos criam o ensino”.
Em qualquer caso, as palavras em si não são importantes. Elas não são a
Verdade, só apontam para ela. Falo num momento de presença e, enquanto falo,
você pode querer se juntar a mim nesse estado. Embora cada palavra que eu
empregue tenha uma história, e, é claro, venha do passado, assim como todas as
línguas, as palavras deste momento são condutoras de uma alta frequência de
energia de presença, bem diferente do significado que elas transmitem como
simples palavras. O silêncio é um condutor até mais potente de presença,
portanto, quando você ler estas palavras ou me ouvir dizê-las, perceba o
silêncio entre e sob as palavras. Perceba os espaços. Ouvir o silêncio, onde
quer que você esteja, é um caminho fácil e direto de tornar-se presente. Mesmo
quando há barulho, há sempre um pouco de silêncio sob e entre os sons.
Ouvir o silêncio cria imediatamente uma serenidade dentro de nós. Só a
serenidade dentro de nós percebe o silêncio lá fora. E o que é serenidade senão
a presença, a consciência livre das formas de pensamento? Eis aqui a realização
exata do que venho falando.
Cristo: a realidade da sua
divina presença
Não se apegue a uma única
palavra. Você pode substituir “Cristo” por presença, se achar mais
significativo. Cristo é a essência de Deus dentro de nós ou o nosso Eu
interior, como às vezes é chamado no Oriente. A única diferença entre Cristo e
presença é que Cristo remete à nossa existência divina sem se importar se
estamos ou não conscientes dela, ao passo que a presença significa a nossa
divindade vigilante ou a essência de Deus.
Se admitirmos que não há passado
nem futuro em Cristo, poderemos esclarecer muitos mal-entendidos e falsas
crenças sobre Ele. Dizer que Cristo foi ou será é uma contradição. Jesus foi.
Foi um homem que viveu há dois mil anos e exerceu a sua divina presença, a sua
verdadeira natureza. Suas palavras foram: “Antes que Abraão existisse, Eu sou”.
Ele não disse: “Eu já existia antes de Abraão ter nascido”. Isso significaria
que Ele ainda estaria dentro da dimensão do tempo e da identidade da forma. As
palavras Eu sou utilizadas em uma frase que começa no tempo passado indicam uma
mudança radical, uma descontinuidade na dimensão temporal. É uma afirmação, ao
estilo zen, de grande profundidade. Jesus tentou transmitir diretamente, e não
através de divagações, o significado de presença, de auto-realização. Ele foi
além da dimensão da consciência governada pelo tempo e penetrou no domínio da
eternidade. Foi assim que a dimensão de eternidade surgiu neste mundo. A eternidade não significa tempo sem
fim, mas sim tempo nenhum. Assim, o homem Jesus se tornou o
Cristo, um veículo de pura consciência. E qual é a própria definição de Deus na
Bíblia? Será que Deus disse: “Eu fui e sempre serei?” Claro que não. Isso teria
conferido realidade ao passado e ao futuro. Deus disse: “EU SOU O QUE SOU”.
Aqui não existe o tempo, só a presença.
A “segunda vinda” do Cristo é uma
transformação da consciência humana, uma mudança do tempo para a presença, do
pensamento para a consciência pura, e não a chegada de algum homem ou de alguma
mulher. Se “Cristo” estivesse para chegar amanhã, revestido de alguma forma
externa, o que ele ou ela poderia nos dizer além do seguinte: “Eu sou a
Verdade. Eu sou a Divina Presença. Eu sou a Vida Eterna. Estou dentro de você.
Estou aqui. Eu sou o Agora”.
=Pausa=
Nunca personalize Cristo. Não dê
uma forma de identidade a Cristo. Avatares, mães divinas, mestres iluminados,
os pouquíssimos que realmente são, não têm nada de especial como pessoas. Como
não têm de sustentar o ego, defendê-lo ou alimentá-lo, são mais simples do que
as pessoas comuns. Qualquer pessoa com um ego forte os olharia como
insignificantes ou, mais provavelmente, nem os veria.
Se você for atraído para um
professor iluminado, é porque já existe presença bastante em você para
reconhecer a presença no outro. Houve muitas pessoas que não reconheceram Jesus
ou Buda, assim como há – e sempre haverá – pessoas que são levadas a falsos
professores. Egos são atraídos por grandes egos. A escuridão não consegue
reconhecer a luz. Portanto, não acredite que a luz está fora de você ou que ela
só pode vir através de uma forma específica. Se só o seu mestre for a
encarnação de Deus, quem é você então? Qualquer espécie de exclusividade é uma
identificação com a forma, e a identificação com a forma significa o ego, não
importa o quanto ele esteja bem disfarçado.
Utilize a presença do mestre para
ver um reflexo da sua própria identidade por trás do nome e da forma e para se
tornar mais intensamente presente. Em pouco tempo você verá que não existe
nenhum “meu” ou “seu” na presença. A presença e única.
O trabalho em grupo também pode
ser de grande utilidade para intensificar a luz da nossa presença. Um grupo de
pessoas atingindo juntas um estado de presença gera um campo de energia de
grande intensidade. Isso não só aumenta o estado de presença de cada membro do
grupo, mas também ajuda a libertar a consciência coletiva humana do seu estado
normal de dominação da mente. Essa prática vai tornar o estado de presença cada
vez mais acessível às pessoas. Entretanto, a menos que um membro do grupo já
esteja firmemente estabelecido na presença e consiga sustentar a frequência de
energia desse estado, a mente pode facilmente voltar a dominar e sabotar os
esforços do grupo. Embora o trabalho em grupo seja valioso, ele não é o bastante
e você não deve depender dele. Nem de um professor ou de um mestre, exceto
durante o período de transição, quando você está aprendendo o significado e a
prática da presença.
Capítulo
seis
O CORPO
INTERIOR
O ser é o
seu eu interior mais profundo
Você falou sobre a importância de existirem raízes
profundas dentro de nós, habitando nossos corpos. O que quis dizer com isso?
O corpo pode se tornar um ponto de acesso para o domínio
do Ser. Vamos nos deter mais profundamente nisso agora.
Ainda não tenho certeza se entendi o que você quer dizer
com Ser.
“Água? O que você quer dizer com isso? Não estou entendendo
nada”. É o que um peixe diria, se tivesse uma mente humana.
Por favor, pare de tentar
entender o Ser. Você já teve lampejos significativos do Ser, mas a mente vai
sempre tentar espremê-lo dentro de uma caixa e colocar-lhe um rótulo. Isso não
dá certo. O Ser não pode se tornar um objeto de conhecimento. No Ser, o sujeito
e o objeto formam uma coisa só. O Ser pode ser sentido como o eternamente presente Eu
sou, que está além do nome e da forma. Sentir e, em consequência,
saber que você é e permanecer nesse estado profundamente enraizado é o que se
chama iluminação, é a verdade que Jesus diz que nos libertará.
Libertará do quê?
Libertará da ilusão de que não
somos nada mais do que o nosso corpo e a nossa mente. É nessa “ilusão do eu
interior”, nas palavras de Buda, que está o erro central. Libertará dos
inúmeros disfarces do medo, que é uma conseqüência inevitável dessa ilusão, o
medo que não vai parar de nos torturar, enquanto continuarmos extraindo o
sentido do eu interior exclusivamente dessa forma efêmera e vulnerável. E
libertará do pecado, esse sofrimento que inconscientemente infligimos a nós
mesmos e aos outros, enquanto a ilusão governar aquilo que pensamos, dizemos e
fazemos.
Olhe além das palavras
Não gosto da palavra pecado. Ela
pressupõe um julgamento e uma atribuição de culpa.
Posso entender isso. Durante
muitos séculos, foram se acumulando interpretações erradas em torno de palavras
como pecado, devido à ignorância, à incompreensão ou a um desejo de controle,
embora todas contenham um fundo de verdade. Se você não for capaz de olhar para
além de tais interpretações e, por isso, não reconhecer a realidade para a qual
a palavra aponta, então não a use. Não se prenda às palavras. Uma palavra nada
mais é do que um meio para atingir um fim. É uma abstração. Tal qual um
letreiro em forma de seta em um poste, uma palavra aponta para além dela mesma.
A palavra mel não é mel. Você pode estudar e falar a respeito de mel pelo tempo
que quiser, mas não vai saber o que é enquanto não prová-lo. Depois de provar,
a palavra perde a importância e não ficamos mais presos a ela. De forma
semelhante, podemos falar ou pensar sobre Deus, sem parar, pelo resto da vida,
mas será que isso significa que conhecemos ou que tivemos uma rápida visão da
realidade para a qual a palavra aponta? Ela não passa de um apego obsessivo a
um letreiro no poste, um ídolo mental.
O contrário também acontece. Se,
por alguma razão, não gostamos da palavra mel, pode ser que jamais o
experimentemos. Se você tem uma forte aversão à palavra Deus, o que é uma forma
negativa de apego, pode estar negando não só a palavra como também a realidade
para a qual ela aponta. Você estará se privando da possibilidade de vivenciar
essa realidade. Tudo isso tem, naturalmente, uma relação direta com o fato de
estarmos identificados com as nossas mentes.
Portanto, se uma palavra não
significa mais nada para você, jogue-a fora e use outra que signifique. Se você
não gosta da palavra pecado, chame-a então de inconsciência ou insanidade. Essa
atitude talvez lhe aproxime mais da verdade – a realidade que está além da
palavra – do que um longo uso equivocado da palavra pecado, deixando pouco
espaço para a culpa.
Essas palavras também não me
agradam. Elas pressupõem que existe alguma coisa errada comigo. É como se
estivessem me julgando.
Claro que existe alguma coisa
errada com você e ninguém está julgando nada.
Sem querer ofender, mas você não
pertence à raça humana que matou mais de cem milhões de membros da própria
espécie, somente no século vinte?
Você quer dizer que existe culpa
por associação?
Não é uma questão de culpa. Mas,
enquanto a mente nos governar, fazemos parte da insanidade coletiva. Talvez
você não tenha olhado profundamente para dentro da condição humana sob o
domínio da mente. Abra os olhos e veja o medo, o desespero, a inveja e a
violência que penetra em tudo. Atente para a crueldade e o sofrimento
abomináveis, em uma escala jamais imaginada, que os homens infligiram e
continuam a infligir a outros homens, assim como a outras formas de vida. Você
não precisa condenar, apenas observe. Isso é pecado. Isso é insanidade. Isso é
inconsciência. Acima de tudo, não esqueça de observar a sua própria mente.
Busque nela a raiz da insanidade.
Encontre a sua realidade
invisível e indestrutível
Você disse que a identificação
com a forma física faz parte da ilusão. Então como é que o corpo pode nos levar
à realização do Ser?
O corpo que podemos ver e tocar
não consegue nos conduzir para dentro do Ser. Mas esse corpo visível e palpável
é só uma casca, ou melhor, uma percepção limitada e distorcida de uma realidade
mais profunda. Em nosso estado natural de conexão com o Ser, essa realidade
mais profunda pode ser sentida, a cada momento, como o corpo interior
invisível, que é a presença viva dentro de nós. Portanto “habitar o corpo” é
sentir o corpo bem lá no fundo, de modo a sentir a vida dentro dele e, assim,
realizar que somos algo mais além da forma exterior.
Mas isso é só o começo de uma
jornada interior, que nos levará ainda mais fundo para uma região de grande
serenidade e paz, embora também de grande poder e de vida palpitante. No
início, talvez você só consiga ter rápidas visões dessa região, mas, através
delas, começará a perceber que você não é apenas um fragmento sem sentido em um
universo estranho, levemente suspenso entre o nascimento e a morte, com poucos
momentos prazerosos de curta duração seguidos de dor e, no final, de
devastação. Por baixo da forma exterior, estamos em conexão com algo tão
grande, tão incomensurável, tão sagrado, que não pode ser concebido, nem
compreendido através de palavras, embora eu esteja falando sobre ele agora.
Estou falando não para dar a você alguma coisa em que acreditar, mas para
mostrar de que modo você pode conhecê-lo.
Enquanto sua mente absorver toda
a sua atenção, você não conseguirá estar em conexão com o Ser. A mente absorve
toda a sua consciência e a transforma em matéria mental. Você não consegue
parar de pensar. O pensamento compulsivo se tornou uma doença coletiva. Tudo o
que você achava que sabia a seu respeito passa a se originar da atividade
mental. Sua identidade, como não tem mais raízes no Ser, se transforma em uma
construção mental vulnerável e indispensável, que cria o medo e este passa a
ser a emoção oculta predominante. Fica faltando, então, a única coisa que
realmente importa em sua vida, que é a percepção do seu eu interior mais
profundo, a sua indestrutível e invisível realidade.
Para se tornar consciente do Ser,
você precisa ter de volta a consciência aprisionada pela mente. Essa é uma das
tarefas mais essenciais na sua jornada espiritual. Ela vai libertar grandes
porções de consciência que antes estavam presas nos pensamentos inúteis e
compulsivos. Uma forma eficaz de realizar essa tarefa é desviar o foco da
atenção do pensamento e dirigi-lo para o interior do seu corpo, onde o Ser pode
ser percebido, numa primeira etapa, como o campo de energia invisível que dá
vida àquilo que você entende como seu corpo físico.
Conecte-se com o seu corpo
interior
Vamos fazer uma experiência
agora. Talvez ajude fechar os olhos para este exercício. Depois, quando o
“estar dentro do corpo” se tornar algo fácil e natural, isso não será mais
necessário. Dirija a atenção para dentro do seu corpo. Sinta-o lá no fundo. Está
vivo? Há vida nas suas mãos, braços, pernas e pés, em seu abdômen, no seu
peito? Você consegue sentir o campo de energia sutil impregnando todo o seu
corpo e fazendo palpitar cada órgão e cada célula? Percebe o que está
acontecendo em todas as partes do corpo ao mesmo tempo, como se fosse um só
campo de energia? Mantenha o foco, por uns momentos, sobre a sensação que passa
pelo seu corpo interior. Não comece a pensar sobre ela. Sinta-a. Quanto mais
atenção você der à sensação, mais clara e forte ela ficará. É como se cada
célula se tornasse mais viva e, se você tiver uma forte percepção visual,
talvez obtenha uma imagem do seu corpo ficando luminoso. Embora uma imagem
assim possa lhe ajudar temporariamente, preste mais atenção ao que você está
sentindo do que a qualquer imagem que possa surgir. Uma imagem, não importa o
quanto seja bela ou poderosa, já tem uma forma definida, e, por isso, deixa
menos espaço para penetrar mais fundo.
=Pausa=
A sensação dentro do nosso corpo
interior não tem forma, não tem limites, não tem um fim. Sempre podemos
penetrar mais fundo. Se você não consegue sentir muito bem esse estágio, preste
atenção ao que consegue sentir. Talvez exista um leve formigamento em suas mãos
e em seus pés. Já basta para o momento. Focalize apenas a sensação. O seu corpo
está se tornando vivo. Praticaremos outras vezes, mais adiante. Por favor, abra
os olhos agora, mas mantenha alguma atenção no campo de energia interior do
corpo, mesmo que esteja olhando a esmo. O corpo interior está na fronteira entre
a forma e a essência, que é a sua verdadeira natureza. Nunca perca o contato
com ele.
=Pausa=
A transformação através do corpo
Por que a maioria das religiões
condena ou renega o corpo? Tenho a impressão de que as pessoas interessadas em
uma busca espiritual sempre olharam o corpo como um obstáculo ou mesmo como um
pecado.
Por que tão poucas pessoas
encontram o que procuram?
Os seres humanos são bastante
semelhantes aos animais no que se refere ao funcionamento do corpo. Ambos têm
as mesmas funções corporais básicas, como respirar, comer, beber, defecar,
dormir, sentir prazer e dor, ter o impulso de buscar um parceiro e procriar e,
é claro, nascer e morrer. Muito tempo depois de terem decaído do estado de
graça e unidade para o estado de ilusão, os seres humanos repentinamente
despertaram no que parecia ser um corpo animal e ficaram bastante alarmados.
“Não se iluda. Você não passa de um animal”. Era uma verdade óbvia, mas
bastante difícil de suportar. Adão e Eva perceberam que estavam nus e sentiram
medo. A negação inconsciente de sua natureza animal acabava de acontecer. A
ameaça de que poderiam ser dominados por impulsos instintivos poderosos e
reverterem ao estágio de total inconsciência estava muito próxima. A vergonha e
alguns tabus em torno de certas partes e funções do corpo, especificamente
quanto à sexualidade, passaram a existir. A luz da consciência dos humanos
ainda não era forte o bastante para conviver com uma natureza animal, para
permiti-la ser e até mesmo apreciar esse aspecto, muito menos para penetrar
profundamente dentro dela, para encontrar a divindade oculta em seu interior, a
realidade dentro da ilusão. Os humanos, então, fizeram o que tinham de fazer.
Começaram a se dissociar de seus corpos. Viam agora a si mesmos como possuindo
e não simplesmente sendo um corpo.
Essa separação ficou ainda mais
acentuada quando as religiões surgiram, graças à crença de que “você não é o
seu corpo”. Inúmeras pessoas do Leste e do Oeste, em todas as eras, tentaram
encontrar Deus, a salvação ou a iluminação, através da negação do corpo. Essa
procura passou por uma negação da satisfação dos sentidos, em especial da
sexualidade, e por jejuns e outras práticas ascéticas. Algumas pessoas
infligiam até mesmo sofrimento ao corpo, numa tentativa de enfraquecê-la ou
puni-la, porque ele era visto como cheio de pecado. No cristianismo, isso era
chamado de mortificação da carne. Outras pessoas tentaram escapar do corpo
entrando em estados de transe ou buscando experiências extracorpóreas. Muitas
ainda adotam essas práticas. Conta-se que até Buda praticou a negação do corpo
através do jejum e de práticas extremadas de ascetismo durante seis anos, mas
ele só atingiu a iluminação depois que abandonou essa ideia.
O fato é que ninguém jamais
atingiu a iluminação negando ou combatendo o corpo, ou através de experiências
fora dele. Embora uma experiência desse tipo possa ser fascinante e nos proporcionar
um vislumbre do estado de libertação da forma material, no fim, sempre temos de
voltar para o corpo, que é onde acontece o trabalho essencial de transformação.
A transformação acontece através do corpo, e não distanciada dele. Essa é a
razão pela qual nenhum dos verdadeiros mestres jamais defendeu lutar ou
abandonar o corpo, embora seus discípulos, com base na mente, freqüentemente
defendam.
Dos antigos ensinamentos
relativos ao corpo, somente sobrevivem fragmentos, como as palavras de Jesus
“todo o seu corpo será preenchido pela luz”, ou mitos, tal como a crença de que
Jesus jamais abandonou seu corpo, mantendo-se unido a ele e com ele tendo
subido ao “paraíso”. Quase ninguém, até hoje, compreendeu esses fragmentos ou o
sentido oculto de certos mitos. A crença de que “você não é o seu corpo”
prevalece em todas as partes do mundo, levando a uma negação do corpo e a
tentativas de escapar dele. Isso tem impedido que inúmeras pessoas alcancem a
realização espiritual e encontrem o que procuram.
É possível recuperar os
ensinamentos perdidos sobre a significação do corpo ou reconstruí-los a partir
de fragmentos existentes?
Não há necessidade disso. Todos
os ensinamentos espirituais vêm da mesma Fonte. Nesse sentido, existe e sempre
existirá somente um mestre, que se manifesta de vários modos diferentes. Eu sou
esse mestre e você também é, desde que seja capaz de acessar a Fonte interna. E
o caminho é através do corpo interior. Embora todos os ensinamentos espirituais
tenham origem na mesma Fonte, no momento em que eles são verbalizados e
escritos não passam de ajuntamentos de palavras, e uma palavra não passa de um
letreiro em um poste apontando o caminho de volta à Fonte.
Já comentei sobre a Verdade
escondida dentro do nosso corpo, mas vou resumir, outra vez, os ensinamentos
perdidos dos mestres. Portanto, aqui está um outro letreiro. Por favor, procure
sentir o seu corpo interior enquanto ler ou ouvir.
O sermão sobre o corpo
Aquilo que percebemos como uma
estrutura compacta chamada corpo, que é sujeito às doenças, ao envelhecimento e
à morte, não é real, não é você. É uma percepção errada da nossa realidade
essencial, que está além do nascimento e da morte, cuja causa está nas
limitações da nossa mente. A mente, tendo perdido o contato com o Ser, cria o
corpo como uma prova da sua crença ilusória de separação para justificar o seu
estado de medo. Mas não despreze o corpo, porque é no interior desse símbolo de
não permanência, limitação e morte que está contido o esplendor da nossa
realidade essencial e imortal. Não desvie a atenção para outro lugar em sua
busca da Verdade, pois ela não pode ser encontrada em nenhum outro lugar que
não no interior do seu corpo.
Não lute contra o seu corpo,
porque, ao fazer isso, você está lutando contra a sua própria realidade. Você é
o seu corpo. O corpo que você vê e toca é somente um delicado véu de ilusão.
Debaixo dele encontra-se o seu corpo interior invisível, a porta de entrada
para o Ser, para a Vida Não Manifesta. Através do corpo interior, estamos
inseparavelmente conectados a essa Vida Não Manifesta – onde não há nascimentos
nem mortes –, que é eternamente presente. Através do corpo interior, estamos
sempre com Deus.
=Pausa=
Finque raízes profundas no
seu eu interior
A chave é estar em um estado de
conexão permanente com o nosso corpo interior, em senti-lo em todos os
momentos. Essa prática vai se intensificar rapidamente e transformar sua vida.
Quanto mais consciência direcionamos para o nosso corpo interior, mais cresce a
freqüência vibracional, tal qual a luz que vai ficando mais forte quando
giramos o botão do dimmer, aumentando o fluxo de eletricidade. Nesse nível de
energia mais elevado, a negatividade deixa de nos afetar e tendemos a atrair
novas circunstâncias que refletem essa alta frequência.
Quanto mais concentramos a
atenção no corpo, mais nos fixamos no Agora. Não nos perdemos no mundo
exterior, nem na mente. Pensamentos, emoções, medos e desejos podem até estar
presentes, mas não vão mais nos dominar.
Verifique onde está a sua atenção
neste momento. Ou você está me ouvindo ou está lendo minhas palavras em um
livro. Aqui está o foco da sua atenção. Você também está percebendo o que está
ao redor, as outras pessoas, etc. Além disso, pode haver alguma atividade
mental em volta do que você está ouvindo ou lendo, algum comentário mental,
embora não haja necessidade de nada disso absorver toda a sua atenção.
Verifique se você consegue estar em contato com o seu corpo interior ao mesmo
tempo. Mantenha parte da sua atenção no interior. Não permita que ela se
disperse. Sinta todo o seu corpo, lá do fundo, como um só campo de energia. É
quase como se você estivesse ouvindo ou lendo com todo o seu corpo. Pratique
nos próximos dias e semanas.
Não desvie toda a sua atenção da
mente nem do mundo exterior. Procure, por todos os meios, se concentrar naquilo
que você está fazendo, mas sinta o corpo interior ao mesmo tempo, sempre que
possível. Tenha as raízes fincadas dentro de você. Observe, então, como isso
altera o seu estado de consciência e a qualidade do que você está fazendo.
Sempre que você tiver de esperar,
esteja onde estiver, use esse tempo para sentir o seu corpo interior. Assim, os
engarrafamentos de trânsito e as filas vão se tornar mais agradáveis. Em vez de
se projetar mentalmente para longe do Agora, aprofunde-se no Agora ao se
aprofundar no seu corpo.
A habilidade de perceber o corpo
interior vai gerar um modo de vida novo, um estado de conexão permanente com o
Ser, e trazer uma profundidade à sua vida que você jamais imaginou.
É fácil ficar presente como o
observador da mente quando as raízes estão firmemente fincadas no corpo
interior. Nada que aconteça do lado de fora pode nos abalar.
A menos que você esteja presente
– e habitar o corpo é sempre um aspecto fundamental dessa prática –, a mente
vai continuar governando você. O script armazenado na mente, aprendido há tanto
tempo, vai ditar o modo de pensar e agir. Podemos nos livrar dele por períodos
curtos, mas dificilmente por um período longo. Isso se comprova facilmente quando
alguma coisa “vai mal” ou quando existe alguma perda ou aborrecimento. Nossa
reação condicionada vai ser então involuntária, automática e previsível,
alimentada por uma emoção básica que está por baixo do estado identificado com
a mente, que é o medo.
Portanto, quando surgirem os
desafios, como sempre surgem, adote o hábito de penetrar direto em seu eu
interior e se concentrar o máximo que puder no campo da energia interna do seu
corpo. Não leva muito tempo, só uns segundos. Mas isso tem de ser feito no
exato momento em que o desafio acontece. Qualquer demora vai permitir que a
reação condicionada mental e emocional apareça e domine você. Quando dirigimos
o foco para o campo interno e sentimos o corpo interior, imediatamente ficamos
serenos e presentes, porque estamos tirando a consciência do campo da mente. Se
precisarmos de uma resposta durante essa situação, ela virá desse campo
interior. Assim como o sol é infinitamente mais brilhante do que a chama de uma
vela, há uma inteligência infinitamente maior no Ser do que em nossa mente.
Enquanto mantivermos um contato
consciente com o nosso corpo interior, somos como as árvores que estão
enraizadas bem fundo na terra, ou como um edifício com fundações sólidas e
profundas. Essa última analogia foi utilizada por Jesus na geralmente
incompreendida parábola dos dois homens que construíram suas casas. Um deles
construiu a sua na areia, sem fundações, e quando as tempestades e enchentes
vieram, arrastaram a casa com elas. O outro homem cavou fundo até que alcançou
a rocha, e só então construiu sua casa, que não foi arrastada pelas enchentes.
Antes de penetrar no seu
corpo, perdoe
Tive dificuldades quando tentei
concentrar minha atenção no corpo interior. Senti uma certa agitação e um pouco
de náusea. Não fui capaz de vivenciar o que você está ensinando.
O que você sentiu foi uma emoção
retardada, da qual provavelmente não tinha consciência antes de passar a
observar seu corpo. Se não der um pouco de atenção a essa emoção, ela vai
impedir que você tenha acesso ao seu corpo interior, que está em um nível mais
profundo. Dar atenção não significa pensar nela. Significa, apenas, observá-la,
senti-la complemente, conhecê-la e aceitá-la do jeito que é. Algumas emoções
são fáceis de identificar, como a raiva, o medo e o desgosto. Outras talvez
sejam mais difíceis de rotular. Elas podem se manifestar como um leve
desconforto, uma aflição ou um peso, um meiotermo entre uma emoção e uma
sensação física. Em qualquer dos casos, o que importa não é se você pode dar um
rótulo mental a essas emoções, mas sim se você pode tornar essa sensação
consciente. A atenção é a chave para a transformação, e isso também envolve
aceitação. A atenção é como um raio de luz: o poder concentrado da consciência
que transforma tudo nela própria.
Em um organismo que funcione
perfeitamente, uma emoção tem vida curta. É como uma onda ocasional sobre a
superfície do Ser. No entanto, se não estamos dentro do nosso corpo, uma emoção
pode permanecer dentro de nós por dias ou semanas, ou se juntar a outras emoções
de freqüência similar, ou se tornar um sofrimento, um parasita que pode viver
dentro de nós durante anos, alimentar-se de nossa energia, nos deixar doentes e
tornar nossa vida miserável. (Ver capítulo dois).
Portanto, dirija sua atenção para
a emoção e verifique se a sua mente está alimentando um padrão de mágoa, culpa,
autopiedade ou ressentimento, que, por sua vez, está alimentando a emoção. Se
esse for o caso, significa que você não perdoou. Quando se fala em perdoar,
pensamos logo em perdoar alguém, mas o perdão também pode ser em relação a nós
mesmos ou a uma situação do passado, presente ou futuro que a nossa mente se
recusa a aceitar. Pois é, pode haver um não-perdoar até em relação ao futuro. É
a recusa da mente em aceitar a incerteza, em aceitar que o futuro está além do
nosso controle. Perdoar é abrir mão dos nossos ressentimentos e deixar que eles
se desprendam de nós. Isso acontecerá naturalmente quando você perceber que os
seus ressentimentos não têm outro objetivo, exceto o de fortalecer o falso
sentido do eu interior. Perdoar é não oferecer resistência à vida, é permitir
que a vida aconteça através de você. As alternativas são as dores e os
sofrimentos, um fluxo de energia altamente limitado, e, em muitos casos,
doenças físicas.
No momento em que você perdoar,
terá retomado o poder que estava na mente. O falso eu interior construído pela
mente, o ego, não consegue sobreviver sem discórdias e conflitos. A mente não
consegue perdoar. Só você consegue. Você se torna presente, penetra em seu
corpo, sente a paz vibrante e a serenidade que emanam do Ser. Essa é a razão
pela qual Jesus disse: “Antes de entrar no templo, perdoe”.
A ligação com o não
manifesto
Qual é a relação entre a presença
e o corpo interior?
A presença é a consciência pura,
a consciência que foi recuperada da mente, do mundo da forma. O corpo interior
é a nossa ligação com o Não Manifesto e, em seu aspecto mais profundo, é o Não
Manifesto, ou seja, a Fonte da qual a consciência emana, tal como a luz emana
do sol. Perceber o corpo interior significa que a consciência está lembrando as
suas origens e retornando à Fonte.
O Não Manifesto é o mesmo que o
Ser?
É. A expressão Não Manifesto
tenta, através de uma negativa, expressar Aquilo que não pode ser falado,
pensado ou imaginado. Ela aponta para o que é quando diz o que não é. Por outro
lado, Ser é uma palavra positiva. Mas não se prenda a nenhuma dessas palavras
nem comece a acreditar nelas. Não passam de letreiros indicadores.
Você disse que a presença é a
consciência que foi retomada da mente. Quem faz essa retomada?
Você. Mas, como em essência, você
é consciência, podemos muito bem dizer que é a consciência despertando da
ilusão da forma. Isso não quer dizer que a sua própria forma vai imediatamente
desaparecer numa explosão de luz. Você mantém a sua forma atual, mas percebe
que existe algo sem forma e sem fim lá dentro de você.
Tenho de admitir que isso está
além da minha compreensão, mas, mesmo assim, em um nível mais profundo, parece
que entendo o que você está falando. É mais como uma sensação do que qualquer
outra coisa. Será que estou me enganando?
Não é um engano. Sentir vai
aproximar você da verdade muito mais do que pensar. Não sou capaz de contar
nada que, no fundo, você já não saiba. Quando atingimos um determinado estágio
de conexão interior, reconhecemos a verdade assim que a ouvimos. Caso você não
tenha ainda atingido esse estágio, a prática de perceber o corpo vai fazer
surgir o aprofundamento necessário.
Retardando o processo de
envelhecimento
Nesse meio tempo, a percepção do
corpo interior traz outros benefícios no campo físico.
Um deles é uma significativa
redução do processo de envelhecimento do corpo físico. Enquanto o corpo
exterior, em geral, aparenta estar envelhecendo e murchando bem rapidamente, o
corpo interior não muda com o tempo, exceto que podemos senti-lo mais
profundamente e torná-lo mais completo. Se você tem vinte anos agora, o campo
de energia do seu corpo interior vai se sentir igual ao de quando você tiver
oitenta. Estará vibrantemente vivo. Assim que o nosso estado habitual passa do
estar fora do corpo e preso pela mente para estar no corpo e presente no Agora,
o nosso corpo físico fica mais leve, mais claro, mais vivo. Como existe mais
consciência no corpo, a ilusão da materialidade diminui.
Quando nos identificamos mais com
o corpo interior do que com o corpo exterior, quando o estado de presença se
torna o nosso modo normal de consciência, deixamos de acumular tempo na nossa
psique e nas células do corpo. O acúmulo do tempo, tal como um fardo
psicológico do passado e do futuro, prejudica a capacidade de auto-renovação
das células. Portanto, se você ocupa o seu corpo interior, o exterior vai
envelhecer em um ritmo mais lento. E, mesmo quando envelhecer, a sua essência
eterna vai brilhar através da sua forma exterior, e você não dará a impressão
de ser uma pessoa idosa.
Existe alguma prova científica
disso?
Experimente e você vai ser a
prova.
Fortalecendo o sistema
imunológico
Um outro benefício dessa prática,
no campo físico, é um grande fortalecimento do sistema imunológico. Quanto mais
consciência tivermos do corpo, mais forte se torna o sistema imunológico. É
como se cada célula despertasse e festejasse. O corpo adora a atenção que lhe
damos. É também uma poderosa forma de se auto-ajudar. A maioria das doenças
acontece quando não estamos presentes em nossos corpos. Se o dono não está em
casa, todos os tipos suspeitos vão aparecer por lá. Quando você está presente,
fica mais difícil que entrem tipos indesejáveis.
Não é só o nosso sistema
imunológico físico que se fortalece. O sistema imunológico psíquico também se
eleva bastante. Esse último nos protege dos campos de forças mentais – 76 – e
emocionais negativas emanadas de outras pessoas, que são largamente contagiosas.
Ocupar o corpo nos protege não porque nos coloca um escudo, mas sim porque
eleva a freqüência vibracional do nosso campo total de energia, de forma que
qualquer coisa que vibre em baixa freqüência, como o medo, a raiva, a
depressão, passa a existir naquilo que é, virtualmente, uma ordem diferente de
realidade. Já não penetra no nosso campo de consciência, ou, caso penetre, já
não precisamos mais oferecer resistência, porque ele passa através de nós. Por
favor, não aceite ou rejeite simples- mente o que estou explicando. Faça um
teste.
Existe uma técnica de meditação
simples e poderosa que pode ser usada sempre que você sentir necessidade de
reforçar seu sistema imunológico. Funciona, em especial, quando usada assim que
você sente os primeiros sintomas de uma doença, mas também pode surtir efeito
com doenças que já se instalaram, se você usá-la a intervalos freqüentes e com
uma concentração intensa. Ela também vai neutralizar qualquer ruptura do seu
campo de energia causada por alguma forma de negatividade. Entretanto, não se
trata de um substituto da prática de estar no corpo, do contrário seu efeito
será apenas passageiro.
Quando você não tiver o que fazer
por alguns minutos, “inunde” o seu corpo com a consciência. É um excelente
exercício para fazer à noite antes de dormir e assim que acordar de manhã,
antes mesmo de se levantar. Feche os olhos. Deite-se de costas. Escolha partes
diferentes do corpo para dirigir a sua atenção por alguns momentos, como mãos,
pés, braços, pernas, abdômen, peito, cabeça, etc. Sinta o campo de energia dessas
partes tão intensamente quanto puder. Detenha-se mais ou menos por quinze
segundos em cada lugar. Deixe sua atenção percorrer o corpo, como, uma onda,
dos pés à cabeça e da cabeça aos pés. Leva apenas cerca de um minuto. Depois
disso, sinta seu corpo em sua totalidade, como um campo de energia único.
Mantenha esse sentimento por alguns segundos. Esteja intensamente presente em
cada célula do seu corpo durante esse tempo. Não se preocupe se a mente,
ocasionalmente, conseguir desviar a sua atenção para fora do corpo e se você se
perder em algum pensamento. Assim que você perceber que isso aconteceu, retome
a sua atenção para o seu corpo interior.
Deixe que a respiração conduza
você para dentro do corpo
Às vezes, quando minha mente está
muito ativa, chega a ser impossível desviar a atenção dela e sentir o corpo
interior. Isso acontece, especialmente, em momentos de muita ansiedade ou
preocupação. O que fazer sobre isso?
Se você encontrar dificuldades de
entrar em contato com o seu corpo interior, é mais fácil, em primeiro lugar,
concentrar a atenção no movimento da respiração. Tomar consciência da
respiração, que já é uma meditação poderosa, irá, aos poucos, colocar você em
contato com o corpo. Observe atentamente a respiração, como ela entra e sai do
nosso corpo. Respire e sinta o abdômen inflar e contrair-se levemente, a cada
inspiração e expiração. Se você tiver facilidade para visualizar, feche os
olhos e veja-se no meio da luz, dentro de um mar de consciência. Então, respire
dentro dessa luz. Sinta essa substância luminosa preenchendo todo o seu corpo e
tornando-o luminoso. Então, aos poucos, concentre-se nessa sensação. Você agora
está dentro do seu corpo. Não se fixe em nenhuma imagem visual.
O uso criativo da mente
Caso você precise usar a mente
para um propósito específico, use-a em parceria com o seu corpo interior. Só se
conseguirmos estar conscientes sem que haja pensamentos é que seremos capazes
de usar a mente de forma criativa, e o caminho mais fácil para entrar nesse
estado é através do corpo. Sempre que for necessária uma resposta, uma solução
ou uma idéia criativa, pare de pensar por um momento e focalize a atenção em
seu campo de energia interior. Tome consciência da serenidade. Quando você
voltar ao pensamento, ele será novo e criativo. Em qualquer atividade mental,
habitue-se a ir e vir, de tantos em tantos minutos, entre o pensamento e uma
espécie de escuta interior, uma serenidade interior. Poderíamos dizer: não
pense apenas com a cabeça, pense com todo o seu corpo.
=Pausa=
A arte de escutar
Quando você parar para ouvir uma
outra pessoa, não escute só com a mente, escute com todo o seu corpo. Sinta o
campo de energia do seu corpo interior enquanto escuta. Isso desvia a atenção
do pensamento e cria um espaço de serenidade que possibilita você ouvir
realmente. sem que a mente interfira. Você está dando à outra pessoa um espaço
para ela ser. É o presente mais precioso que você pode dar a alguém. A maioria
das pessoas não sabe como ouvir, porque uma grande parte da atenção delas está
dominada pelo pensamento. Prestam muito mais atenção a isso do que às palavras
da outra pessoa e nenhuma atenção ao que realmente importa, ou seja, o Ser da
outra pessoa que está debaixo das palavras e da mente. É claro que você não
consegue sentir o Ser de uma outra pessoa, exceto através de você mesmo. Esse é
o início da realização de uma união, que é o amor. No nível mais profundo do
Ser, você está em unidade com tudo o que existe.
A maioria das relações humanas
consiste principalmente na interação das mentes umas com as outras, e não de
seres humanos se comunicando, ficando em comunhão. Nenhuma relação pode
florescer por esse caminho, e essa é a razão de tantos conflitos nas relações.
Quando a mente dirige a nossa vida, o conflito, as lutas e os problemas são inevitáveis.
Estar em contato com o seu corpo interior cria um espaço de mente vazia, dentro
do qual a relação pode florescer.
Capítulo
sete
PORTAIS
PARA O NÃO MANIFESTO
Um mergulho profundo no
corpo
Posso sentir a energia dentro do
meu corpo, mas não me sinto capaz de ir mais fundo, como você sugeriu antes.
Faça uma meditação. Não vai levar
muito tempo, só dez a quinze minutos. Providencie para que não haja distrações
externas, como telefonemas ou pessoas que possam interromper. Sente-se em uma
cadeira, mas não encoste. Mantenha a coluna ereta. Isso ajuda a ficar alerta.
Você também pode escolher uma posição favorita para meditar.
Certifique-se de que o seu corpo
está relaxado. Feche os olhos. Respire profundamente algumas vezes. Sinta a
respiração na parte inferior do abdômen. Observe como ele se expande e se
contrai levemente, a cada entrada e saída do ar. Depois, tome consciência de
todo o campo de energia interior do seu corpo. Não pense a respeito, apenas
sinta-o. Ao fazer isso, você retira a consciência do campo da mente. Se ajudar,
visua1ize a “luz” que descrevi anteriormente.
Quando você não encontrar mais
obstáculos em sentir o corpo interior como um campo único de energia, descarte,
se possível, qualquer imagem visual e se concentre apenas na sensação. Se
possível, descarte também qualquer imagem mental que você ainda tenha do corpo
físico. O que sobrou é uma abrangente sensação de presença ou “existência” e
uma percepção de um corpo interior sem fronteiras. A seguir, concentre sua
atenção mais fundo nessa sensação. Forme uma unidade com ela. Junte-se de tal
modo ao campo de energia que você não mais perceba a dualidade entre o
observador e o observado, entre você e seu corpo. A separação entre o interior
e o exterior também se dissolve nesse momento, e, assim, não existe mais um
corpo interior. Ao entrar profundamente no corpo, você transcendeu o corpo.
Permaneça nessa região do puro
Ser pelo tempo que você se sentir bem. Depois, retome a consciência do corpo
físico, da sua respiração, dos sentidos, e abra os olhos. Observe o que está à
sua volta por alguns minutos, em um estado meditativo, isto é, sem dar nome a
nada, e continue a sentir o corpo interior enquanto faz isso.
=Pausa=
Ter acesso a essa região sem
forma traz uma liberdade verdadeira. Ela nos liberta da escravidão da forma e
da identificação com a forma. É a vida em seu estado indiferenciado, anterior à
sua fragmentação em várias modalidades. Podemos chamá-la de Não Manifesto, a Fonte
invisível de todas as coisas, o Ser que está presente em todos os seres. É uma
região de profunda serenidade e paz, mas também de alegria e vida intensas.
Sempre que estamos presentes, nós nos tornamos, de um certo modo,
“transparentes” à luz, passamos a ser a consciência pura que emana dessa Fonte.
Percebemos também que a luz não está separada de quem somos, mas constitui a
nossa verdadeira essência.
A fonte do chi
O Não Manifesto é o que no
Oriente se chama chi, um tipo de energia da vida universal?
Não. O Não Manifesto é a fonte do
chi. Chi é o campo de energia interna do nosso corpo. É a ponte entre o nosso
exterior e a Fonte. Situa-se no meio do caminho entre o que está manifesto, que
é o mundo da forma, e o Não Manifesto. O chi pode ser comparado a um rio ou a
um fluxo de energia. Se concentramos o foco da consciência bem fundo no corpo
interior, estamos traçando o curso desse rio de volta à sua Fonte. O chi é
movimento, enquanto o Não Manifesto é serenidade. Quando alcançamos um ponto de
absoluta serenidade, mas que, apesar de tudo, vibra com a vida, significa que
fomos além do corpo interior e além do chi, em direção à própria Fonte, que é o
Não Manifesto. O chi é a ligação entre o Não Manifesto e o mundo físico.
Portanto, se você concentrar a atenção
profundamente no corpo interior, poderá alcançar esse ponto, essa
singularidade, onde o mundo se dissolve no Não Manifesto e em que o Não
Manifesto assume a forma do fluxo de energia do chi, que então se transforma no
mundo. Esse é o ponto do nascimento e da morte. Só quando a nossa consciência
se volta para o exterior é que a mente e o mundo passam a existir. Quando se
dirige para o interior, ela percebe a sua própria Fonte e regressa ao Não
Manifesto. Assim, quando a nossa consciência retoma ao mundo manifesto, é que
recuperamos a identidade da forma, que tinha sido abandonada temporariamente.
Passamos a ter um nome, um passado, uma situação de vida, um futuro. Mas, em um
aspecto particular, já não somos mais os mesmos de antes, porque vislumbramos
uma realidade em nosso interior que não é “desse mundo”, embora não seja
separada dele, do mesmo modo que ela não é separada de você.
Adote, daqui para a frente, a
seguinte prática espiritual: ao caminhar pela vida, não dê 100 por cento de
atenção ao mundo exterior e à sua mente. Deixe alguma coisa no interior. Já
falei sobre isso antes. Sinta o corpo interior, mesmo quando estiver fazendo
alguma atividade de rotina, principalmente nos relacionamentos ou quando em
contato com a natureza. Sinta a serenidade bem lá no fundo. Mantenha a porta
aberta. É possí- vel ficar consciente do Não Manifesto em todas as ocasiões.
Você sentirá uma profunda sensação de paz em algum lugar lá no fundo, uma
serenidade que nunca abandonará você, não importa o que aconteça lá fora. Você
passa a ser a ponte entre o Não Manifesto e o manifesto, entre Deus e o mundo.
Esse é o estado de conexão com a Fonte. É o que chamamos iluminação.
Não fique com a impressão de que
o Não Manifesto é separado do manifesto. Como poderia? Ele é a vida no interior
de todas as formas, a essência interior de tudo o que existe. Ele impregna o
mundo. Vou explicar.
Um sono sem sonhos
Todas as noites, quando entramos
na fase sem sonhos do sono profundo, fazemos uma viagem à região do Não
Manifesto. É nesse momento que cada um de nós forma uma só unidade com a Fonte.
É da Fonte que retiramos a energia vital que nos sustenta quando retomamos ao
manifesto, o mundo das formas separadas. Essa energia é muito mais importante
do que o alimento: “Nem só de pão vive o homem”. Mas não se chega ao sono sem
sonhos de um modo consciente. Embora o corpo ainda esteja funcionando, “nós” já
não existimos mais nesse estado. Você consegue imaginar o que seria penetrar no
sono sem sonhos completamente consciente? É impossível imaginar, porque nesse
estado não há conteúdo.
O Não Manifesto não nos liberta,
a menos que sejamos capazes de chegar a ele de modo consciente. Essa é a razão
pela qual Jesus não disse que a verdade nos libertará e sim que “conheceremos a
verdade, e a verdade nos libertará”. Não se trata de um simples conceito de
verdade. É a verdade da vida eterna além da forma, que só se conhece de um modo
direto. Mas não tente ficar consciente no sono sem sonhos. É altamente
improvável que você consiga. Na melhor das hipóteses, você pode permanecer
consciente durante a fase do sonho, mas não além dela. É o chamado sonho
lúcido, que pode ser interessante e fascinante, mas que não é libertador.
Portanto, use seu corpo interior
como um portal de entrada para o Não Manifesto e mantenha-o aberto, de modo que
você esteja em conexão com a Fonte em todas as situações. Não faz diferença,
até onde interessa ao corpo interior, se o seu corpo exterior é velho ou novo,
frágil ou rijo. O corpo interior não tem um tempo. Se você ainda não é capaz de
sentir o corpo interior, use um dos outros portais, embora, em última análise,
todos sejam a mesma coisa. Já falei bastante de alguns, mas vou mencioná-los de
novo, bem rapidamente.
Outros portais
O Agora pode ser considerado como
o portal principal. É um aspecto essencial de cada um dos outros portais,
inclusive do corpo interior. Não podemos estar em nosso corpo sem que estejamos
intensamente presentes no Agora.
O tempo e o manifesto estão
indissoluvelmente ligados, do mesmo modo como o eterno Agora e o Não Manifesto.
Quando dissolvemos o tempo psicológico através de uma percepção intensa do
momento presente, nos tornamos, direta ou indiretamente, conscientes do Não
Manifesto. Diretamente, sentimos o Não Manifesto como o esplendor e o poder da
nossa presença consciente, ou seja, sem conteúdo, apenas a presença.
Indiretamente, temos consciência do Não Manifesto dentro e através do campo dos
sentidos. Em outras palavras, sentimos a essência de Deus em cada criatura,
cada flor, cada pedra e concluímos que “Tudo o que é, é sagrado”. Essa é a
razão pela qual Jesus, falando sobre a sua essência ou a identidade de Cristo,
diz nas palavras de Tomé: “Rachem um pedaço de madeira; lá estou eu. Levantem
uma pedra e me encontrarão ali”.
Um outro portal para o Não
Manifesto é a paralisação do pensamento. Isso pode começar de um modo muito
simples, ao prestar atenção à própria respiração ou olhar concentradamente para
uma flor, em um estado de alerta total, de tal modo que não haja espaço para
nenhum comentário mental ao mesmo tempo. Existem muitas maneiras para criar um
espaço no fluxo contínuo de pensamentos. É disso que trata a meditação. O
pensamento pertence ao campo do manifesto. A atividade mental contínua nos
mantém aprisionados no mundo da forma e funciona como uma tela opaca que impede
de nos tornarmos conscientes do Não Manifesto, conscientes da inexistência da
forma e da eterna essência de Deus, tanto em nós mesmos como em todas as coisas
e criaturas. Quando estamos intensamente presentes, é claro que não precisamos
nos preocupar com a paralisação do pensamento, porque a mente para
automaticamente. Essa é a razão pela qual eu disse que o Agora é um aspecto
essencial de todos os outros portais.
A entrega, ou seja, o abandono de
qualquer resistência mental e emocional ao que é, também é um portal para o Não
Manifesto. A razão disso é simples, já que a resistência interior nos isola das
outras pessoas, de nós mesmos e do mundo à nossa volta, fortalecendo a sensação
de separação da qual o ego depende para sobreviver. Quanto maior a sensação de
separação, maior a nossa dependência ao manifesto, ao mundo das formas
separadas. E, quanto maior a ligação com o mundo das formas, mais dura e
impenetrável será a nossa identidade com a forma. O portal é fechado e somos
afastados da dimensão interior, a dimensão do profundo. No estado de entrega, a
nossa identificação com a forma se dissolve e se reveste de uma espécie de
“transparência” e, assim, o Não Manifesto consegue brilhar através de nós.
Depende de nós abrirmos um portal
em nossas vidas que nos conduza a um acesso consciente ao Não Manifesto. Entre
em contato com o campo de energia do seu corpo interior, esteja intensamente
presente, deixe de se identificar com a sua mente, entregue-se àquilo que é.
Podemos usar todos esses portais, mas só precisamos de um deles.
O amor, com certeza, também é um
desses portais?
Não. Assim que um desses portais
é aberto, o amor se apresenta para nós como uma “realização da sensação” de
unidade. O Amor não é um portal. Ele é o que vem através do portal até este
mundo. Enquanto estivermos completamente envolvidos pela nossa identidade com a
forma, o amor não pode existir. Nossa tarefa não é buscar o amor, mas sim
encontrar um portal através do qual ele possa entrar.
O silêncio
Existem outros portais além dos
que você indicou? Existem. O Não
Manifesto não é separado do manifesto. Ele está presente em todo o nosso mundo,
mas se disfarça tão bem que quase ninguém o percebe. Se você souber onde
procurar, vai encontrá-lo em todos os lugares. A cada momento um portal se
abre.
Você está escutando um cachorro
latindo lá longe? Ou um carro passando? Escute atentamente. Consegue sentir a
presença do Não Manifesto nessas ocasiões? Não consegue? Procure no silêncio,
no lugar onde os sons nascem e para onde retomam. Preste mais atenção ao silêncio
do que aos sons. Prestar atenção ao silêncio exterior cria um silêncio
interior, e a mente fica serena. Um portal está se abrindo.
Cada som nasce no silêncio e
morre no silêncio. Sua curta duração é cercada pelo silêncio. O silêncio torna
possível que o som aconteça. É uma parte intrínseca, mas não manifesta de cada
som, cada nota musical, cada melodia, cada palavra. O Não Manifesto está
presente neste mundo como silêncio. Essa é a razão pela qual dizem que nada
neste mundo é tão parecido com Deus quanto o silêncio. Só o que temos de fazer
é prestar atenção a ele. Mesmo durante uma conversa, fique consciente dos
espaços entre as palavras, dos curtos espaços de silêncio entre as frases. Ao
fazer isso, uma dimensão de serenidade cresce dentro de você. Não conseguimos
prestar atenção ao silêncio sem que, ao mesmo tempo, estejamos serenos em nosso
interior. O silêncio está do lado de fora e a serenidade dentro de nós. Você
penetrou no Não Manifesto.
O espaço
Do mesmo modo que o som não pode
existir sem o silêncio, nenhuma coisa pode existir sem o nada, sem o espaço
vazio. Cada objeto material ou cada corpo veio do nada, é cercado pelo nada e
vai voltar para o nada. Até mesmo no interior de cada corpo físico existe muito
mais “nada” do que “algo”. Os físicos nos dizem que a solidez da matéria é uma
ilusão. Até matéria aparentemente sólida, como o nosso corpo, é quase 100 por
cento espaço vazio, tão grandes são as distâncias entre os átomos em comparação
com o tamanho deles. Além disso, mesmo no interior de cada átomo, a maior parte
é de espaço vazio. O que resta é mais como uma frequência vibracional do que
partículas de matéria sólida, mais como uma nota musical. Os budistas sabem
disso há mais de 2.500 anos. “Forma é o vazio, o vazio é forma”, afirma o Sutra
do Coração, também conhecido como o Sutra da Sabedoria, um dos mais antigos e
conhecidos textos budistas. A essência de todas as coisas é o vazio.
O Não Manifesto não se apresenta
nesse mundo só como silêncio.. Ele também é o espaço que perpassa todo o
universo físico, por dentro e por fora. É tão fácil de não percebermos quanto o
silêncio.. Todos nós prestamos atenção às coisas no espaço, mas quem presta
atenção ao próprio espaço?
Você está sugerindo que o “vazio”
ou “nada” não é apenas nada e que existe alguma qualidade misteriosa neles? O
que é o nada?
Você não pode fazer uma pergunta
como essa. A sua mente está tentando transformar nada em algo. No momento em
que você faz isso, já o perdeu. O nada – o espaço – é a aparência do Não
Manifesto como um fenômeno externalizado, em um mundo percebido pelos sentidos.
É o máximo que alguém pode dizer a esse respeito, e até mesmo isso é uma
espécie de paradoxo. O nada não pode se tornar um objeto de conhecimento. Não
se pode fazer um doutorado sobre o “nada”. Quando os cientistas estudam o
espaço, geralmente o transformam em alguma coisa e assim deixam de captar a
verdadeira essência dele. Por isso, não me surpreende que a última teoria sobre
o espaço seja de que ele não é completamente vazio, que é preenchido por alguma
substância. Quando existe uma teoria, não é difícil encontrar uma tese para
comprová-la, ao menos até que outra teoria apareça.
O “nada” só pode vir a ser um
portal para o Não Manifesto se você não tentar se apoderar dele ou
compreendê-lo.
Não é isso o que estamos fazendo
aqui?
Não necessariamente. Estou aqui
lhe dando umas pistas para mostrar como trazer a dimensão do Não Manifesto para
a sua vida. Ninguém está tentando compreendê-lo. Não há nada para compreender.
O espaço não tem “existência”. A
palavra “existir” significa “destacar-se”. Não conseguimos compreender o espaço
porque ele não se destaca. Embora não tenha uma existência em si mesmo, ele
possibilita que todas as outras coisas existam. O silêncio também não tem uma
existência, nem tampouco o Não Manifesto.
O que acontece então quando
desviamos a nossa atenção dos objetos no espaço e passamos a perceber o espaço
em si? Qual é a essência desta sala? Os móveis, os quadros, etc. estão dentro
da sala, mas eles não são a sala. O chão, as paredes, o teto definem os limites
da sala, mas também não são a sala. Qual é, então, a essência da sala? O
espaço, é claro, o espaço vazio. Não haveria nenhuma “sala” sem ele. Como o
espaço é “nada”, podemos dizer que aquilo que não está lá é mais importante do
que aquilo que está. Portanto, tome consciência do espaço à sua volta. Não
pense a respeito. Sinta-o do jeito que é. Preste atenção ao “nada”.
Ao agir assim, acontece uma
mudança de consciência dentro de você. E o motivo é que o equivalente interno
dos objetos situados no espaço, tais como móveis, paredes, etc., são os objetos
da nossa mente: pensamentos, emoções e os objetos dos sentidos. E o equivalente
interno do espaço é a consciência, que torna possível a existência dos objetos
da nossa mente, assim como o espaço torna possível que todas as coisas existam.
Portanto, se desviar a atenção das coisas – os objetos no espaço –, você
automaticamente desvia a atenção dos objetos da sua mente também. Em outras
palavras, você não pode pensar e estar consciente do espaço, ou do silêncio. Ao
tomar consciência do espaço vazio à sua volta, você se torna consciente do
espaço de mente vazia, da consciência pura, que é o Não Manifesto. É assim que
a contemplação do espaço pode se tornar um portal para você.
O espaço e o silêncio são dois
aspectos de uma mesma coisa, do mesmo nada. São formas exteriorizadas do espaço
e do silêncio interior, que significam a serenidade, o útero infinitamente
criativo de toda a existência. Muitos seres humanos não têm a menor – 84 –
consciência dessa dimensão. Não existe espaço interior, não existe serenidade,
não existe equilíbrio. Em outras palavras, eles conhecem o mundo, ou pensam que
conhecem, mas não conhecem Deus. Identificam-se exclusivamente com as formas
físicas e psicológicas que construíram, mas não têm consciência da essência. E,
como cada forma é altamente instável, vivem com medo. O medo causa uma profunda
e distorcida percepção de nós mesmos e de outros seres humanos, uma distorção
na nossa visão do mundo.
Se uma revolução cósmica
provocasse o fim do universo, o Não Manifesto não seria afetado. O livro A
Course in Miracles (Um curso em milagres) expressa essa verdade de modo
comovente: “Nada real pode ser ameaçado. Nada irreal existe. Aqui reside a paz
de Deus”.
Se você mantém uma conexão
consciente com o Não Manifesto, você valoriza, ama e respeita profundamente o
manifesto e cada forma de vida contida nele, como uma expressão da Vida Única
além da forma. Você também sabe que cada forma vai se dissolver e que, no fim,
nada lá fora tem tanta importância. Você “conquistou o mundo”, nas palavras de
Jesus, ou, como Buda colocou, “você passou para a outra margem”.
A verdadeira natureza do
espaço e do tempo
Pense agora no seguinte: se não existisse
nada, só o silêncio, ele não teria nenhum significado, porque você nem ia saber
o que era aquilo. Só quando o som apareceu é que o silêncio passou a ter um
sentido. Da mesma forma, se só existisse o espaço, sem nenhum objeto, ele
também nada significaria para você. Imagine-se como um ponto de consciência
flutuando na imensidão do espaço, sem nenhuma estrela, nenhuma galáxia, somente
o vazio. O espaço não teria imensidão, ele nem estaria ali. Não haveria
velocidade, nem movimento de um ponto para outro. São necessários ao menos dois
pontos de referência para que a distância e a velocidade possam ter um
significado. O espaço só passa a ter um significado no momento em que a Unidade
se transforma em dois, e em que, como “dois”, se transforma em “dez mil
coisas”, que é como Lao-Tsé chama o mundo manifesto. É assim que o espaço se
amplia cada vez mais. Portanto, o mundo e o espaço surgem no mesmo momento.
Nada poderia ser sem que houvesse
o espaço, ainda que o espaço não seja nada. Mesmo antes que o mundo existisse,
antes do “Big Bang” se você preferir, não existia nenhum espaço vazio esperando
para ser preenchido. Não existia nenhum espaço, assim como não existia coisa
alguma. Só existia o Não Manifesto, a Unidade. Quando a Unidade se transformou
em “dez mil coisas”, o espaço, de repente, mostrou que estava ali, permitindo
que as mil coisas existissem. De onde ele terá surgido? Será que Deus o criou
para acomodar o mundo? Claro que não. O espaço é coisa nenhuma. Portanto, ele
nunca foi criado.
Saia de casa em uma noite clara e
olhe para o céu. Os milhares de estrelas que podemos ver a olho nu não passam
de uma fração infinitesimal do que existe lá por cima. Os telescópios mais
potentes já conseguem identificar um bilhão de galáxias, cada uma formando um
“mundo isolado”, contendo, cada um, bilhões e bilhões de estrelas. Ainda assim,
o que inspira mais respeito é o próprio espaço sem fim, a profundidade e a
quietude que possibilitam que toda essa grandeza exista. Nada poderia inspirar
mais respeito e grandiosidade do que a inconcebível imensidão e quietude do
espaço, e, ainda assim, o que ele é? Um vazio, um imenso vazio. Aquilo que se
apresenta para nós como espaço, no nosso mundo percebido através da mente e dos
sentidos, é a forma exteriorizada do próprio Não Manifesto. É o “corpo” de
Deus. E o grande milagre é que essa quietude e imensidão, que permitem o
universo ser, não estão apenas lá no espaço, estão também dentro de nós. Quando
estamos inteira e totalmente presentes, nós o encontramos como o espaço
interior e sereno da mente vazia. Dentro de nós, ele é imenso em profundidade,
não em extensão. A extensão espacial é, em última análise, uma percepção
distorcida da profundidade infinita, uma característica da realidade transcendental
única.
De acordo com Einstein, o espaço
e o tempo não são coisas separadas. Não entendo muito bem, mas acho que ele
está dizendo que o tempo é a quarta dimensão do espaço. Ele chama isso de “o
continuum do tempo e espaço”.
Sim. O espaço e o tempo que
percebemos são, em essência, uma ilusão, mas contêm um cerne de verdade.
Correspondem às duas características essenciais de Deus, que são a infinitude e
a eternidade, vistas como se tivessem uma existência externa, fora de nós.
Dentro de nós, o espaço e o tempo possuem um equivalente que nos revela não só
a verdadeira natureza de cada um deles, como também a de cada um de nós.
Enquanto o espaço corresponde à quietude, a infinitamente profunda região da
mente vazia, o tempo tem o seu equivalente interno na presença, na percepção do
eterno Agora. Lembre-se de que não há diferença entre os dois. Quando o espaço
e o tempo são percebidos, em nosso interior, como o Não Manifesto – mente vazia
e presença –, o espaço exterior e o tempo continuam a existir para nós, mas
perdem a importância. O mundo também continua a existir para nós, mas não nos
impõe mais restrições.
Portanto, o objetivo final do
mundo não está dentro do mundo, mas na transcendência do mundo. Assim como nós
não teríamos consciência do espaço se não houvesse objetos no espaço, o mundo é
necessário para que o Não Manifesto seja percebido. Talvez você tenha ouvido o
ensinamento budista “se não houvesse ilusão, não haveria a iluminação”. É
através do mundo e, em última instância, através de você que o Não Manifesto é
reconhecido. Estamos aqui para tornar possível que o propósito divino do
universo se revele. Veja só como você é importante!
A morte consciente
Além do sono sem sonhos, de que
já tratei, existe mais um portal involuntário. Ele se abre, por breves
momentos, na hora da nossa morte física. Mesmo que tenhamos perdido todas as
outras oportunidades de alcançar a realização espiritual durante a vida, um
último portal vai se abrir para nós, imediatamente após o nosso corpo ter
morrido.
Existem inúmeros relatos de
pessoas que descreveram esse portal como uma luz radiante, depois de
regressarem do que é comumente conhecido como experiência de quase-morte.
Muitas pessoas falam também de uma sensação de serenidade abençoada e de uma paz profunda. Em O Livro Tibetano dos
Mortos1 , ela é descrita como “o esplendor luminoso da luz branca do Vazio”,
que seria o “nosso verdadeiro eu”. Esse portal abre-se apenas por breves
segundos, e, a menos que você tenha encontrado a dimensão do Não Manifesto durante
a vida, provavelmente o deixará escapar. Muitas pessoas carregam uma grande
resistência residual, muito medo, um forte apego à experiência sensorial, uma
enorme identificação com o mundo manifesto. Então, quando vêem o portal,
afastam-se com medo e depois perdem a consciência. Muito do que acontece depois
disso é involuntário e automático. Posteriormente, poderá haver um outro ciclo
de nascimento e morte. A presença delas não foi ainda forte o bastante para uma
imortalidade consciente.
Então atravessar esse portal não
significa destruição?
Como em todos os outros portais,
a nossa natureza radiante e verdadeira permanece, mas não a personalidade. Em
qualquer caso, aquilo que for verdadeiro ou de real valor em nossa
personalidade é que vai se revelar através dela, como a nossa verdadeira
natureza. Isso nunca se perde. Nada que seja de valor, nada que seja real,
jamais será perdido.
A aproximação da morte e a morte
em si, a dissolução da forma física, é sempre uma grande oportunidade para uma
realização espiritual. Essa oportunidade é tragicamente perdida na maioria das
vezes, visto que vivemos em uma cultura que é quase totalmente ignorante com
relação à morte, assim como ignora, quase totalmente, qualquer coisa que
realmente importe.
Todo portal é um portal da morte,
da morte do falso eu. Quando o atravessamos, deixamos de extrair a nossa
identidade da nossa forma psicológica, construída pela mente. Percebemos então
que a morte é uma ilusão, do mesmo modo que a nossa identificação com a forma
era uma ilusão. O fim da ilusão – é isso o que a morte significa. Ela só é
dolorosa enquanto permanecemos presos à ilusão.
1 W. Y. Evans-Wentz. O Livro
Tibetano dos Mortos. Pensamento, 2000.
Capítulo
oito
RELACIONAMENTOS
ILUMINADOS
Entre no agora onde quer que você
esteja
Sempre pensei que a verdadeira
iluminação fosse algo impossível a não ser através do amor entre um homem e uma
mulher. Não é isso o que nos faz sentir completos? Como alguém pode ter uma
vida plena sem que isso aconteça?
A sua experiência pessoal já lhe
mostrou que isso é verdade? Já aconteceu com você?
Ainda não, mas como poderia ser
de outro modo? Sei que isso vai acontecer.
Em outras palavras, você está
esperando por um acontecimento no tempo que venha lhe salvar. Não é esse o erro
principal que temos comentado? A salvação não está em lugar nenhum do tempo e
do espaço. Está aqui e agora.
O que quer dizer a frase “a
salvação está aqui e agora”? Não entendo isso. Nem mesmo sei o que significa
salvação.
Muitas pessoas buscam prazeres
físicos, ou formas variadas de gratificação psicológica, porque acreditam que
essas coisas trazem felicidade ou as libertam de uma sensação de medo ou de
falta de alguma coisa. A felicidade é vista como uma sensação intensa de vivacidade
obtida através do prazer físico, ou como uma sensação de um eu interior mais
firme ou mais completo, obtida através de alguma forma de gratificação
psicológica. Essa é uma busca de salvação que tem origem num estado de
insatisfação ou de insuficiência de alguma coisa. Invariavelmente, a satisfação
conseguida dessa maneira tem curta duração e, assim, a condição de satisfação
ou plenitude é geralmente projetada, mais uma vez, sobre um ponto imaginário,
distante do aqui e agora. “Quando eu conseguir isto ou me livrar daquilo, vou
estar bem”. Essa é uma disposição mental inconsciente, que cria a ilusão de
salvação no futuro.
A verdadeira salvação é
satisfação, paz, vida em toda a sua plenitude. É ser quem somos, sentir dentro
de nós o bem que não tem opositores, a alegria do Ser que não depende de nada
que esteja fora de nós. Não é sentida como uma experiência passageira, mas como
uma presença permanente. Na linguagem dos que crêem em Deus é “conhecer Deus”,
não como algo externo a nós, mas sim como a nossa essência mais profunda. A
verdadeira salvação consiste em conhecermos a nós mesmos como parte inseparável
da Vida Única, livre do tempo e da forma, de onde se origina tudo o que existe.
A verdadeira salvação é um estado
de liberdade – do medo, do sofrimento, de uma sensação de insuficiência e de
falta de alguma coisa e, portanto, de todos os desejos, necessidades, cobiça e
dependência. É libertar-se do pensamento compulsivo, da negatividade e, acima
de tudo, do passado e do futuro como uma necessidade psicológica. A nossa mente
está dizendo que, do jeito que as coisas estão agora, não vamos conseguir
chegar lá. Tem de acontecer alguma coisa, ou temos de nos tornar isso ou
aquilo. Ela está dizendo, na verdade, que precisamos do tempo, que precisamos
encontrar, negociar, fazer, conseguir, adquirir, compreender ou nos tornar
alguém, antes de nos sentirmos livres e satisfeitos. Vemos o tempo como um meio
de salvação, quando, na verdade, ele é o grande obstáculo para a salvação.
Imaginamos que não podemos chegar lá a partir do ponto em que estamos ou de
quem somos neste momento, porque não nos sentimos ainda completos ou bons o
bastante. Mas a verdade é que o aqui e agora é o único ponto de partida para
poder chegar lá. “Chegamos” lá ao perceber que já estamos lá. Encontramos Deus
no momento em que descobrimos que não precisamos procurar Deus. Portanto, não
existe apenas um caminho para a salvação. Várias circunstâncias podem ser
usadas, não é necessário uma em particular. Entretanto, só existe um ponto de
acesso: o Agora. Não existe salvação longe deste momento. Você está só, sem uma
companhia? Acesse o Agora a partir da sua solidão. Você tem um relacionamento?
Acesse o Agora a partir desse relacionamento.
Não existe nada que possamos
fazer, ou obter, que nos aproxime mais da salvação do que o momento presente.
Não podemos fazer isso no futuro. Ou fazemos agora ou simplesmente não fazemos.
Relação de amor e ódio
A menos que você acesse a frequência
consciente da presença, todos os seus relacionamentos, principalmente os mais
íntimos, vão apresentar defeitos profundos. Durante um tempo, eles podem dar a
impressão de serem perfeitos, como quando estamos apaixonados, mas,
invariavelmente, essa perfeição aparente acaba destruída por discussões,
conflitos, insatisfações e até mesmo por violência física e emocional, que
passa a acontecer com uma freqüência cada vez maior. Parece que a maioria dos
“relacionamentos amorosos” não leva muito tempo para se tornar uma relação de
amor e ódio.
O amor pode se transformar em
agressões furiosas, em sentimentos de hostilidade ou, num piscar de olhos, em
um completo recuo da afeição. Isso é visto como normal. Os relacionamentos,
então, oscilam por um tempo, por alguns meses ou anos, entre as polaridades de
“amor” e ódio, e nos trazem muito prazer e muita dor. Não é pouco comum que os
casais se tornem viciados nesses ciclos. Esse tipo de drama nos faz sentir
vivos. Quando o equilíbrio entre as polaridades negativa e positiva é desfeito
e os ciclos negativos e destrutivos acontecem com freqüência e intensidade
crescentes, não demora muito para o relacionamento acabar.
Pode parecer que tudo se
resolveria se conseguíssemos eliminar os ciclos negativos e destrutivos, permitindo
que o relacionamento florescesse sem problemas, mas isso não é possível. As
polaridades são mutuamente interdependentes. Não podemos ter uma sem a outra. A
positiva já contém dentro de si a negativa, ainda não manifestada. Ambas são,
na verdade, aspectos diferentes de um mesmo sistema defeituoso. Estou tratando
aqui dos chamados relacionamentos românticos, não do verdadeiro amor, que não
possui opositores porque nasce além da mente. O amor como um estado permanente
ainda é raro de encontrar, tão raro quanto a consciência nos seres humanos.
Entretanto, é possível haver lampejos breves e ilusórios de amor, sempre que
existir um espaço no fluxo da mente.
O lado negativo de um
relacionamento é mais facilmente reconhecido como um defeito ou anormalidade do
que o positivo. E é muito mais fácil reconhecer a fonte da negatividade no
parceiro do que vê-la em nós mesmos. Ela pode se manifestar de várias formas,
tais como possessividade, ciúme, controle, ressentimento, insensibilidade e
egocentrismo, cobranças emocionais e manipulação, raiva e violência física,
necessidade de ter sempre razão, de discutir, criticar, julgar, culpar,
agredir, irritar, ou se vingar, inconscientemente, de um sofrimento do passado
imposto por um dos pais.
Pelo lado positivo, há uma “paixão”
pela outra pessoa. No primeiro momento, esse é um estado altamente
gratificante. Sentimos que estamos intensamente vivos. Nossa existência passa a
ter um significado porque, de repente, alguém precisa de nós, nos deseja, e nos
faz sentir especial. Além disso, provocamos as mesmas sensações no outro, o que
faz com que os dois se sintam completos. O sentimento pode se tornar tão
intenso que o resto do mundo perde o significado.
Você deve ter percebido que
existe uma certa dependência nessa intensidade. Ficamos viciados na outra
pessoa, que age sobre nós como uma droga. Quando a droga está disponível, nos
sentimos muito bem. Mas a possibilidade, ainda que remota, de que ela não
esteja mais ali, disponível para nós, pode levar ao ciúme, à possessividade, a
tentativas de manipulação através de chantagem emocional, culpa ou acusações –
o que, no fundo, é o medo da perda. Se a outra pessoa nos abandonar mesmo, pode
fazer nascer a mais intensa hostilidade, ou um profundo desespero. Em segundos,
a ternura amorosa pode dar lugar à agressão selvagem ou a um desgosto terrível.
Onde é que está o amor agora? Será que o amor pode se transformar no seu oposto
em segundos? Será que era amor de verdade ou um vício, uma dependência?
O vício e a busca da
plenitude
Por que nos viciaríamos na outra
pessoa?
O desejo de ter um relacionamento
amoroso é universal porque as pessoas acreditam que a paixão, o “amor”, pode
libertá-las do medo, da necessidade e do vazio que fazem parte da condição
humana em seu estado de pecado e não iluminação. Existe uma dimensão física e
outra psicológica para esse estado.
No nível físico, é obvio que não
somos um todo, nem jamais seremos. Cada um de nós é homem ou mulher, o que vale
dizer, uma metade de um todo. Nesse nível, o desejo de ser completo, de
retornar à unidade, se manifesta através da atração entre homem e mulher. É um
impulso quase irresistível de união com a polaridade oposta de energia. A raiz
desse impulso físico é espiritual, porque nele está o desejo ardente do fim de
uma dualidade, de um retorno ao estado de completude. A união sexual é o mais
perto que podemos chegar desse estado no nível físico. Essa é a razão pela qual
ela é a experiência mais satisfatória que o reino físico pode nos oferecer. Mas
a união sexual não passa de um lampejo breve de plenitude, um instante
abençoado. Enquanto ela for inconscientemente vista como um meio de salvação,
você a verá como o fim da dualidade no nível da forma, um lugar onde ela não
pode ser encontrada. Você teve um lampejo do paraíso, mas não pode ficar ali e
se percebe, de novo, em um corpo separado.
No nível psicológico, a sensação
de falta, de não estar completo, é até maior do que no nível físico. Enquanto
houver uma identificação com a mente, o sentido do eu interior é dado pelas
coisas externas. Isso significa que você extrai o sentido de quem você é de
coisas que não têm nada a ver com quem você realmente é, como o seu papel na
sociedade, suas propriedades, sua aparência externa, seus sucessos e fracassos,
seus sistemas de crenças, etc. Esse eu interior falso, o ego construído pela
mente, sente-se vulnerável, inseguro e está sempre em busca de coisas novas com
as quais se identificar, para obter a sensação de que ele existe. Mas nada é
suficiente para lhe dar uma satisfação duradoura. O medo permanece. A sensação
de falta e de necessidade permanecem.
Então acontece aquele
relacionamento especial. Parece ser a resposta para todos os problemas do ego,
parece preencher todas as nossas necessidades. Todas aquelas outras coisas das quais
você tinha extraído o sentido do eu interior se tornam relativamente
insignificantes. Você agora tem um ponto focal que substitui todos os outros,
que dá sentido à sua vida e até define a sua identidade: a pessoa por quem você
se “apaixonou”. Você não é mais um fragmento isolado em um mundo insensível.
Seu mundo agora tem um centro, a pessoa amada. O fato de que o centro está fora
de você – e, portanto, você ainda tem um sentido de eu interior derivado das
coisas externas – parece não importar muito num primeiro momento. O que importa
é que aquelas sensações de medo, falta, vazio e insatisfação não estão mais
presentes. Ou será que estão? Será que elas desapareceram ou continuam a
existir por baixo da aparente felicidade?
Se em seus relacionamentos você
vivenciou tanto o “amor” quanto o seu oposto, então é provável que você esteja
confundindo o apego do ego e a dependência com amor. Não se pode amar alguém em
um momento e atacar essa pessoa no momento seguinte. O verdadeiro amor não tem
oposto. Se o seu “amor” tem oposto, então não é amor, mas uma grande
necessidade do ego de obter um sentido mais profundo e mais completo do eu
interior, uma necessidade que a outra pessoa preenche temporariamente. É uma
forma de substituição que o ego encontrou e, por um curto período, ela parece
ser mesmo a salvação.
Chega então um momento em que o
outro passa a se comportar de um modo que deixa de preencher as nossas
necessidades, ou melhor, as necessidades do nosso ego. As sensações de medo,
sofrimento e falta, que estavam encobertas pelo “relacionamento amoroso”,
voltam a aparecer. Como acontece com qualquer vício, ficamos muito bem enquanto
a droga está disponível, mas chega um momento em que a droga não funciona mais.
Quando essas dolorosas sensações de medo reaparecem, nós as sentimos mais
fortes do que antes e passamos a ver o outro como a causa de todos essas
sensações. Isso significa que estamos projetando no outro essas sensações, por
isso nós o agredimos com toda a – 91 – violência que é parte do nosso sofrimento.
Essa agressão pode despertar o sofrimento do outro, que é induzido a
contra-atacar. Nesse ponto, o ego ainda está, inconscientemente, esperando que
a agressão ou a tentativa de manipulação seja suficiente para levar o outro a
mudar o comportamento, de forma que possa usá-lo, de novo, para encobrir seu
sofrimento.
Todo vício surge de uma recusa
inconsciente de encararmos nossos próprios sofrimentos. Todo vício começa no
sofrimento e termina nele. Qualquer que seja o vício – álcool, comida, drogas
legais ou ilegais, ou mesmo uma pessoa – ele é um meio que usamos para encobrir
o sofrimento. Essa é a razão por que, passada a euforia inicial, existe tanta
infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Eles não causam o
sofrimento e a infelicidade. Eles trazem à superfície o sofrimento e a
infelicidade que já estão dentro de nós. Todo vício faz isso.. Todo vício chega
a um ponto em que já não funciona mais para nós e, então, sentimos o sofrimento
mais forte do que nunca.
Essa é uma razão pela qual muitas
pessoas estão sempre tentando escapar do momento presente e buscando algum tipo
de salvação no futuro. A primeira coisa que devem encontrar, caso focalizem a
atenção no Agora, é o próprio sofrimento que carregam, e é isso o que mais
temem. Se ao menos soubessem como, no Agora, é fácil acessar o poder da
presença que dissolve o passado e o sofrimento. Se ao menos soubessem como
estão perto da própria realidade, como estão perto de Deus. Evitar se
relacionar como uma tentativa de evitar o sofrimento também não é a resposta. O
sofrimento está lá, de qualquer jeito. Três relacionamentos infelizes em alguns
anos têm mais probabilidades de forçar você a acordar do que três anos em uma
ilha deserta ou trancafiado em seu quarto. Mas, se você pudesse colocar uma
presença intensa em sua solidão, isso também funcionaria para você.
Transformando as relações
viciadas em relações iluminadas
Podemos transformar um
relacionamento viciado em um relacionamento verdadeiro?
Sim, se estivermos presentes e
aumentarmos a nossa presença, concentrando a atenção cada vez mais fundo no
Agora. A chave do segredo será sempre essa, não importa se você está vivendo só
ou com alguém. Para o amor florescer, a luz da nossa presença tem de ser forte
o bastante, de modo a impedir que o pensador ou o sofrimento do corpo nos
domine. Saber que cada um de nós é o Ser por baixo do pensador, a serenidade
por baixo do barulho mental, o amor e a alegria por baixo da dor, significa
liberdade, salvação e iluminação. Pôr fim à identificação com o sofrimento do
corpo é trazer a presença para o sofrimento e, assim, transformá-lo. Pôr fim à
identificação com o pensamento é ser o observador silencioso dos próprios
pensamentos e atitudes, em especial dos padrões repetitivos gerados pela mente
e dos papéis desempenhados pelo ego.
Se paramos de injetar “auto-suficiência” na
mente, ela perde sua qualidade compulsiva, que é o impulso para julgar e, desse
modo, criar uma resistência ao que é, dando origem a conflitos, tragédias e
novos sofrimentos. Na verdade, no momento em que paramos de julgar, no instante
em que aceitamos aquilo que é, ficamos livres da mente e abrimos espaço para o
amor, para a alegria e para a paz. Em primeiro lugar, paramos de nos julgar,
depois paramos de julgar o outro. O grande elemento catalisador para mudarmos
um relacionamento é a completa aceitação do outro do jeito que ele é, sem
querermos julgar ou modificar nada. Isso nos leva imediatamente para além do
ego. Nesse momento, todos os jogos mentais e toda a dependência viciada deixam
de existir. Não existe mais vítima nem agressor, acusador nem acusado. Esse é
também o fim da dependência, de uma atração pelo padrão inconsciente do outro.
Você, então, ou vai se afastar – com amor – ou penetrar cada vez mais fundo no
Agora junto com o outro. É simples assim.
O amor é um estado do Ser. Não
está do lado de fora, está bem lá dentro de nós. Não temos como perdê-lo e ele
não consegue nos deixar. Não depende de um outro corpo, de nenhuma forma
externa. Na serenidade do estado de presença, podemos sentir a nossa própria
realidade sem forma e sem tempo, que é a vida não manifesta que dá vitalidade à
nossa forma física. Conseguimos, então, sentir essa mesma vida lá no fundo de
outro ser humano, de cada criatura. Conseguimos enxergar além do véu opaco da
forma e da desunião. Essa é a realização da unidade. Isso é amor.
O que é Deus? A eterna Vida Única
debaixo de todas as formas de vida. a que é o amor? Sentir profundamente a
presença dessa Vida Única em nós e dentro de todas as criaturas. Portanto, todo
amor é o amor de Deus.
=Pausa=
O amor não é seletivo, assim como
a luz do sol não é seletiva. Não torna ninguém especial. Não é exclusivo. A
exclusividade não tem a ver com o amor de Deus, mas com o “amor” do ego.
Entretanto, a intensidade do amor pode variar. Pode haver uma pessoa que atue
como um espelho do amor que você dirige a ela e que o devolva de modo mais
claro e mais intenso do que outras e, se essa pessoa sente o mesmo em relação a
você, pode-se dizer que as duas têm um relacionamento amoroso. O vínculo que
liga as duas pessoas é o mesmo vínculo que nos liga à pessoa sentada ao nosso
lado no ônibus, ou a um pássaro, a uma árvore, a uma flor. Só o que diferencia
é o grau de intensidade com que o sentimos.
Mesmo em um relacionamento tido
como viciado, podem existir momentos em que alguma coisa mais real se destaca,
algo além das necessidades doentias do casal. São momentos em que a sua mente e
a do outro cedem por um curto período e o sofrimento do corpo fica,
temporariamente, adormecido. Isso pode acontecer durante uma relação física
mais intensa, ou quando o casal está presenciando o milagre do nascimento de
uma criança, ou na presença da morte, ou quando um dos dois está seriamente
doente, ou qualquer coisa que faça a mente perder a força. Nessas ocasiões, o
Ser, normalmente escondido debaixo da mente, se revela e torna possível o
verdadeiro entendimento.
O verdadeiro entendimento é uma
comunhão, a realização da unidade, que é o amor. Normalmente, esse entendimento
desaparece rapidamente. Tão logo a mente e a identificação da mente reaparecem,
deixamos de ser quem somos e voltamos a brincar e a representar para satisfazer
as necessidades do ego. Voltamos, de novo, a ser uma mente humana, fingindo ser
um ser humano, interagindo com outra mente, representando um drama chamado
“amor”.
Embora possa haver curtos
lampejos, o amor não consegue florescer, a menos que estejamos permanentemente
livres da identificação com a mente e que a presença seja bastante intensa para
dissolver o sofrimento do corpo. Assim, o sofrimento não consegue nos dominar e
destruir o amor.
Relacionamentos como
prática espiritual
Quando a mente e todas as
estruturas sociais, políticas e econômicas que ela criou entram no estágio
final de colapso, os relacionamentos entre homens e mulheres refletem o
profundo estado de crise no qual a humanidade se encontra atualmente. Como os
seres humanos têm se identificado cada vez mais com a mente, a maioria dos
relacionamentos não tem as raízes fincadas no Ser. Por isso, se transformam em
fonte de sofrimento e passam a ser dominados por problemas e conflitos.
Nos dias de hoje, milhões de
pessoas vivem sós ou criam os filhos sozinhas, por se sentirem incapazes de
estabelecer um relacionamento íntimo ou por não desejarem repetir os dramas
doentios de relações anteriores. Outras passam de um relacionamento para outro,
de um ciclo de prazer-e-dor para outro, em busca de uma satisfação ilusória,
através da união com a polaridade de energia oposta. Outras continuam a viver
juntas em um relacionamento em que prevalece a negatividade, em nome dos filhos
ou da segurança, pela força do hábito, por medo de ficarem sós, por algum outro
acordo “vantajoso” para o casal, ou até mesmo pelo vício inconsciente da
excitação provocada pelo sofrimento ou drama emocional.
Porém, toda crise representa não
só perigo, mas também oportunidade. Se os relacionamentos energizam e elevam os
padrões da mente egóica e ativam o sofrimento do corpo, como está acontecendo
agora, por que não aceitar esse fato em vez de tentar escapar dele? Por que não
cooperar com ele em vez de evitar relacionamentos ou continuar a perseguir a ilusão
de uma companhia ideal, como uma resposta para os problemas ou um meio de
encontrar satisfação? A oportunidade escondida dentro de cada crise não se
manifesta, até que sejam conhecidos e aceitos todos os fatos, de qualquer tipo,
relacionados a uma situação. Enquanto você negá-los, tentar fugir deles ou
desejar que as coisas sejam diferentes, a janela da oportunidade não se abre, e
você permanece preso àquela situação, que vai continuar a mesma ou vai se
deteriorar mais adiante.
O conhecimento e a aceitação dos
fatos trazem também um certo grau de distanciamento deles. Por exemplo, quando
você sabe que existe desarmonia e retém esse “saber”, significa que surgiu um
novo fator através do seu saber e que a desarmonia não poderá se manter
inalterada. Quando você sabe que não está em paz, o seu saber cria um espaço de
serenidade que envolve a falta de paz em um abraço terno e amoroso, e então
transforma a falta de paz em paz. No que se refere à transformação interior,
não há nada que você possa fazer a respeito. Você não pode transformar a si
mesmo, e é claro que não pode transformar seu companheiro ou qualquer pessoa.
Tudo que você pode fazer é criar um espaço para a transformação acontecer, para
a graça e o amor penetrarem.
=Pausa=
Portanto, sempre que o seu
relacionamento não estiver bom, sempre que fizer aflorar a “loucura” em você e
em seu parceiro, fique feliz. O que estava inconsciente está vindo à luz. É uma
chance de salvação. Sustente, a cada instante, o saber de cada momento, em
especial o do seu estado interior. Se houver raiva, saiba que é raiva. Se
houver ciúme, defesa, um impulso para discutir, uma necessidade de ter sempre
razão, uma criança interior reclamando amor e atenção, ou um sofrimento
emocional de qualquer tipo, seja o que for, saiba a realidade do momento e
sustente esse conhecimento. O relacionamento passa a ser o seu sadhana, a sua
prática espiritual. Se você notar um comportamento inconsciente no parceiro,
prenda-o no abraço amoroso do seu saber, de modo que você não tenha uma reação.
A inconsciência e o conhecimento não conseguem conviver por muito tempo, mesmo
que o conhecimento esteja só com uma pessoa e a outra não tenha consciência do
que está fazendo. A forma de energia que existe por trás da agressão e da
hostilidade acha a presença do amor absolutamente insuportável. Se você reage à
inconsciência do seu parceiro, você também fica inconsciente. Mas se você ficar
alerta à sua reação, nada está perdido.
A humanidade está sob uma grande
pressão para se desenvolver, porque é a sua única chance de sobreviver como
raça. Isso vai afetar cada aspecto da nossa vida e de nossos relacionamentos.
Nunca antes os relacionamentos foram tão problemáticos e oprimidos por
conflitos como hoje em dia. Você deve ter notado que eles não aparecem para nos
fazer felizes ou satisfeitos. Se você continuar buscando um relacionamento como
forma de salvação, vai se desiludir cada vez mais. Mas, se você aceitar que o
relacionamento está aqui para tornar você consciente em lugar de feliz, então o
relacionamento vai lhe oferecer a salvação e você estará se alinhando com a
mais alta consciência que quer nascer neste mundo. Para os que se mantiverem
apegados aos padrões antigos, haverá cada vez mais sofrimento, violência,
confusão e loucura.
Suponho que sejam necessárias
duas pessoas para transformar um relacionamento em uma prática espiritual,
conforme você sugeriu. O meu parceiro, por exemplo, continua com suas antigas
atitudes de ciúme e controle. Já chamei a atenção para isso inúmeras vezes, mas
ele é incapaz de perceber.
Quantas pessoas são necessárias
para transformar a sua vida em uma prática espiritual? Não se incomode caso o
parceiro não queira cooperar. É através de você que a sanidade, ou seja, a
consciência, consegue chegar a este mundo. Você não tem de esperar o mundo se
curar, ou alguém se tornar consciente, antes de poder alcançar a iluminação.
Pode ter de esperar para sempre. Não acuse o outro de não ter consciência. No
momento em que a discussão começar, é sinal de que você passou a se identificar
com uma posição mental e a defender não só aquela posição, mas também o seu
sentido do eu interior. O – 95 – ego está no comando. Você acabou de ficar
inconsciente. Às vezes, isso pode servir para apontar certos aspectos do
comportamento do parceiro. Se você estiver muito alerta, muito presente, pode
agir sem o envolvimento do ego: sem culpar, acusar, ou fazer o outro se sentir
errado.
Se o outro se comportar de modo
inconsciente, abandone qualquer julgamento. O julgamento tanto serve para as
pessoas confundirem o comportamento inconsciente com quem elas são de verdade
quanto para projetar a própria inconsciência sobre a outra pessoa e se enganar
por causa disso sobre quem elas são. Abandonar qualquer julgamento não
significa não reconhecer a disfunção e a inconsciência quando se deparar com
ela. Significa “ser o saber”, e não “ser a reação” e o juiz. Você não vai nem
querer reagir ou poderá reagir e ainda assim ser o saber, o espaço no qual a
reação é observada e onde ela se permite existir. Em vez de brigar com o
escuro, você traz a luz. Em vez de reagir a uma desilusão, você vê a desilusão,
mas, ao mesmo tempo, enxerga através dela. Ser o saber cria um espaço nítido de
presença amorosa que permite a todas as coisas e pessoas serem como são. Não
existe maior catalisador para que a transformação aconteça. Se você adotar essa
prática, o outro não conseguirá ficar com você e permanecer inconsciente.
Se os dois concordarem em fazer
do relacionamento uma prática espiritual do casal, tanto melhor. Podem contar
ao outro os pensamentos e sentimentos tão logo apareçam, ou assim que uma
reação desponte, de forma que não haja tempo para surgir um espaço em que uma
emoção não dita, ou desconhecida, ou uma queixa, possam se agravar e se
desenvolver. Aprenda a expressar os seus sentimentos sem culpar ninguém.
Aprenda a ouvir o parceiro de um modo aberto, sem reservas. Dê ao parceiro
espaço para se expressar. Esteja presente. Acusar, defender, atacar – todos
esses padrões destinados a fortalecer ou proteger o ego ou a atender às
necessidades dele irão se tornar supérfluos. Dar espaço aos outros – e a si
mesmo – é fundamental. O amor não consegue florescer sem isso. Quando você
tiver removido os dois fatores que destroem os relacionamentos e o seu parceiro
tiver feito o mesmo, vocês vão sentir a alegria do desabrochar do
relacionamento. Em vez de refletir o sofrimento e a inconsciência, em vez de
satisfazer as necessidades mútuas viciadas do ego, vocês vão refletir para o
outro o amor que sentem lá no fundo, que surge com a realização da unidade de
cada ser com tudo o que existe. Esse é o amor que não tem opositores.
Se o seu parceiro continua
identificado com a mente e com o sofrimento, mas você já se libertou deles, vai
ser um grande desafio. Não para você, mas sim para ele. Não é fácil conviver
com uma pessoa iluminada, ou melhor, é tão fácil que o ego acha extremamente
ameaçador. Lembre-se de que o ego precisa de problemas, disputas e “inimigos”
para fortalecer o sentido de separação de onde tira a sua identidade. A mente do
parceiro não iluminado ficará profundamente frustrada porque não encontrará
resistência às suas posições rígidas, o que significa que ela vai se tornar
insegura e enfraquecida, além do “perigo” de essas posições desabarem todas
juntas, resultando na perda do eu interior. O sofrimento do corpo pedirá uma
resposta, mas não irá obtê-la. Sua necessidade de discussões, dramas e disputas
não será atendida. Mas atenção: algumas pessoas que são fechadas, retraídas,
insensíveis, ou distanciadas dos sentimentos podem imaginar que são iluminadas
e tentar convencer os outros disso. Elas podem sustentar que não existe “nada
errado” com elas e que o erro está no parceiro. Os homens têm mais tendência a
agir assim do que as mulheres. Talvez vejam suas mulheres como irracionais ou
emocionais. Mas, se você consegue sentir suas emoções, não está muito distante
do radiante eu interior que está logo
ali sob elas. Se você age mais com a cabeça, a distância é muito maior e você
vai precisar colocar emoção no corpo antes de poder alcançar o corpo interior.
Se não houver uma emanação de
amor e de alegria, uma presença completa e uma abertura na direção de todos os
seres, então não é iluminação. Outro fator indicativo é o modo da pessoa se
comportar em situações difíceis ou desafiadoras, ou quando as “coisas vão mal”.
Se a sua “iluminação” é uma ilusão egóica do eu interior, a vida logo vai lhe
aprontar um desafio, que fará aflorar a inconsciência sob qualquer forma –
medo, raiva, defesa, julgamento, depressão, etc. Se você estiver em um
relacionamento, muitos desses desafios vão se manifestar através do seu
parceiro. Por exemplo, uma mulher pode ser desafiada por um homem indiferente,
que vive quase exclusivamente em seu próprio mundo. O desafio está na
inabilidade dele em ouvi-Ia, em não dar a ela atenção e espaço para ser alguém,
decorrente da falta de presença dele. A ausência de amor no relacionamento, que
normalmente é mais percebida pela mulher do que pelo homem, vai desencadear o
sofrimento na mulher. Através dele, ela vai atacar o parceiro: culpando-o,
criticando-o, atribuindo-lhe o erro, etc. Agora, o desafio passou a ser dele.
Para se defender contra a agressão desencadeada pelo sofrimento dela, que
considera totalmente sem razão, ele vai se aferrar, cada vez mais, às suas posições
mentais, enquanto se justifica, se defende ou contra-ataca. Isso, no fim, pode
até mesmo vir a ativar o sofrimento dele. Quando as duas partes foram
dominadas, é sinal que atingiram um nível de profunda inconsciência. Isso não
vai ceder até que as duas partes tenham se abastecido de muito sofrimento e
entrado então no estágio de calmaria. Até que tudo volte a acontecer.
Cada desafio como o que descrevi
acima contém uma oportunidade disfarçada para atingirmos a salvação. Por
exemplo, a hostilidade da mulher pode se tornar um sinal para o homem sair do
seu estado identificado com a mente, despertar no Agora, estar presente – em
vez de ficar cada vez mais inconsciente. Em vez de “ser” o sofrimento, a mulher
poderia ser o saber que observa o sofrimento emocional em si mesma, acessar o
poder do Agora e iniciar a transformação do sofrimento. Isso iria evitar a
projeção compulsiva e automática do sofrimento para o mundo exterior. Poderia
expressar seus sentimentos para o seu parceiro. Naturalmente, não há uma
garantia de que ele vá escutar, mas é uma boa oportunidade para ele se tornar
presente e quebrar o ciclo doentio de uma representação involuntária de seus
velhos padrões mentais. Se a mulher perder essa oportunidade, o homem poderá
observar a sua própria reação emocional e mental ao sofrimento dela, a maneira
como ele se coloca na defensiva, em vez de ser a reação. Poderá então
identificar o momento em que começa o seu próprio sofrimento e trazer
consciência às suas emoções. Assim, um espaço de consciência pura, claro e
sereno, passaria existir – o saber, a testemunha silenciosa, o observador. Essa
consciência não nega o sofrimento e, mais que isso, está além dele. Permite que
o sofrimento aconteça, ao mesmo tempo que o transforma. Ela tudo aceita e tudo transforma.
A mulher poderia facilmente se juntar a ele nesse espaço, através da porta que
acabou de ser aberta.
Por que as mulheres estão
mais próximas da iluminação
Os obstáculos para a iluminação
são os mesmos para homens e mulheres?
São, mas com uma ênfase
diferente. De uma maneira geral, é mais fácil para uma mulher sentir e estar em
seu corpo, e, portanto, ela é naturalmente mais próxima do Ser e potencialmente
mais próxima da iluminação do que o homem. Essa é a razão pela qual muitas
culturas antigas instintivamente escolhiam figuras ou analogias femininas para
representar ou descrever a realidade transcendental e sem forma. Eram vistas
como o ventre que dá à luz a todas as coisas, as sustenta e as alimenta durante
a vida como forma. No Tao Te Ching, um dos livros mais antigos e profundos
escrito em todos os tempos, o Tao, que pode ser traduzido como o Ser, é
descrito como “infinito, eternamente presente, a mãe do universo”.
Naturalmente, as mulheres estão mais próximas dele do que os homens porque elas
“corporificam” o Não Manifesto. Além disso, todas as criaturas e todas as
coisas, no final, voltam à Fonte. “Todas as coisas se desfazem no Tao. Só ele
permanece”. Como a fonte é vista como feminina, ela é representada na
psicologia e na mitologia como os lados claro e escuro do arquétipo feminino. A
Deusa ou Mãe Divina tem dois aspectos: dá e tira a vida.
Quando a mente tomou o poder e os
seres humanos perderam contato com a realidade da essência divina, eles
começaram a pensar sobre Deus como uma figura masculina. A sociedade passou a
ser dominada pelos homens, e as mulheres foram subordinadas a eles.
Não estou sugerindo um retorno às
primeiras representações femininas da divindade. Muitas pessoas empregam
atualmente a palavra Deusa em vez de Deus. Estão dando uma nova roupagem ao
equilíbrio entre homem e mulher, perdido há muito tempo, e isso é bom. Porém,
ainda é uma representação e um conceito, talvez com alguma utilidade
temporária, assim como um mapa ou um sinal é útil por um tempo, embora funcione
mais como um impedimento do que como uma ajuda, quando alguém está pronto para
perceber a realidade existente além de todos os conceitos e imagens. O que
permanece mesmo verdade, entretanto, é que a freqüência de energia da mente
parece ser essencialmente masculina. A mente resiste, briga pelo controle, usa,
manipula, agride, tenta se apoderar e possuir, etc. Essa é a razão pela qual o
Deus tradicional é uma figura patriarcal, uma autoridade controladora, um homem
sempre furioso, que devemos temer, como sugere o Velho Testamento. Esse Deus é
uma projeção da mente humana.
Para irmos além da mente e nos
religarmos à profunda realidade do Ser, são necessárias qualidades muito
diferentes: entrega, não julgamento, uma abertura que permita a vida existir em
vez de resistir, a capacidade de sustentar todas as coisas no amoroso abraço do
saber. Todas essas qualidades têm muito mais a ver com o princípio feminino.
Onde a energia da mente é pesada e rígida, a energia do Ser é leve e macia, mas
ainda assim é muito mais poderosa do que a mente. A mente governa a nossa
civilização, enquanto o Ser é o encarregado de todas as formas de vida em nosso
planeta e além dele. O Ser é a própria Inteligência cuja manifestação visível é
o universo físico. Embora as mulheres estejam potencialmente mais próximas
dele, os homens também conseguem ter acesso a ele, dentro de si mesmos.
Neste momento, a imensa maioria
dos homens e das mulheres ainda está sob o domínio da mente. É ela que impede a
iluminação e o florescimento do amor. Como regra geral, o maior obstáculo para
os homens tende a ser a mente pensante, enquanto o maior obstáculo para as
mulheres é o sofrimento, embora em casos isolados o oposto possa ser verdade, e
em outros os dois fatores possam ter o mesmo peso.
Dissolvendo o sofrimento
coletivo feminino
Por que o sofrimento é um
obstáculo maior para as mulheres?
O sofrimento, em geral, tem um
aspecto coletivo e um individual. O aspecto pessoal é o resíduo acumulado de
problemas e sofrimentos emocionais que a própria pessoa vivenciou no passado. O
aspecto coletivo é o sofrimento acumulado na psique da humanidade por milhares
de anos, através de doenças, torturas, guerras, assassinatos, crueldades,
loucuras, etc. O sofrimento de cada um de nós também participa desse sofrimento
coletivo. Por exemplo, certas raças ou países, onde ocorrem formas extremas de
lutas e de violência, possuem um sofrimento coletivo mais intenso do que
outros. Qualquer pessoa com um forte sofrimento e sem consciência bastante para
se desligar dele não só será forçada, de modo contínuo ou periódico, a reviver
o sofrimento emocional, mas também pode facilmente se tornar autor ou vítima da
violência. Por outro lado, essas pessoas também podem estar potencialmente mais
próximas da iluminação. Claro que esse potencial nem sempre se realiza, mas, se
você tiver um pesadelo, provavelmente terá mais motivos para despertar do que
alguém que acabou de ter um sonho comum sobre as dificuldades da vida.
Além do sofrimento pessoal, cada
mulher tem participação naquilo que pode ser descrito como o sofrimento
feminino coletivo, a menos que ela esteja plenamente consciente. Consiste no
sofrimento acumulado vivido por cada mulher, em parte pela dominação dos homens
sobre as mulheres, pela escravidão, exploração, estupro, partos, perda dos
filhos, etc., durante milhares de anos. O sofrimento físico e emocional, que para
muitas mulheres precede e coincide com o fluxo menstrual, é o sofrimento em seu
aspecto coletivo despertando da sua dormência naquele momento, embora possa ser
detonado também em outras ocasiões. Ele restringe o livre fluxo de energia
vital através do corpo, da qual a menstruação é uma manifestação física. Vamos
nos deter um pouco nesse assunto e ver como pode se tornar uma oportunidade
para a iluminação.
Com frequência, a mulher é
“dominada” pelo sofrimento físico e emocional nesse período. Ele tem uma carga
energética poderosa, que pode facilmente empurrá-la para uma identificação
inconsciente com ele. Você é, então, possuída por um campo de energia que ocupa
o seu espaço interior e finge ser você – mas não é você de jeito nenhum. Ele
fala através de você, age através de você, pensa através de você. Vai criar
situações negativas em sua vida de tal modo que ele possa se alimentar da
energia. Já descrevi esse processo. Ele pode ser vicioso e destrutivo. É o
sofrimento puro, o sofrimento do passado, e não é você.
O número de mulheres que estão se
aproximando do estado de consciência plena já ultrapassa o dos homens e vai
crescer ainda mais rápido nos próximos anos. Os homens poderão alcançá-las no
final, mas por um tempo considerável haverá uma distância entre a consciência
masculina e a feminina. As mulheres estão recuperando a função que é um direito
natural delas: ser uma ponte entre o mundo manifesto e o Não Manifesto, entre a
materialidade e o espírito. A sua tarefa principal agora, como mulher, é transformar
o sofrimento de forma que ele não mais se interponha entre você e o seu
verdadeiro eu interior. Naturalmente, você também tem de lidar com o outro
obstáculo à iluminação, que é a mente pensante, mas a presença intensa que você
produz quando lida com o sofrimento também vai libertá-la da identificação com
a mente.
A primeira coisa para lembrar é
que, enquanto você construir a sua identidade em função do sofrimento, não
conseguirá se livrar dele. Enquanto investir uma parte do seu sentido de eu interior
no seu sofrimento emocional, você vai resistir ou sabotar, inconscientemente,
cada tentativa para curar o sofrimento. Por quê? Porque você quer se manter
inteiro e o sofrimento se tornou uma parte essencial de você. Esse é um
processo inconsciente e o único caminho para superá-lo é torná-lo consciente.
Perceber,
de repente, que você está ou tem estado presa ao sofrimento pode lhe causar um
choque. No momento em que percebe isso, você acabou de romper com a ligação. O
sofrimento é um campo de energia, quase como uma entidade que se alojou
temporariamente no seu espaço interior. É a energia da vida que foi
aprisionada, uma energia que não está mais fluindo. Claro que o sofrimento está
ali por causa de certas coisas que aconteceram no passado. Ele é o passado vivo
em você. E, se você se identifica com ele, se identifica com o passado. Uma
identidade-vítima acredita que o passado é mais poderoso do que o presente, o
que não é verdade. É a crença de que outras pessoas e o que fizeram a você são
responsáveis pelo que você é hoje, pelo seu sofrimento emocional, ou por sua
incapacidade de ser o verdadeiro eu interior. A verdade é que o único poder
está bem aqui neste momento: o poder da sua presença. Uma vez que saiba disso,
perceberá também que só você é responsável pelo seu espaço interior neste
momento e que o passado não consegue prevalecer contra o poder do Agora. =Pausa=
Portanto, a identificação impede
você de lidar com o sofrimento. Algumas mulheres, conscientes o bastante para
abandonar a identidade de vítima no nível pessoal, ainda estão presas a uma
identidade coletiva de vítima, que atribuem ao que “os homens fizeram às
mulheres”. Elas estão certas, mas também estão erradas. Estão certas porque o
sofrimento coletivo feminino é, em grande parte, decorrente da violência
masculina infligida às mulheres, bem como da repressão dos princípios femininos
por todo o planeta, durante milênios. Estão erradas se extraírem o sentido do
eu interior desse fato e, assim, se mantiverem aprisionadas em uma identidade coletiva
de vítima. Se uma mulher continua agarrada à raiva, a ressentimentos ou
condenações, ela continua agarrada ao seu sofrimento. Isso pode dar a ela um
reconfortante sentido de identidade, de solidariedade com outras mulheres, mas
a mantém escravizada ao passado e bloqueia um acesso integral à sua essência e
ao poder verdadeiro. Se as mulheres se afastam dos homens, favorecem um sentido
de separação e, portanto, um fortalecimento do ego. E quanto mais forte o ego,
mais distante você está da sua verdadeira natureza.
Assim, não use o sofrimento para
criar uma identidade. Use-o, em vez disso, para a iluminação. Transforme-o em
consciência. Uma das melhores épocas para fazer isso é durante a menstruação.
Acredito que, nos próximos anos, muitas mulheres irão atingir o estado de
consciência plena durante esse período. Normalmente, esse é um tempo de
inconsciência para muitas mulheres, porque são dominadas pelo sofrimento
coletivo feminino. Entretanto, você pode reverter isso uma vez que tenha
alcançado um – 100 – determinado nível de consciência, e assim, em vez de se
tornar inconsciente, você fica mais consciente. Já descrevi antes esse processo
básico, mas vou apresentá-lo de novo, desta vez com uma referência especial ao
sofrimento coletivo feminino.
Quando você percebe que o período
menstrual está se aproximando, antes mesmo de sentir os primeiros sinais do que
é comumente chamada tensão pré-menstrual, o despertar do sofrimento coletivo
feminino, mantenha-se muito alerta e ocupe o seu corpo o mais que puder. Quando
o primeiro sinal aparecer, você vai precisar estar bastante alerta para
agarrálo, antes que ele domine você. Por exemplo, o primeiro sinal pode ser uma
grande e súbita irritação ou um lampejo de raiva, ou simplesmente um sintoma
físico. Seja lá o que for, agarre-o antes que ele domine o seu pensamento ou
comportamento. Isso significa simplesmente colocar o foco da sua atenção sobre
ele. Saber que se trata do sofrimento e, ao mesmo tempo, ser o conhecedor, o
que significa perceber a sua presença consciente e sentir o seu poder. Qualquer
emoção cede e se transforma quando colocamos a presença sobre ela. Se for um
simples sintoma físico, a atenção que você der a ela vai evitar que se
transforme em uma emoção ou em um pensamento. Continue então alerta e espere
pelo próximo sinal de sofrimento. Quando ele aparecer, agarre-o de novo, do
mesmo jeito que antes.
Mais tarde, quando o sofrimento
tiver despertado totalmente do seu estado de dormência, você poderá vivenciar
uma considerável turbulência em seu espaço interior por uns momentos, talvez
até por alguns dias. Qualquer que seja a forma que ele tome, esteja presente.
Dê a ele sua atenção completa. Observe a turbulência dentro de você. Perceba
que ela está lá. Sustente o conhecimento e seja o conhecedor. Lembre-se: não
permita que o sofrimento use a sua mente e domine o seu pensamento. Observe-o.
Sinta a energia de modo direto, dentro do seu corpo. Como você já sabe, a
atenção completa significa aceitação completa.
Através de uma atenção continuada
e, portanto, da aceitação, vem a transformação. O sofrimento se transforma em
uma consciência radiante, assim como um pedaço de lenha colocado dentro do fogo
se transforma em fogo. A menstruação irá então se tornar, não só uma expressão
de alegria e realização da sua feminilidade, mas também um tempo sagrado de
transformação, quando você faz nascer uma nova consciência. A sua verdadeira
natureza então reluz lá fora, tanto em seu aspecto feminino como a Deusa quanto
em seu aspecto transcendental do Ser que ultrapassa a dualidade
masculino/feminino.
Se o seu parceiro for consciente,
pode ajudar você a praticar o que acabei de descrever, sustentando a freqüência
da intensa presença, nessa hora em especial. Se ele permanecer presente, sempre
que você voltar a se identificar inconscientemente com o sofrimento, o que pode
e vai acontecer a princípio, você será capaz de se juntar rapidamente a ele no
estado de presença. Isso significa que sempre que o sofrimento dominar você,
seja durante a menstruação ou em outras ocasiões, o seu parceiro não vai
confundi-lo com quem você é. Mesmo que o sofrimento o ataque, como
provavelmente acontecerá, ele não vai reagir como se fosse você, ou se retirar
ou apresentar algum tipo de defesa. Ele vai sustentar o espaço da presença
intensa. Nada mais é necessário para a transformação. Em outras vezes, você
será capaz de fazer o mesmo por ele ou de ajudá-lo a recuperar a consciência,
retirando-a da mente ao desviar a atenção para o aqui e agora, quando ele ficar
identificado com o pensamento.
Assim, um campo permanente de
energia de alta freqüência vai aparecer entre vocês. Nenhuma ilusão,
sofrimento, disputa, nada que não seja vocês, nada que não seja amor pode
sobreviver dentro dele. Isso significa a realização do divino, o propósito
transpessoal do seu relacionamento.
Desistindo do
relacionamento consigo mesmo
Quando alguém está plenamente
consciente, será que tem necessidade de um relacionamento? Um homem ainda se
sentirá atraído por uma mulher? Uma mulher se sentirá incompleta sem um homem?
Iluminado ou não, no nível da sua
identidade com a forma, você não está completo. Você é a metade do todo. E isso
é percebido como a atração homem-mulher, o movimento em direção à polaridade
oposta de energia, não importa qual seja o seu nível de consciência. Mas, nesse
estado de conexão interior, você percebe essa atração em algum lugar sobre a
superfície ou na periferia da sua vida. O universo inteiro parece as ondas e
marolas sobre a superfície de um oceano imenso e profundo. Você é esse oceano
e, naturalmente, também é a marola, mas uma marola que percebeu a sua
verdadeira identidade como oceano e sabe que, em comparação a essa vastidão e
profundidade, o mundo das ondas e marolas não é assim tão importante.
Isso não significa que você não
se relaciona profundamente com outras pessoas ou com o seu parceiro. Na
verdade, você só consegue se relacionar se tiver consciência do Ser. Partindo
do Ser, você é capaz de enxergar além do véu da forma. No Ser, homem e mulher
são uma unidade. A sua forma pode continuar a ter algumas necessidades, mas o
Ser não tem nenhuma. Já está completo e inteiro. Se essas necessidades forem
preenchidas, será ótimo, mas não faz diferença para o seu estado interior mais
profundo. Portanto, caso a necessidade de uma polaridade masculina ou feminina
não seja preenchida, é perfeitamente possível para uma pessoa iluminada
perceber que falta alguma coisa no nível externo e, ao mesmo tempo, sentir-se
totalmente completa e satisfeita no nível interno.
Na busca da iluminação, ser
homossexual serve de vantagem, de obstáculo, ou não faz qualquer diferença?
Ao se aproximar da idade adulta,
a incerteza da sexualidade seguida da percepção de que você é “diferente” dos
outros pode forçar uma desidentificação dos padrões socialmente condicionados
de pensamento e comportamento. Isso vai elevar, automaticamente, o seu nível de
consciência sobre a inconsciência predominante, onde as pessoas
inquestionavelmente carregam todos os padrões herdados. Nesse sentido, ser
homossexual pode ser uma vantagem. Até certo ponto, ser um estranho, alguém que
não se “enquadra” com os outros, ou é rejeitado por eles por qualquer razão,
torna a vida difícil, mas também traz uma vantagem com relação à iluminação.
Ela tira você da inconsciência quase que à força.
Por outro lado, se você
desenvolve um sentido de identidade baseado na sua homossexualidade, escapa de
uma armadilha para cair em outra. Você vai desempenhar papéis e jogos ditados
pela imagem mental que você tem de si mesmo como homossexual. Vai se tornar
inconsciente. Vai virar uma falsidade. Debaixo da sua máscara do ego, vai estar
muito infeliz. Se isso acontece com você, ser homossexual virou um obstáculo.
Mas sempre existe uma nova oportunidade. Uma infelicidade aguda pode ser um grande
elemento despertador.
É verdade que cada um de nós
precisa ter um bom relacionamento consigo mesmo antes de se relacionar com
outra pessoa?
Se você não consegue ficar à
vontade consigo mesmo, vai procurar um relacionamento para encobrir o seu
desconforto. Só que esse desconforto vai reaparecer de alguma outra forma no
relacionamento, e você, provavelmente, atribuirá a responsabilidade ao seu
parceiro. Tudo o que você precisa fazer é aceitar este momento plenamente. Você
estará então à vontade no aqui e agora e à vontade consigo mesmo.
Mas será que você precisa ter um
relacionamento com você mesmo? Por que não ser apenas você? Quando se relaciona
com você mesmo, já se dividiu em dois: “eu” e “eu mesmo”, sujeito e objeto.
Essa dualidade criada pela mente é a raiz de toda complexidade desnecessária,
de todos os problemas e conflitos em sua vida. No estado de iluminação, você é
você mesmo – “você” e “você mesmo” se fundem em um só. Você não se julga, não
sente pena de si, não se orgulha de si, não se ama, não se odeia, etc. A
divisão provocada pela consciência está curada, sua maldição removida. Não
existe um “você mesmo” que seja preciso proteger, defender ou alimentar. Quando
você está iluminado, não tem mais um relacionamento consigo mesmo. Uma vez que
tenha aberto mão disso, todos os seus outros relacionamentos serão de amor.
Capítulo
nove
MUITO
ALÉM DA FELICIDADE E DA INFELICIDADE EXISTE A PAZ
O bem supremo além do bem
e do mal
Existe diferença entre felicidade
e paz interior?
Existe. A felicidade depende de
circunstâncias consideradas positivas, ao passo que a paz interior não precisa
delas.
Há possibilidade de só atrairmos
coisas positivas para as nossas vidas? Se a nossa atitude e o nosso pensamento
forem sempre positivos, só haverá situações e acontecimentos positivos, não é
mesmo?
Você pode afirmar, com certeza, o
que é positivo e o que é negativo? Já fez o levantamento completo? Muitas
pessoas devem ter aprendido bastante com as suas próprias limitações, seus
fracassos, suas perdas, suas doenças e sofrimentos. Tudo isso ensinou-as a se
desfazer das imagens falsas que tinham de si mesmas, dos desejos e objetivos
superficiais ditados pelo ego e lhes deu profundidade, humildade e compaixão.
Fez delas pessoas mais reais.
Sempre que acontece alguma coisa
negativa, há sempre uma lição embutida, embora nem sempre se perceba isso na
hora. Uma doença ou um acidente pode mostrar o que há de real ou irreal em uma
situação, aquilo que é importante e o que não é.
De uma perspectiva mais elevada,
as circunstâncias são sempre positivas. Para ser mais preciso, elas não são
positivas nem negativas. São do jeito que são. E quando aceitamos as coisas
como são, o “bem” ou o “mal” deixam de existir em nossas vidas. Só o que existe
é um bem supremo, que inclui o “mal”. Mas, pela perspectiva da mente, existe o
bem e o mal, o igual e o diferente, o amor e o ódio. É por isso que no Livro do
Gênesis está escrito que Adão e Eva não tiveram mais permissão para habitar o
“paraíso” quando “comeram da árvore do conhecimento do bem e do mal”.
Isso me parece negação e ilusão.
Quando alguma coisa ruim acontece comigo, ou com alguém chegado a mim, tal como
um acidente, uma doença, ou a morte, posso até fingir que não é mal mas
permanece o fato de que isso é mal. Por que negar?
Você não está fingindo nada. Só
está permitindo uma coisa ser como é, apenas isso. Essa “permissão para ser”
nos transporta para além da mente, com os seus padrões de resistência que geram
as polaridades positiva e negativa. É um aspecto fundamental do perdão. Perdoar
o presente é até mais importante do que perdoar o passado. Se perdoarmos cada
momento, se permitirmos que ele seja como é, não haverá nenhum acúmulo de
ressentimento a ser perdoado mais tarde.
Lembre-se de que não estamos aqui
tratando de felicidade. Por exemplo, quando a pessoa amada acabou de morrer, ou
se sentimos a nossa própria morte se aproximar, não podemos nos sentir felizes.
É impossível. Mas podemos estar em paz. Pode até haver tristeza e lágrimas,
mas, se deixarmos de resistir, conseguiremos perceber uma profunda serenidade
por baixo da tristeza, uma calma, uma presença sagrada. Isso é a emanação do
Ser, isso é a paz interior, o bem que não tem opositores.
E se for uma situação sobre a
qual eu possa fazer algo a respeito? Como posso permitir que ela exista e
mudá-la ao mesmo tempo?
Faça o que você tem de fazer.
Enquanto isso, aceite o que é. Como mente e resistência significam a mesma
coisa para nós, aceitar aquilo que acontece nos liberta na mesma hora do
domínio da mente e restabelece a nossa conexão com o Ser. Como resultado, as
costumeiras motivações do ego para “agir”, como o medo, a cobiça, o controle, a
defesa ou a alimentação do falso sentido do ego, não vão mais funcionar. Uma
inteligência muito maior do que a mente passa a dominar tudo e, com isso, uma
diferente qualidade de consciência vai influenciar as nossas ações.
“Aceite o que quer que venha para
você nas tramas do destino, pois o que se ajustaria mais adequadamente às suas
necessidades?” Isso foi escrito há dois mil anos por Marco Aurélio, um homem
extraordinário que, além de poderoso, tinha uma grande sabedoria.
Parece que a maioria das pessoas
precisa vivenciar uma grande carga de sofrimento antes de abandonar a
resistência e aceitar, isto é, antes de perdoar. Com o perdão, acontece o
milagre do despertar da consciência do Ser, através do que aparenta ser o mal:
a transformação do sofrimento em paz interior. Todo o mal e todo o sofrimento
do mundo vão nos forçar a descobrir quem somos realmente. Assim, aquilo que, de
uma perspectiva limitada, percebemos como o mal é, na verdade, parte de um bem
maior que não tem opositores. Entretanto, isso só se torna uma verdade através
do perdão. Sem ele, o mal permanece como mal.
Através do perdão – que significa
reconhecer a falta de consistência do passado e permitir que o momento presente
seja como é –, acontece o milagre da transformação, não só no lado de dentro,
mas também do lado de fora. Um espaço silencioso de uma presença intensa surge
dentro de nós e à nossa volta. Quem quer e o que for que penetre no campo da
consciência será afetado, algumas vezes de forma clara e imediata, outras em
níveis mais profundos, com mudanças só notadas algum tempo depois. Você
dissolve a discórdia, cura o sofrimento, desfaz a inconsciência, sem fazer
nada, simplesmente sendo e sustentando essa frequência de presença intensa.
=Pausa=
O fim dos dramas em sua
vida
Nesse estado de aceitação e paz
interior, pode aparecer alguma coisa na vida para ser chamada de “má”, da
perspectiva da consciência comum?
Muitas das assim chamadas coisas
más que nos acontecem na vida são devidas à inconsciência. Elas são criadas por
nós, ou melhor, são criadas pelo ego. Refiro-me a isso, às vezes, como “drama”.
Quando restabelecemos a conexão com o Ser e não deixamos mais a mente governar,
paramos de criar essas coisas.
Mas há muitas pessoas que se
apaixonam pelos seus dramas particulares de vida. Identificam-se com suas
histórias. O ego governa a vida delas. Investiram nele todo o sentido de eu
interior. Até mesmo a busca de uma resposta, de uma solução, ou de uma cura se
torna parte dele. O que mais temem é que seus dramas tenham um fim. Enquanto
essas pessoas forem a mente, seu maior medo será o próprio despertar.
Quando vivemos em uma completa
aceitação do que é, todos os dramas da nossa vida chegam ao fim. Ninguém
consegue ter a mais leve discussão conosco, não importa quanto tente. Não se
pode discutir com alguém completamente consciente. Uma discussão implica uma
identificação com a mente e uma determinada posição mental, tal como
resistência e reação às posições da outra pessoa. O resultado é que as
polaridades opostas ficam mutuamente energizadas. Esses são os mecanismos da
inconsciência. Ainda podemos estabelecer o nosso ponto de vista de modo claro e
firme, mas não haverá nenhuma força reagindo ao fundo, nenhuma defesa e nenhuma
agressão. Assim, não se transformará em um drama. Quando estamos completamente
conscientes, deixamos de estar em conflito. “Ninguém que esteja em unidade
consigo mesmo consegue pensar em conflito”, diz o livro A Course in Miracles
(Um curso em milagres). O livro se refere não só ao conflito com outras
pessoas, mas, fundamentalmente, ao conflito dentro de nós, que deixa de existir
quando não há mais nenhum desacordo entre as buscas e expectativas da nossa
mente e aquilo que é.
A impermanência e os
ciclos da vida
Enquanto permanecermos na
dimensão física e em conexão com a psique humana coletiva, o sofrimento, embora
raro, ainda pode acontecer. Não devemos confundi-lo com o sofrimento emocional.
Todo sofrimento é criado pelo ego e fruto de uma resistência. Além disso, nessa
dimensão, ainda nos sujeitamos à natureza cíclica e à lei da impermanência de
todas as coisas, mas já não vemos mais o sofrimento como uma coisa “má”. Ele
simplesmente é.
Ao permitir o “existir” de todas
as coisas, uma dimensão mais profunda, por baixo do jogo dos opostos, se revela
para nós como uma presença permanente, uma serenidade profunda e estável, uma
alegria sem motivos que se situa além do bem e do mal. Essa é a alegria do Ser,
a paz de Deus.
No nível da forma existe
nascimento e morte, criação e destruição, crescimento e dissolução de espécies
aparentemente independentes. Podemos ver isso em tudo: no ciclo da vida de uma
estrela ou de um planeta, em um corpo físico, em uma árvore, em uma flor; na
ascensão e queda de nações, de sistemas políticos e de civilizações, e também
nos inevitáveis ciclos de lucros e perdas que temos na vida.
Existem ciclos de sucesso, como
quando as coisas acontecem e dão certo, e ciclos de fracasso, quando elas não
vão bem e se desintegram. Você tem de permitir que elas terminem, dando espaço
para que coisas novas aconteçam ou se transformem. Se nos apegamos às situações
e oferecemos uma resistência nesse estágio, significa que estamos nos recusando
a acompanhar o fluxo da vida e que vamos sofrer.
Não é verdade que o ciclo
ascendente seja bom e o ciclo descendente seja ruim, a não ser no julgamento da
mente. O crescimento é, em geral, considerado positivo, mas nada pode crescer
para sempre. Se o crescimento nunca tivesse fim, poderia acabar em algo
monstruoso e destrutivo. É necessário que as coisas acabem, para que coisas
novas aconteçam.
O ciclo descendente é
absolutamente essencial para uma realização espiritual. Você tem de ter falhado
gravemente de algum modo, ou passado por alguma perda profunda, ou algum
sofrimento, para ser conduzido à dimensão espiritual. Ou talvez o seu sucesso
tenha se tornado vazio e sem sentido e se transformado em fracasso. O fracasso
está sempre embutido no sucesso, assim como o sucesso está sempre encoberto
pelo fracasso. No mundo da forma, todas as pessoas “fracassam” mais cedo ou
mais tarde, e toda conquista acaba em derrota. Todas as formas são
impermanentes.
Você pode ser ativo e apreciar a
criação de novas formas e circunstâncias, mas não se sentirá identificado com
elas. Você não precisa delas para obter um sentido de eu interior. Elas não são
a sua vida, pertencem à sua situação de vida.
Nossa energia física também está
sujeita a ciclos. Não consegue estar sempre no máximo. Teremos momentos de
baixa e de alta energia. Em alguns períodos, estaremos altamente ativos e
criativos, mas em outros tudo vai parecer estagnado, teremos a impressão de não
estarmos indo a lugar nenhum, nem conseguindo nada. Um ciclo pode durar de
algumas horas a alguns anos e dentro dele pode haver ciclos longos ou curtos.
Muitas doenças são provocadas pela luta contra os ciclos de baixa energia, que
são fundamentais para uma renovação. Enquanto estivermos identificados com a
mente, não poderemos evitar a compulsão de fazer coisas e a tendência para
extrair o nosso valor de fatores externos, tais como as conquistas que
alcançamos. Isso torna difícil ou impossível para nós aceitarmos os ciclos de
baixa e permitirmos que eles aconteçam. Assim, a inteligência do organismo pode
assumir o controle, como uma medida autoprojetora, e criar uma doença com o
objetivo de nos forçar a parar, de modo a permitir que uma necessária renovação
possa acontecer.
A natureza cíclica do universo
está intimamente ligada à impermanência de todas as coisas e situações. Buda
fez disso uma parte central de seu ensinamento. Todas as circunstâncias são
altamente instáveis e estão em um fluxo constante, ou, como ele colocou, a
impermanência é uma característica de cada circunstância, de cada situação com
que vamos nos deparar na vida. Elas vão se modificar, desaparecer, ou deixar de
proporcionar prazer. A impermanência também é um ponto central dos ensinamentos
de Jesus: “Não acumule tesouros na terra, onde as traças e a ferrugem arruínam
tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar...”
Enquanto a mente julgar uma
circunstância “boa”, seja um relacionamento, uma propriedade, um papel social, um
lugar, ou o nosso corpo físico, ela se apega e se identifica com ela. Isso faz
você se sentir bem em relação a si mesmo e pode se tornar parte de quem você é
ou pensa que é. Mas nada dura muito nessa dimensão, onde as traças e a ferrugem
devoram tudo. Tudo acaba ou se transforma: a mesma condição que era boa no
passado, de repente, se torna ruim. A prosperidade de hoje se torna o
consumismo vazio de amanhã. O casamento feliz e a lua-de-mel se transformam no
divórcio infeliz ou em uma convivência infeliz. A mente não consegue aceitar
quando uma situação com a qual ela tenha se apegado muda ou desaparece. Ela vai
resistir à mudança. É quase como se um membro estivesse sendo arrancado do seu
corpo.
Às vezes ouvimos falar de pessoas
que cometeram suicídio porque perderam a fortuna ou tiveram sua reputação
arruinada. Esses são casos extremos. Outras pessoas, ao sofrer uma grande
perda, tornam-se profundamente infelizes ou adoecem. Não conseguem distinguir a
vida da situação de vida. Li recentemente sobre uma famosa atriz que morreu
depois dos oitenta anos e foi ficando cada vez mais infeliz e reclusa conforme
envelhecia. Ela estava identificada com uma circunstância: a sua aparência
externa. No início, isso lhe deu um sentido feliz do eu interior, depois um sentido
infeliz. Se tivesse sido capaz de se conectar com a vida interior, que é
dissociada da forma e do tempo, ela poderia ter aceitado o desaparecimento da
beleza, observando-a de um lugar de serenidade e paz. Além do mais, sua
aparência teria se tornado cada vez mais transparente à luz que brilha através
da verdadeira natureza, de modo que a beleza externa não teria sumido, mas se
transformado em beleza espiritual. Porém, ninguém contou a ela que isso era
possível. O tipo de conhecimento mais básico ainda não está ao alcance de
todos.
=Pausa=
Buda ensinou que até mesmo a
felicidade pessoal é dukka – uma palavra da língua páli que significa
“sofrimento” ou “insatisfação”. Ela é inseparável do seu oposto. Significa que
a felicidade e a infelicidade são, na verdade, uma coisa só. Somente a ilusão
do tempo as separa.
Isso não significa uma
negatividade. É simplesmente reconhecer a natureza das coisas, para não viver
atrás de uma ilusão pelo resto da vida. Nem quer dizer que você não deva mais
apreciar os objetos e as circunstâncias agradáveis e bonitas. Porém, usá-los
para procurar aquilo que não podem dar – uma identidade, um sentido de
permanência e satisfação – é uma receita para a frustração e o sofrimento. Toda
a indústria da propaganda e a sociedade de consumo entrariam em colapso se as
pessoas se tornassem iluminadas e deixassem de tentar encontrar as suas
identidades através dos objetos. Quanto mais usarmos esse caminho para
encontrar a felicidade, mais estaremos nos iludindo. Nada lá fora vai conseguir
nos trazer satisfação, exceto por um tempo e de modo superficial. Mas talvez
você precise passar por muitas decepções antes de perceber a verdade. Os
objetos e as circunstâncias podem lhe dar prazer, mas também vão lhe trazer
sofrimento. Eles podem lhe dar prazer, mas não trazer alegria. A alegria não
tem uma causa e brota dentro de nós como a alegria do Ser. É uma parte
essencial do estado de paz interior, conhecido como a paz de Deus. É o nosso
estado natural, não algo por que tenhamos de lutar para conseguir.
As pessoas, em geral, não
percebem que a “salvação” não está em nada do que façam, possuam ou consigam.
Aquelas que percebem ficam, muitas vezes, enfastiadas do mundo e deprimidas. Se
nada pode lhes dar um verdadeiro prazer, será que resta alguma coisa por que se
empenhar? Com que objetivo? O profeta do Velho Testamento deve ter chegado a
essa conclusão quando escreveu: “Tenho visto tudo o que se faz debaixo do sol e
eis que tudo é vaidade e uma luta contra o vento”. Quando você chega a esse
ponto, está a um passo do desespero e um passo mais longe da iluminação.
Uma vez um monge budista me
disse: “Tudo o que aprendi nos vinte anos em que sou monge pode ser resumido em
uma frase: Tudo o que surge, desaparece. Isso eu sei”. O que ele quis dizer foi
o seguinte: aprendi a não oferecer qualquer resistência ao que é; aprendi a
permitir que o momento presente aconteça e a aceitar a natureza impermanente de
todas as coisas e circunstâncias. Foi assim que encontrei a paz.
Não oferecer resistência à vida é
estar em estado de graça, de descanso e de luz. Nesse estado, nada depende de
as coisas serem boas ou ruins. É quase paradoxal, mas, como já não existe mais
uma dependência interior quanto à forma, as circunstâncias gerais da sua vida,
as formas externas, tendem a melhorar consideravelmente. As coisas, as pessoas
ou as circunstâncias que você desejava para a sua felicidade vêm agora até você
sem qualquer esforço, e você está livre para apreciá-las enquanto durarem.
Todas essas coisas naturalmente vão acabar, os ciclos virão e irão, mas com o
desaparecimento da dependência não há mais medo de perdas. A vida flui com
facilidade.
A
felicidade que provém de alguma coisa secundária nunca é muito profunda. É
apenas um pálido reflexo da alegria do Ser, da paz vibrante que encontramos
dentro de nós ao entrarmos no estado de não-resistência. O Ser nos transporta
para além das polaridades opostas da mente e nos liberta da dependência da
forma. Mesmo que tudo em volta desabe e fique em pedaços, você ainda sentirá
uma profunda paz interior. Você pode não estar feliz, mas vai estar em paz. =Pausa=
Utilizando e abandonando a
negatividade
Toda resistência interior é
vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma resistência. Nesse
contexto, as duas palavras são quase sinônimas. A negatividade vai de uma
irritação ou impaciência a uma raiva furiosa, de um humor deprimido ou um ressentimento
a um desespero suicida. Às vezes, a resistência faz disparar o sofrimento
emocional, caso em que mesmo uma situação banal pode produzir uma negatividade
intensa, como a raiva, a depressão ou um profundo pesar.
O ego acredita que, através da
negatividade, pode manipular a realidade e conseguir o que deseja. Acredita
que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou dissolver uma
indesejável. O livro A Course in Miracles (Um curso em milagres) destaca
corretamente isso ao afirmar que, sempre que estamos infelizes, acreditamos
inconscientemente que a infelicidade “compra” para nós o que queremos. Se
“você” – a mente – não acreditou que a infelicidade funciona, por que a
criaria? O fato é que essa negatividade não funciona. Em vez de atrair uma
circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de desfazer uma
circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única utilidade é que ela
fortalece o ego, e essa é a razão pela qual ele a adora.
Uma vez que você tenha se
identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela
desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma
mudança positiva. Ela iria ameaçar a sua identidade como uma pessoa depressiva,
zangada ou difícil de lidar. Você então passa a ignorar, negar ou sabotar
aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
A negatividade é completamente
antinatural. É um poluente psíquico e existe um vínculo profundo entre o
envenenamento e a destruição da natureza e a grande negatividade que vem sendo
acumulada na psique coletiva humana. Nenhuma outra forma de vida no planeta
conhece a negatividade, somente os seres humanos, assim como nenhuma outra
forma de vida violenta e envenena a Terra que a sustenta. Você já viu uma flor
infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo
com problemas de auto-estima, um gato que não consegue relaxar, ou um pássaro
com ódio e ressentimento? Os únicos animais que eventualmente vivenciam alguma
coisa semelhante à negatividade, ou mostram sinais de comportamento neurótico,
são os que vivem em contato íntimo com os seres humanos e assim se ligam à
mente humana e à insanidade deles.
Observe as plantas e animais,
aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se entregar ao Agora. Deixe que
eles lhe ensinem o que é Ser, o que é integridade – estar em unidade, ser você
mesmo, ser verdadeiro. Aprenda como viver e como morrer, e como não fazer do
viver e do morrer um problema.
Vivi com alguns mestres zen –
todos eles gatos. Até mesmo os patos me ensinaram importantes lições
espirituais. Observá-los é uma meditação. Como eles flutuam em paz, de bem com
eles mesmos, totalmente presentes no Agora, dignos e perfeitos, tanto quanto
uma criatura sem mente pode ser. Eventualmente, no entanto, dois patos vão se
envolver em uma briga, algumas vezes sem nenhuma razão aparente ou porque um
pato penetrou no espaço particular do outro. A briga geralmente dura só alguns
segundos e então os patos se separam, nadam em direções opostas e batem suas
asas com força, por algumas vezes. Então continuam a nadar em paz, como se a
briga nunca tivesse acontecido. Quando observei isso pela primeira vez,
percebi, num relance, que ao bater as asas eles estavam soltando a energia
acumulada, evitando assim que ela ficasse aprisionada no corpo e se
transformado em negatividade. Isso é sabedoria natural. É fácil para eles
porque não têm uma mente para manter vivo o passado, sem necessidade, e então
construir uma identidade em volta dele.
Uma emoção negativa não poderia
também conter uma mensagem importante? Por exemplo, se me sinto deprimido com frequência,
será que pode ser um sinal de que existe alguma coisa errada com a minha vida e
isso pode me forçar a olhar para a minha situação de vida e fazer mudanças?
Poderia. As emoções negativas
repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre com as doenças.
Qualquer mudança que você faça, seja ela relacionada com seu trabalho, seus
relacionamentos ou seu ambiente, é apenas uma máscara, a menos que se origine
de uma mudança no seu nível de consciência. E até onde isso interessa, só pode
significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver alcançado um
certo grau de presença, não precisa mais da negatividade para lhe dizer o que é
necessário na sua situação de vida. Mas, enquanto a negatividade estiver lá,
utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar mais
presente.
Como impedimos que a negatividade
surja e como nos livramos dela, já que está lá?
Como já afirmei, você não deixa
que ela surja ao estar completamente presente. Não desanime. Ainda são poucas
as pessoas no planeta que conseguem manter um estado contínuo de presença,
embora algumas já estejam chegando bem perto. Acredito que logo serão muitas.
Sempre que perceber alguma forma
de negatividade crescendo dentro de você, não olhe para ela como um fracasso,
mas sim como um sinal que está lhe dizendo: “Acorde. Largue a sua mente. Esteja
presente”.
Existe um romance de Aldous
Huxley chamado A Ilha, escrito em seus últimos anos de vida, quando ele ficou
muito interessado nos ensinamentos espirituais. Conta a história de um homem
que naufragou perto de uma ilha isolada do resto do mundo. Essa ilha era
habitada por uma civilização especial. A coisa estranha sobre ela é que seus
habitantes, diferente do resto do mundo, eram sadios, de verdade. A primeira
coisa que o náufrago percebe são os papagaios multicoloridos empoleirados nas
árvores, que davam a impressão de estar repetindo as palavras “Atenção. Aqui e
agora. Atenção. Aqui e Agora”. Adiante, descobrimos que os habitantes da ilha
ensinaram essas palavras aos papagaios para que fossem sempre lembrados para
ficar presentes.
Portanto, sempre que sentir a
negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo, um
pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse uma voz
dizendo “Atenção. Aqui e Agora. Acorde”. Até mesmo a mais leve irritação é
significativa e precisa ser conhecida e observada. Do contrário, haverá um
aumento cumulativo de reações não observadas. Como afirmei anteriormente, você
pode descartá-la assim que perceber que não quer ter esse campo de energia no
seu interior e que ele não tem nenhum objetivo. Mas certifique-se de que você
se livrou completamente dela. Se não conseguir, simplesmente aceite que ela
está ali e concentre a sua atenção no sentimento.
Uma alternativa para descartar
uma reação negativa é fazê-la desaparecer ao imaginar a si mesmo se tornando
transparente para a causa externa da reação. Recomendo que você pratique
primeiro com as coisas do dia-a-dia. Vamos dizer que você esteja em casa. De
repente, vindo da rua, começa a soar um alarme insistente de carro. Surge uma
irritação. Qual é o objetivo dessa irritação? Nenhum até aqui. Por que você a criou?
Você não a criou. Quem criou foi a mente. Ela teve uma reação totalmente
automática, totalmente inconsciente. Por que a mente a criou? Porque ela
sustenta a crença inconsciente de que a resistência dela, que você absorve como
alguma forma de negatividade ou infelicidade, vai dissolver a condição
indesejada. Isso naturalmente é uma ilusão. A resistência que ela cria, nesse
caso a irritação ou raiva, é muito mais desagradável do que a causa original
que ela está tentando desfazer.
Tudo isso pode ser transformado
em prática espiritual. Sinta-se ficando transparente, sem a solidez de um corpo
material. Agora, permita que o barulho, ou o que estiver causando a emoção
negativa, passe através de você. Ele não está mais golpeando uma “parede”
sólida dentro de você. Como disse, pratique primeiro com as coisas simples. O
alarme do carro, o choro de uma criança, o barulho do tráfego. Em vez de ter
uma parede de resistência dentro de você, que é atingida de modo constante e
doloroso pelas coisas que “não deveriam estar acontecendo”, deixe que tudo
passe através de você.
Alguém diz alguma coisa grosseira
para ferir você. Em vez de desencadear uma reação inconsciente e uma
negatividade, como uma agressão, uma defesa, ou um retraimento, você deixa isso
passar através de você. Não ofereça resistência. É como se não existisse mais
ninguém ali para ser machucado. Isso é perdão. Nesse sentido, você se torna
invulnerável. Pode dizer a essa pessoa que o comportamento dela é inaceitável,
se você escolher fazer isso. Mas essa pessoa já não tem mais o poder de
controlar o seu estado interior. Você passa a estar em seu poder – não mais em
poder de alguém, nem sob o governo da mente. Quer seja um alarme de carro, uma
pessoa grosseira, uma inundação, um terremoto, ou a perda de todos os seus
bens, o mecanismo de resistência é o mesmo.
Pratico a meditação, frequento
seminários, leio muito sobre espiritualidade, em busca de um estado de
não-resistência. Mas, se você me perguntar se encontrei a verdadeira paz interior,
minha resposta teria que ser “não”. Por que não a encontrei? O que mais posso
fazer?
Você ainda está procurando lá
fora e não consegue escapar do modo de busca. Talvez o próximo seminário lhe
traga a resposta, talvez aquela nova técnica. Diria a você: não busque a paz.
Não busque nenhum outro estado além daquele em que você está agora, do
contrário, vai criar um conflito interno e uma resistência inconsciente. Perdoe
a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você aceitar completamente a
sua intranquilidade, ela se transformará em paz. Qualquer coisa que você aceite
completamente vai lhe levar até lá, vai levar você até a paz. Esse é o milagre
da entrega.
=Pausa=
Você já deve ter ouvido a frase
“dê a outra face”, que um grande mestre da iluminação empregou há dois mil
anos. Ele estava tentando transmitir simbolicamente o segredo da
não-resistência e da não-reação. Nessas palavras, como em todas as que
proferiu, ele estava preocupado apenas com a nossa realidade interior, não com
a conduta externa da nossa vida.
Você conhece a história de
Banzan? Antes de se tornar um grande mestre zen, ele passou muitos anos
perseguindo a iluminação, mas ela o iludia. Então, um dia, enquanto andava pelo
mercado, ouviu uma conversa entre um açougueiro e seu freguês. “Me dê o melhor
pedaço de carne que você tem aí”, disse o freguês. E o açougueiro respondeu:
“Todo pedaço de carne que tenho é o melhor. Não há nenhum pedaço de carne aqui
que não seja o melhor”. Depois de ouvir isso, Banzan se tornou iluminado. Posso
ver você esperando alguma explicação. Quando aceitamos o que é, todo pedaço de
carne – todo momento – é o melhor. Isso é iluminação.
A natureza da compaixão
Tendo ultrapassado as fronteiras
construídas pela mente, você passa a ser como um lago profundo. Sua situação de
vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do lago, às vezes
calmo, às vezes cheio de ondas por causa do vento, conforme os períodos e as
estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno. Você é esse lago por
inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a sua própria
profundidade, que permanece absolutamente serena. Você não reage a uma mudança
ao se apegar mentalmente a qualquer situação. A sua paz interior não depende
dela. Você se fixa no Ser – imutável, eterno, imortal – e não é mais dependente
da satisfação ou da felicidade do mundo exterior, das formas constantemente
flutuantes. Você pode desfrutá-las, brincar com elas, criar novas formas,
apreciar a beleza de todas. Mas não tem mais necessidade de se apegar a nenhuma
delas.
Quando você consegue se
desprender desse jeito, não significa que também se distancia dos outros seres
humanos?
Pelo contrário. Enquanto você não
está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos vai causar uma
ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente vai gostar ou
não da forma deles, não só do corpo, mas também da mente deles. O verdadeiro
relacionamento só é possível quando existe uma consciência do Ser. A partir do
Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma
tela, por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você
sente a sua. Assim, ao se confrontar com o sofrimento de outra pessoa ou com um
comportamento inconsciente, você fica presente e em contato com o Ser e, desse
modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da outra
pessoa. No nível do Ser, todo sofrimento é visto como uma ilusão, uma consequência
da identificação com a forma. Milagres de cura às vezes acontecem através dessa
descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros – se
estiverem prontos.
Isso é compaixão?
Sim. A compaixão é a consciência
de uma forte ligação entre você e todas as criaturas. Mas existem dois lados da
compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como ainda estamos aqui como
um corpo físico, partilhamos a vulnerabilidade e a mortalidade da nossa forma
física com todos os outros seres humanos e todos os seres vivos. Na próxima vez
que disser “Não tenho nada em comum com essa pessoa”, lembre-se de que você tem
muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos – dois ou setenta, não faz muita
diferença –, os dois terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada
restará. Isso é uma percepção humilde e sensata que não deixa muito espaço para
o orgulho. Isso é um pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar
os olhos para isso? Nesse sentido há uma completa igualdade entre você e todas
as outras criaturas.
Uma das mais poderosas práticas
espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das formas físicas,
inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra. Vá fundo nisso. A
sua forma física está se dissolvendo, é nada. Então surge um momento quando
todas as formas mentais ou pensamentos também morrem. Mas você ainda está lá –
a presença divina que você é, radiante, completamente consciente. Nada que é
real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.
=Pausa=
A realização dessa dimensão
eterna, a nossa verdadeira natureza, é o outro lado da compaixão. Em um nível
mais profundo, podemos reconhecer agora não só a nossa própria imortalidade,
mas também a de todas as outras criaturas. No nível da forma, partilhamos a
mortalidade e a precariedade da existência. No nível do Ser, partilhamos a vida
eterna e radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os
sentimentos de tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só
e se transformam em uma profunda paz interior. Isso é a paz de Deus. É um dos
mais nobres sentimentos de que os homens são capazes e possui um grande poder
de cura e transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever,
ainda é rara. Ter uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um
alto nível de consciência, mas representa apenas um lado da compaixão. Não é
completo. A verdadeira compaixão vai além da empatia ou da simpatia. Não
acontece até que a tristeza se misture com a alegria, a alegria do Ser além da
forma, a alegria da vida eterna.
Em direção a uma ordem de
realidade diferente
Não concordo que o corpo precise
morrer. Estou convencido de que podemos obter a imortalidade física.
Acreditamos na morte e é por isso que o corpo morre.
O corpo não morre porque
acreditamos na morte. O corpo existe, ou assim parece, porque acreditamos na
morte. O corpo e a morte são partes da mesma ilusão, criada pelo modo egóico de
consciência, que não tem percepção da Fonte da vida e vê a si mesmo como uma
coisa separada e sob constante ameaça. Assim, ele cria a ilusão de que somos um
corpo, um veículo físico e sólido, que está sob uma constante ameaça.
A ilusão está em percebermos a
nós mesmos como um corpo vulnerável, que nasce e pouco depois morre. Corpo e morte:
uma ilusão. Um não existe sem o outro. Queremos manter um lado da ilusão e nos
livrarmos do outro, mas isso é impossível.
Entretanto, você não pode escapar
do corpo, nem tem de fazer isso. O corpo é uma percepção incrivelmente
distorcida da nossa verdadeira natureza. Mas a nossa verdadeira natureza está
disfarçada em algum lugar dentro dessa ilusão, não do lado de fora, portanto o
corpo ainda é o único ponto de acesso a ela.
Se você vê um anjo, mas o
confunde com uma estátua de pedra, tudo o que você precisa fazer é adaptar a
sua visão e olhar mais de perto para a “estátua de pedra”, e não olhar para
outro lado. Você então percebe que aquilo nunca foi uma estátua de pedra.
Se a crença na morte cria o
corpo, por que um animal tem corpo? Um animal não tem um ego e não acredita na
morte...
Mas ele morre, ou parece que
morre.
Lembre-se de que a nossa
percepção do mundo é um reflexo do nosso estado de consciência. Não estamos
separados dele e não há um mundo objetivo fora dele. A cada momento, a nossa
consciência cria o mundo em que habitamos. Um dos maiores insights que a física
moderna teve foi o da unidade entre o observador e o observado: a pessoa que
conduz a experiência – a consciência observadora – não pode ser separada dos
fenômenos observados, e uma nova maneira de olhar leva os fenômenos observados
a se comportarem de maneira diferente. Se você acredita na separação e na luta
pela sobrevivência, vê essa crença refletida à sua volta e as suas percepções
acabam sendo governadas pelo medo. Você vive num mundo de morte, lutas, uns
atacando e matando os outros.
Nada é o que parece ser. O mundo
que você criou e vê através da mente pode parecer um lugar bem imperfeito, até
mesmo um vale de lágrimas. Mas o que quer que você perceba é somente uma
espécie de símbolo, como uma imagem em um sonho. É o jeito pelo qual a sua
consciência interpreta e interage com a dança de energia molecular do universo.
Essa energia é o material bruto da assim chamada realidade física. Você a vê em
termos de corpos e de nascimento e morte, ou como uma luta pela sobrevivência.
Existe um número infinito de interpretações diferentes, de mundos completamente
diferentes, tudo dependendo do que a consciência percebe. Cada ser é um ponto
focal da consciência e cada ponto focal cria o seu próprio mundo, embora todos
esses mundos se interliguem. Existe um mundo humano, um mundo das formigas, um
mundo dos golfinhos, etc. Existem incontáveis seres cuja frequência de
consciência é tão diferente da nossa que provavelmente não temos consciência da
existência deles, assim como eles não têm da nossa. Seres altamente conscientes
da ligação que mantêm com a Fonte habitam um mundo que para nós pareceria com
um domínio celeste. Mas ainda assim todos os mundos são basicamente um só.
No momento em que a consciência
humana coletiva tiver se transformado, a natureza e o reino animal irão
refletir essa transformação. Aqui está a afirmação da Bíblia de que no futuro
“o leão vai se deitar ao lado da ovelha”. Isso aponta para a possibilidade de
um ordenamento da realidade completamente diferente.
O mundo tal qual se apresenta
para nós é em grande parte um reflexo da mente. Sendo o medo uma consequência
inevitável da ilusão criada pelo ego, é um mundo dominado pelo medo. Assim como
as imagens em um sonho são símbolos dos estados interiores e dos sentimentos,
assim a nossa realidade coletiva é uma expressão simbólica do medo e das
pesadas camadas de negatividade até agora acumuladas na psique coletiva humana.
Não estamos separados do nosso mundo, então, quando a maioria dos humanos se
tornar livre da ilusão egóica, essa mudança interior vai afetar toda a criação.
Vamos, literalmente, viver em um novo mundo. É uma mudança na consciência do
planeta. O estranho ensinamento budista que toda árvore e toda folha de grama
irão finalmente se tornar iluminadas aponta para a mesma verdade. De acordo com
São Paulo, toda a criação está à espera de que os homens obtenham a iluminação.
É assim que interpreto suas palavras: “A criação aguarda, com impaciência, a
revelação dos filhos de Deus”. São Paulo diz que todo o universo vai se redimir
através disso, ao escrever: “Sabemos, com efeito, que a criação inteira geme,
ainda agora, com as dores do parto”.
O que está nascendo é uma nova
consciência e, como um reflexo inevitável, um novo mundo. Isso também está
relatado no Livro das Revelações do Novo Testamento: “Vi, então, um novo Céu e
uma nova Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra desapareceram...”
Mas não confunda causa e efeito.
Nossa primeira tarefa não é buscar a salvação através da criação de um mundo melhor,
mas sim despertar da nossa identificação com a forma. Não estamos mais presos a
este mundo, a este nível de realidade. Podemos sentir nossas raízes no Não
Manifesto e assim estamos livres do apego ao mundo manifesto. Ainda podemos
desfrutar os prazeres passageiros deste mundo, mas não somos mais escravos
dessas experiências, não estamos mais em busca de satisfação através de uma
gratificação psicológica, através da alimentação do ego. Não temos mais medo de
perder alguma coisa, portanto não precisamos nos apegar a este mundo. Estamos
em contato com algo infinitamente maior do que qualquer prazer, maior do que
qualquer coisa manifesta. Em um certo sentido, não precisamos mais do mundo e
nem mesmo que ele seja diferente do que é.
É neste ponto que você começa a
dar uma contribuição real para criar um mundo melhor, uma nova realidade. É
neste ponto que você se torna capaz de sentir a verdadeira compaixão e de
ajudar os outros. Somente aqueles que transcenderam o mundo conseguem criar um
mundo melhor.
Você deve lembrar que já falamos
sobre a dualidade da verdadeira compaixão, que é a percepção de uma ligação
tanto com a mortalidade quanto com a imortalidade. Nesse nível profundo, a
compaixão se torna um remédio no sentido mais amplo. Nesse estado, a sua influência
curativa se baseia não no fazer, mas no ser. Todas as pessoas com quem você
mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você
emana, quer elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver inteiramente
presente e as pessoas à sua volta tiverem um comportamento inconsciente, você
não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão grande e profunda que
tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido. Isso
quebra o ciclo cármico de ação e reação. Os animais, as árvores, as flores vão
sentir a sua paz e reagir a ela. Você ensinará através do ser, através da
demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a “luz do mundo”, uma emanação
da pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento. Você eliminará a
inconsciência do mundo.
=Pausa=
Isso não significa que você não
possa também ensinar através da ação – por exemplo, ao apontar como se
desidentificar da mente, reconhecer padrões inconscientes no interior de
alguém, etc. Mas quem você é será sempre um ensinamento transformador do mundo
mais vital e mais poderoso do que o que você disser, e até mais essencial do
que o que você fizer. Além disso, reconhecer a primazia do Ser – e assim
trabalhar no nível da causa – não exclui a possibilidade de que a sua compaixão
possa simultaneamente se manifestar no nível da ação e do efeito, ao aliviar o
sofrimento sempre que você o encontrar. Quando alguém faminto lhe pedir pão e
você tiver, você vai dar. Mas, ao dar o pão, mesmo que o seu contato seja muito
breve, o mais importante será esse momento do Ser partilhado, do qual o pão é
apenas um símbolo. Uma cura profunda se instala internamente. Nesse momento,
não há doador nem receptor.
Como podemos criar um mundo
melhor sem acabar primeiro com grandes males, como a fome e a violência?
Todos os males são efeito da
inconsciência. Podemos aliviar os efeitos da inconsciência, mas não podemos
eliminá-los, a menos que eliminemos sua causa. A verdadeira transformação
acontece no interior, não no exterior.
Querer aliviar o sofrimento do
mundo é uma coisa muito nobre, mas lembre-se de não se concentrar
exclusivamente no exterior, do contrário você vai sentir frustração e
desespero. Sem uma profunda mudança na consciência humana, o sofrimento é um
buraco sem fundo. Portanto, não permita que a sua compaixão se torne
unilateral. A empatia com o sofrimento do outro e o desejo de ajudar devem ser
equilibrados com uma profunda percepção da natureza eterna de todas as coisas e
com a consciência do aspecto ilusório de todos os sofrimentos. Permita que a
sua paz inunde tudo o que você fizer e estará atuando sobre o efeito e a causa
ao mesmo tempo.
Se quiser impedir que os seres
humanos destruam uns aos outros e acabem com o planeta, lembre-se de que, assim
como não consegue combater a escuridão, você também não pode combater a
inconsciência. Se tentar fazer isso, a oposição polar vai se tornar fortalecida
e mais profundamente arraigada. Você vai se identificar com uma das
polaridades, vai criar um “inimigo” e será conduzido ao seu eu interior
inconsciente. Eleve a consciência ao disseminar a informação, ou melhor,
pratique a resistência passiva. Mas tenha a certeza de que você não carrega
nenhuma resistência interior, nenhum ódio, nenhuma negatividade. “Ame os seus
inimigos”, disse Jesus. O que, obviamente, significa: não tenha inimigos.
Uma vez que você se envolva em
atuar no nível do efeito, é muito fácil se perder dentro dele. Fique alerta e
muito, muito presente. A causa tem de permanecer o seu foco inicial; o ensinamento
da iluminação, o seu propósito principal, e a paz, o seu mais precioso presente
para o mundo.
Capítulo
dez
O
SIGNIFICADO DA ENTREGA
A aceitação do Agora Você
mencionou a palavra “entrega” algumas vezes. Essa ideia não me agrada. Soa um
pouco fatalista. Se aceitarmos sempre as coisas como elas são, não vamos fazer
nenhum esforço para melhorá-las. Para mim, o significado de progresso, tanto em
nossa vida pessoal quanto em coletividade, é não aceitarmos as limitações do
presente e nos empenharmos para ir além, para superá-las e criar coisas
melhores. Se não tivéssemos agido assim, ainda estaríamos vivendo em cavernas.
Como conciliar essa entrega com a mudança e a realização das coisas?
Para muitas pessoas, a entrega
talvez tenha conotações negativas, como uma derrota, uma desistência, uma
incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa letargia, etc. A
verdadeira entrega, entretanto, é algo completamente diferente. Não significa
suportar passivamente uma situação qualquer que nos aconteça e não fazer nada a
respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter confiança para começar algo
novo.
A entrega é a sabedoria simples
mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da vida. O único
lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora. Isso significa que se
entregar é aceitar o momento presente sem restrições e sem nenhuma reserva. É
abandonar a resistência interior àquilo que é. A resistência interior acontece
quando dizemos “não” para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de
uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas “vão
mal”, o que significa que há um espaço entre as exigências ou expectativas
rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do sofrimento. Se você
já tiver vivido bastante tempo, certamente saberá que as coisas “vão mal” com
muita frequência. É precisamente nesses momentos em que a entrega tem de ser praticada,
caso queiramos eliminar o sofrimento e as mágoas da nossa vida. A aceitação
daquilo que é nos liberta imediatamente da identificação com a mente e nos
religa com o Ser. A resistência é a mente.
A entrega é um fenômeno puramente
interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa no campo
exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação completa que temos
de aceitar quando falo de entrega, mas apenas o segmento minúsculo chamado o
Agora.
Por exemplo, se você estiver atolado
na lama, não tem de dizer: “Está bem, me conformo de estar atolado nessa lama”.
Resignação não quer dizer entrega. Você não precisa aceitar uma situação
indesejável ou desagradável na sua vida. Nem precisa se iludir e dizer que não
tem nada errado em estar atolado na lama. Nada disso. Você tem completa
consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção ao momento
presente, sem atribuir a essa situação nenhum rótulo mental. Isso significa que
não existe nenhum julgamento do Agora. Em consequência, não existe nenhuma
resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a “existência” do
momento. A seguir, toma uma – 119 – atitude e faz tudo o que puder para sair da
lama. Chamo essa atitude de ação positiva. Funciona muito mais do que uma ação
negativa, que decorre da raiva, do desespero ou da frustração. Até que alcance
o resultado desejado, você continua a praticar a entrega ao se abster de
rotular o Agora.
Vou fazer uma analogia visual
para ilustrar o ponto que estou sustentando. Você está andando por uma estrada
à noite, com uma neblina cerrada, mas possui uma lanterna potente que corta a
neblina e cria um espaço estreito e nítido na sua frente. A neblina é a sua
situação de vida, que inclui o passado e o futuro. A lanterna é a sua presença
consciente, e o espaço nítido é o Agora.
Não se entregar endurece a forma
psicológica, a casca do ego, e assim cria uma forte sensação de separação. O
mundo e as pessoas à sua volta passam a ser vistos como ameaças. Surge uma
compulsão inconsciente para destruir os outros através do julgamento e uma
necessidade de competir e dominar. Até mesmo a natureza vira sua inimiga e o
medo passa a governar a sua percepção e a interpretação das coisas. A doença
mental conhecida como paranóia é apenas uma forma ligeiramente mais aguda desse
estado normal, embora disfuncional, da consciência.
A resistência faz com que tanto a
sua mente quanto o seu corpo fiquem mais “pesados”. A tensão se manifesta em
diferentes partes do corpo, que se contrai para se defender. O fluxo de energia
vital, essencial para o funcionamento saudável do corpo, fica prejudicado.
Algumas formas de terapia corporal podem ser úteis para restaurar esse fluxo,
mas a menos que você pratique a entrega na sua vida diária, essas coisas só
podem lhe proporcionar um alívio temporário, porque a causa, o padrão de
resistência, não foi ainda dissolvida.
Porém, existe alguma coisa dentro
de você que não é afetada pelas circunstâncias transitórias que constroem a sua
situação de vida e a que você só tem acesso através da entrega. Trata-se da sua
vida, do seu próprio Ser, que existe no eterno domínio do presente. Encontrar
essa vida é “a única coisa necessária” de que Jesus falava.
=Pausa=
Se a sua situação de vida é
insatisfatória ou mesmo intolerável, somente através da entrega você vai
conseguir quebrar o padrão inconsciente de resistência, que permite a
permanência dessa situação.
A entrega é perfeitamente
compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir objetivos.
Mas, no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui naquilo que
fazemos. A entrega nos religa com a fonte de energia do Ser, e, se as nossas
ações estiverem impregnadas com o Ser, elas se tornam uma alegre celebração da
energia da vida, que nos aprofunda cada vez mais no Agora. Através da
não-resistência, a qualidade da nossa consciência, e, portanto, a qualidade do
que estivermos fazendo ou criando, aumenta sem medidas. Os resultados vão falar
por si mesmos e refletir essa qualidade. Podemos chamar isso de “ação de
entrega”. Não é um trabalho tal como nós conhecemos por milhares de anos. À
medida que mais seres humanos despertarem, a palavra trabalho vai desaparecer
do nosso vocabulário e talvez seja criada uma nova palavra para substituí-la.
A qualidade da sua consciência
neste momento é que vai determinar o tipo de futuro que você vai viver.
Portanto, entregar-se é a coisa mais importante que você pode fazer para
provocar uma mudança positiva. Qualquer outra coisa que você fizer será secundária.
Nenhuma ação positiva pode surgir de um estado de consciência onde não existe
entrega.
Consigo entender que, se estou em
uma situação desagradável ou insatisfatória e aceito o momento como ele se
apresenta, não haverá nenhum sofrimento ou infelicidade. Terei passado por cima
deles. Mas ainda não entendo de onde poderia se originar a energia para
provocar uma mudança, sem que existisse uma certa dose de insatisfação.
No estado de entrega, você vê
claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de
cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez. Aprenda com a natureza.
Veja como todas as coisas se realizam e como o milagre da vida se desenrola sem
insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus disse: “Olhai os lírios do campo,
como eles crescem; não trabalham nem fiam”.
Se a sua situação geral é
insatisfatória ou desagradável, separe esse instante e entregue-se ao que é.
Eis aqui a lanterna cortando através da neblina. O seu estado de consciência
deixa então de ser controlado pelas condições externas. Você não age mais a
partir de uma resistência ou de uma reação.
Olhe para uma situação específica
e pergunte-se: “Existe alguma coisa que eu possa fazer para mudar essa
situação, melhorá-la ou me retirar dela?” Se houver, você toma a atitude
adequada. Não se prenda às mil coisas que você vai ter que fazer em algum tempo
futuro, mas na única coisa que você pode fazer agora. Isso não significa que
você não deva traçar um plano. Planejar talvez seja a única coisa que você possa
fazer agora. Mas certifique-se de que você não vai começar a rodar “filmes
mentais”, se projetar no futuro e, assim, perder o Agora. Talvez a atitude que
você tomar não dê frutos imediatamente. Até que ela dê, não resista ao que é.
Se não houver nada que possa fazer e você também não puder escapar da situação,
use isso para poder ir mais fundo na entrega, mais fundo no Agora, mais fundo
no Ser. Quando entra nessa eterna dimensão do presente, a mudança sempre
acontece por caminhos estranhos, sem a necessidade de uma grande quantidade de
atitudes da sua parte. A vida se torna proveitosa e cooperativa. Se fatores
internos como o medo, a culpa ou a indolência impedem você de tomar uma
atitude, eles vão se dissolver na luz da sua presença consciente.
Não confunda entrega com uma
atitude do tipo “não ligo mais para nada”. Essas atitudes estão cheias de
negatividade na forma de um ressentimento oculto, portanto não se trata de
entrega mas de uma resistência disfarçada. Ao se entregar, dirija a sua atenção
para dentro para verificar se existe algum traço de resistência que tenha
ficado no seu interior. Fique bem alerta ao fazer isso, do contrário um resíduo
de resistência pode ter ficado escondido em algum cantinho escuro, na forma de
um pensamento ou de uma emoção desconhecida.
Da energia da mente para a
energia espiritual
Livrar-se da resistência não é
uma tarefa fácil. Continuo sem saber como fazer isso.
Comece por admitir que é
resistência. Esteja lá quando a resistência aparecer. Observe de que modo a sua
mente a cria, que nome dá à situação, a você mesmo, ou aos outros. Observe o
processo de pensamento envolvido. Sinta a energia da emoção. Ao testemunhar a
resistência, você vai verificar que ela não tem nenhum propósito. Ao focalizar
toda a sua atenção no Agora, a resistência inconsciente passa a ser consciente,
e isso é o fim dela. Você não pode estar infeliz e consciente. Se há
infelicidade, negatividade ou qualquer forma de sofrimento, significa que
existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente.
Eu tenho certeza de que posso
estar consciente da minha infelicidade.
Você escolheria a infelicidade?
Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem a está
mantendo viva? Você diz que está consciente da sua infelicidade, mas a verdade
é que você está identificado com ela e mantém vivo esse processo de
identificação, através de um pensamento compulsivo. Tudo isso é inconsciência.
Se você estivesse consciente, quer dizer, totalmente presente no Agora, toda a
negatividade iria se dissolver quase instantaneamente. Ela não conseguiria
sobreviver na sua presença. Só consegue sobreviver na sua ausência. Nem mesmo o
sofrimento consegue sobreviver muito tempo diante da presença. Você mantém a
infelicidade viva quando dá tempo a ela. Esse é o sangue dela. Remova o tempo,
concentrando uma percepção intensa no momento presente, e ela morre. Mas você
quer mesmo que ela morra? Você já teve mesmo o bastante dela? Quem você seria
sem ela?
Até que você pratique a entrega,
a dimensão espiritual é algo a respeito do que você já leu, ouviu falar,
escreveu, pensou, acreditou ou não. Não faz diferença. Não até que a entrega
tenha se tornado uma realidade em sua vida. No momento da entrega, a energia
que você desprende e que passa a governar sua vida é de uma freqüência
vibracional muito maior do que a energia da mente, que ainda governa as
estruturas sociais, políticas e econômicas da nossa civilização e que se
perpetua através da propaganda e dos sistemas educacionais. Através da entrega,
a energia espiritual penetra nesse mundo. Ela não gera sofrimento para você,
para outros seres humanos ou para qualquer outra forma de vida no planeta. Ao
contrário da energia da mente, ela não polui a terra e não está sujeita à lei
das polaridades, que diz que nada pode existir sem o seu oposto e que não pode
haver o bem sem o mal. Aqueles que continuam dominados pela mente – a grande
maioria da população – não percebem a existência da energia espiritual. Ela
pertence a uma outra ordem e vai criar um mundo diferente quando um número
suficiente de seres humanos entrar no estado de entrega e se tornar totalmente
livre da negatividade. Se a Terra sobreviver, essa será a energia daqueles que
a habitarem.
Jesus se referiu a essa energia
quando proferiu seu famoso e profético Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os
mansos porque herdarão a Terra”. É uma presença silenciosa mas intensa, que
dissolve os padrões inconscientes da mente. Eles podem até permanecer ativos
por um tempo, mas não vão mais governar a sua vida. As condições externas, que
apresentavam uma resistência, também tendem a mudar ou a se dissolver através
da entrega. Essa energia é um poderoso agente transformador de situações e de
pessoas. Caso as condições não mudem imediatamente, a sua aceitação do Agora
permite que você se coloque acima delas. De qualquer forma, você está livre.
A entrega nos
relacionamentos pessoais
E quanto às pessoas que querem me
usar, manipular ou controlar? Tenho de me entregar a elas?
Elas estão isoladas do Ser e
tentam inconscientemente sugar sua força e energia. Somente alguém inconsciente
vai tentar usar ou manipular os outros, mas também é verdade que apenas as
pessoas inconscientes podem ser usadas e manipuladas. Se você reage ou se opõe
ao comportamento inconsciente dos outros, também fica inconsciente. Porém, a
entrega não significa uma permissão para que pessoas inconscientes usem você.
De jeito nenhum. É possível dizer “não” de modo firme e claro para alguém e, ao
mesmo tempo, permanecer em um estado de não resistência interior. Ao dizer
“não” a uma pessoa ou situação, você não deve reagir, mas sim agir de acordo
com um insight, uma firme convicção do que é certo ou errado para você naquele
momento. Permita que isso seja um “não” sem reação, um “não” de alta qualidade,
um “não” livre de toda a negatividade e, desse modo, não gere mais sofrimento.
Estou passando por uma situação
desagradável no trabalho. Tentei me entregar a ela, mas achei impossível. Uma
grande dose de resistência continua a aparecer.
Se você não consegue se entregar,
aja imediatamente. Fale ou faça alguma coisa para provocar uma mudança na
situação, ou se afaste dela. Seja responsável pela sua vida. Não polua o seu
lindo e radiante Ser interior com negatividade. Não transmita infelicidade, nem
deixe que ela crie um lugar dentro de você.
A não-resistência também deve
regular nossa conduta externa, como por exemplo uma não-resistência à
violência, ou é algo que só interessa à nossa vida interior?
Você só precisa se preocupar com
o aspecto interno. Isso é fundamental. É claro que ele vai acabar modificando
suas atitudes externas, seus relacionamentos, etc.
Seus relacionamentos vão mudar
profundamente através da entrega. Se você nunca consegue aceitar o que é,
conseqüentemente não é capaz de aceitar qualquer pessoa do jeito que ela é.
Você está sempre julgando, criticando, rotulando, rejeitando ou tentando mudar
as pessoas. Além disso, se continuar a transformar o Agora em um meio para
atingir um fim no futuro, também vai considerar as pessoas com quem se
relaciona como um meio para atingir um objetivo. O relacionamento, o ser
humano, passa a ter uma importância secundária para você, ou mesmo nenhuma
importância. O que vale é o que você consegue extrair do relacionamento: um
ganho material, uma sensação de poder, um prazer físico, ou alguma forma de
gratificação do ego.
Deixe-me ilustrar como a entrega
pode agir nos relacionamentos. Quando se envolver em uma discussão ou um
conflito com um sócio ou um amigo, observe como você se coloca na defensiva
quando a sua própria posição é atacada, sinta a potência da sua própria
agressão ao atacar a posição da outra pessoa. Observe o apego aos seus pontos
de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua
necessidade de ter razão e de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa
é a energia da mente. Você a torna consciente ao reconhecê-la, ao senti-la o
mais completamente possível. De repente, no meio de uma discussão, você
descobre que pode fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só
para ver o que acontece. Você se entrega. Não quero dizer abrir mão da sua
reação verbalmente dizendo “está bem, você tem razão”, com um ar no rosto que
diz “estou acima de toda essa inconsciência infantil”. Isso é apenas deslocar a
resistência para um outro nível, com a mente ainda no comando, considerando-se
superior. Estou falando de abandonar todo o campo de energia mental e emocional
que estava disputando o poder dentro de você.
O ego é esperto, portanto, você
tem de estar alerta, presente e ser 100 por cento honesto consigo mesmo para
verificar se abandonou realmente sua identificação com uma posição mental e se
libertou, assim, da sua mente. Se você se sentir leve, livre e profundamente em
paz, é sinal de que você se entregou completamente. Observe então o que
acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não mais a energiza ao
oferecer resistência. Quando abrimos mão da identificação com as nossas
posições mentais, começa a verdadeira comunicação.
E quanto à não-resistência diante
da violência?
Não-resistência não significa
necessariamente não fazer nada. Significa que qualquer “fazer” se toma
não-reação. Lembre-se da profunda sabedoria implícita na prática das artes
marciais orientais: não ofereça resistência à força opositora. Submeta-se para
superá-la.
Tendo estabelecido isso, “não
fazer nada” quando estamos em um estado de intensa presença é um poderoso
transformador e curador de situações e de pessoas. No taoísmo, existe a
expressão wu wei, que é comumente traduzida por “atividade sem ação” ou
“sentarse silenciosamente sem fazer nada”. Na antiga China, isso era
considerado como uma das mais elevadas conquistas ou virtudes. É radicalmente
diferente da inatividade, no estado comum da consciência, ou melhor, da
inconsciência, que tem raízes no medo, na indolência ou na indecisão. O
verdadeiro “fazer nada” implica uma não-resistência interior e um intenso
estado de alerta.
Por outro lado, caso haja
necessidade de ação, você não vai mais reagir a partir da sua mente
condicionada, mas vai responder a uma situação com a sua presença consciente.
Nesse estado, a mente é livre de conceitos, incluindo o conceito da
não-violência. Então, quem pode prever o que você vai fazer?
O ego acredita que a nossa força
reside em nossa resistência, quando, na verdade, a resistência nos separa do
Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo
disfarçados de força. O que o ego vê como fraqueza é o Ser em sua pureza,
inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza. Assim, o ego existe num
modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos para encobrir a
“fraqueza”, que, na verdade, é o nosso poder.
Até que haja a entrega, a
representação inconsciente de determinados papéis se constitui em grande parte
da interação humana. Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das
falsas máscaras. Passamos a ser muito simples, muito reais. “Isso é perigoso”,
diz o ego. “Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável”. O ego não sabe, é
claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos
vulneráveis, é que podemos descobrir a nossa verdadeira e fundamental
invulnerabilidade.
Transformando a doença em
iluminação
Se alguém está seriamente doente
e aceita a doença, será que não estaria abrindo mão de sua vontade de recuperar
a saúde? Ainda teria determinação para combater a doença?
A entrega é a aceitação interior
daquilo que é, sem nenhuma condição. Estamos falando sobre a sua vida, este
momento, e não sobre as condições ou circunstâncias da sua vida, não daquilo
que eu chamo situação de vida. Já tratamos desse assunto.
As doenças fazem parte da nossa
situação de vida. Assim, possuem um passado e um futuro. O passado e o futuro
formam um contínuo sem interrupção, a menos que o poder redentor do Agora seja
ativado através da nossa presença consciente. Como você sabe, por baixo das
várias condições que constituem a nossa situação de vida, que existe no tempo,
há uma coisa mais profunda, mais essencial: a sua Vida, o seu próprio Ser
dentro do eterno Agora.
Como não existem problemas no
Agora, as doenças também não existem. Acreditar em um rótulo que alguém confere
às nossas condições fortalece-as e constrói uma realidade aparentemente sólida
em torno de um desequilíbrio temporário. Isso não só confere realidade e
solidez, mas também uma continuidade no tempo que não havia antes. Ao se
concentrar neste instante e evitar rotular a doença mentalmente, ela se reduz a
um dos seguintes fatores: sofrimento físico, fraqueza, desconforto ou
invalidez. É a isso que você se entrega, agora. Você não se entrega à ideia da
“doença”. Deixe o sofrimento trazer você para o momento presente, para um
estado de presença intensa consciente. Use-o para a iluminação.
A entrega não transforma aquilo
que é, ao menos não diretamente. A entrega transforma você. Quando você estiver
transformado, todo o seu mundo fica transformado, porque o mundo é somente um
reflexo. Se você se olha no espelho e não gosta do que vê, tem que ter
enlouquecido para agredir a imagem no espelho. É exatamente assim que você age
quando está em um estado de não-aceitação. E, naturalmente, se você agride a
imagem, ela ataca você de volta. Se você aceita a imagem, não importa qual ela
seja, se tem uma postura amigável em relação a ela, a imagem não consegue não
se tornar amigável em relação a você. É dessa forma que você consegue mudar o
mundo.
A doença não é o problema. Você é
o problema, enquanto a mente estiver no controle. Quando você estiver doente ou
incapacitado, não sinta que fracassou de alguma forma, não sinta culpa de nada.
Não culpe a vida por tratar você tão mal, mas também não se culpe de nada. Tudo
isso é resistência. Se você tem uma doença grave, use-a para alcançar a
iluminação. Use qualquer coisa ruim que acontecer na sua vida para alcançar a
iluminação. Retire o tempo da doença. Não dê a ela nenhum passado ou futuro.
Deixe-a forçar você para a percepção intensa do momento presente. E veja o que
acontece.
Torne-se um alquimista.
Transforme o metal em ouro, o sofrimento em consciência, a infelicidade em
iluminação.
Você está gravemente doente e
sentindo raiva do que acabei de dizer? Então esse é um sinal claro de que a
doença se tornou parte do seu sentido de eu interior e que, neste momento, você
está protegendo a sua identidade e também protegendo a doença. A circunstância
que foi rotulada de “doença” não tem nada a ver com quem você realmente é.
Quando a infelicidade
ataca
No que diz respeito à maioria da
população ainda inconsciente, somente uma situação crítica tem o potencial de
quebrar a dura casca do ego e forçar as pessoas a uma entrega e, desse modo, a
um estado iluminado. Uma situação-limite surge quando uma infelicidade, uma mudança
drástica, uma perda ou sofrimento profundo despedaça todo o mundo da pessoa,
tornando-o sem sentido. É um encontro com a morte, seja ela física ou
psicológica. A mente, a criadora desse mundo, entra em colapso. Das cinzas
desse velho mundo, um novo mundo pode, então, passar a existir.
Não existe nenhuma garantia de
que uma situação-limite vai fazer isso acontecer, mas o potencial está sempre
ali. A resistência de algumas pessoas àquilo que é pode até aumentar em uma
situação como essa, tornando a vida um inferno. Outras pessoas podem se
entregar parcialmente, mas mesmo isso vai lhes dar uma profundidade e uma
serenidade que elas não tinham antes. A casca do ego se quebra em alguns pontos
e isso permite que pequenas porções de esplendor e de paz brilhem.
As situações-limite têm produzido
muitos milagres. Muitos assassinos que estavam no corredor da morte à espera da
execução experimentaram, em suas últimas horas de vida, uma existência
dissociada do ego e a profunda paz e alegria que a acompanham. A resistência
interior à situação em que se encontravam se tornou tão intensa que produziu um
sofrimento insuportável, e não havia nenhum lugar para onde correr e nada a
fazer para escapar dela, nem mesmo um projeto da mente para o futuro. Assim,
eles foram forçados a uma completa aceitação do inaceitável. Foram forçados à
entrega. Nesse sentido, foram capazes de penetrar no estado de graça que traz a
redenção: uma libertação completa do passado. Não é a situação-limite que dá
espaço ao milagre da graça e da redenção, mas sim o ato de entrega.
Portanto, sempre que acontecer
uma desgraça ou alguma coisa de ruim em sua vida – uma doença, a perda da casa,
do patrimônio ou de uma posição social, o rompimento de um relacionamento
amoroso, a morte ou o sofrimento por alguém, ou a proximidade da sua própria
morte –, saiba que existe um outro lado e que você está a apenas um passo de
distância de algo inacreditável: uma completa transformação alquímica da base
de metal da dor e do sofrimento em ouro. Esse passo simples é chamado de
entrega.
Não estou querendo dizer que você
vai ficar feliz em uma situação dessas. Não vai. Mas o medo e o sofrimento vão
se transformar em uma paz interior e uma serenidade que vêm de um lugar muito
profundo, do próprio Não Manifesto. Essa é a “paz de Deus, que ultrapassa todo
o entendimento”. Comparada a isso, a felicidade é quase uma coisa superficial.
Com essa paz radiante, vem a percepção – não no nível da mente, mas dentro das
profundezas do seu Ser – de que você é indestrutível, imortal. Isso não é uma
crença. É uma certeza absoluta, que não precisa de uma manifestação exterior
nem de qualquer prova.
Transformando o sofrimento
em paz
Li a respeito de um filósofo
estóico na Grécia antiga que, ao saber da morte do filho em um acidente,
respondeu: “Eu sabia que ele não era imortal”. Isso é entrega? Se for, não a
desejo para mim. Existem algumas situações em que a entrega parece uma coisa
forçada e desumana.
Suprimir nossos sentimentos não é
entrega. Mas também não sabemos qual era o estado interior do filósofo, quando
disse essas palavras. Em situações extremas, pode ser impossível aceitar o
Agora, mas sempre temos uma segunda chance na entrega.
Nossa primeira chance é nos
entregarmos, a cada instante, à realidade do momento. Sabendo que aquilo que é
não pode ser desfeito – porque já é –, dizemos sim àquilo que é ou aceitamos o
que não é. Então fazemos o que tem de ser feito, o que quer que a situação
exija. Se nos submetemos a esse estado de aceitação, deixamos de criar
negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos a viver em um estado de
não-resistência, um estado de graça e de luz, livre das disputas.
Sempre que você for incapaz de
realizar isso, sempre que perder essa oportunidade, seja porque não está
gerando uma presença consciente o bastante para evitar o surgimento do padrão
de resistência habitual, seja porque as circunstâncias são tão extremas que são
completamente inaceitáveis, você está criando alguma forma de dor, alguma forma
de sofrimento. Pode parecer que é a situação que está causando o sofrimento,
mas não é bem assim: a responsável é a sua resistência.
Aqui está a sua segunda chance de
entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora, aceite então o que
está dentro. Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja
ali. Entregue-se ao pesar, ao desespero, ao medo, à solidão, ou a qualquer
forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento. Veja, então, como o milagre
da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua
crucificação. Permita que ela seja a sua ressurreição e ascensão ao céu.
Não consigo entender como alguém
pode se entregar ao sofrimento. Como você já mencionou, o sofrimento é a
não-entrega.
Como poderia me entregar à
não-entrega? Esqueça a entrega por um instante. Quando a sua dor é profunda,
tudo o que se disser a respeito de entrega vai, provavelmente, lhe parecer
superficial e sem sentido. Quando o seu sofrimento é profundo, você
provavelmente tem um grande anseio de escapar e de não se entregar a ele. Você
não quer sentir o que está sentindo. O que pode ser mais normal? Mas não tem
escapatória, nenhuma saída. Existem algumas pseudo-saídas como o trabalho, a
bebida, as drogas, a raiva, as projeções, as abstenções, etc., mas elas não
libertam você do sofrimento. O sofrimento não diminui de intensidade quando
você o torna inconsciente. Quando você nega o sofrimento emocional, tudo o que
você faz ou pensa fica contaminado por ele. Você o irradia, por assim dizer,
como a energia que se desprende de você, e outros vão captá-lo subliminarmente.
Se essas pessoas estiverem inconscientes, podem até se ver compelidas a agredir
ou machucar você de alguma forma, ou você pode machucá-las em uma projeção
inconsciente do seu sofrimento. Você atrai e transmite aquilo que corresponde
ao seu estado interior.
Quando não existe caminho para
fora, existe sempre um caminho através. Portanto, não fuja do sofrimento.
Enfrente-o. Sinta-o plenamente. Sinta-o, mas não pense a respeito dele! Fale
dele, se necessário, mas não crie uma história na sua mente a respeito dele. Dê
toda a sua atenção ao sofrimento, não à pessoa ou ao acontecimento que pode
tê-lo provocado. Não permita que a mente use o sofrimento para criar uma
identidade de vítima para você em função dele. Sentir pena de si mesmo e contar
a sua história aos outros vai fazer com que você fique paralisado no
sofrimento. Se for impossível se afastar desse sentimento, a única
possibilidade de mudança é se mover em direção a ele, do contrário, nada vai
mudar. Portanto, dê a sua completa atenção ao que você sente e evite dar um
nome a isso mentalmente. Ao se dirigir para o sentimento, fique intensamente
alerta. No princípio, pode parecer um lugar escuro e aterrador, e quando vier o
impulso para se afastar, observe-o, mas não se deixe guiar por ele. Permaneça
colocando a sua atenção no sofrimento, permaneça sentindo o pesar, o medo, o
pavor, a solidão, o que for. Fique alerta, fique presente, com todo o seu Ser,
com cada célula do seu corpo. Ao fazer isso, você está trazendo uma luz para a
escuridão. É a chama da sua consciência.
Nesse ponto, você não precisa
mais se preocupar com a entrega. Ela já aconteceu. Como? A atenção completa é a
aceitação completa, é entrega. Ao dar atenção completa, você está usando o
poder do Agora, que é o poder da sua presença. Nenhum indício de resistência
consegue sobreviver nele. A presença remove o tempo. Sem o tempo, nenhum
sofrimento e nenhuma negatividade conseguem sobreviver.
A aceitação do sofrimento é uma
viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo, permitindo que ele
exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte conscientemente.
Quando tiver morrido essa morte, você perceberá que não existe morte e que não
há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio de sol que se esqueceu que
é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar pela sobrevivência
e, assim, cria e se apega a uma outra identidade diferente do sol. Será que a
morte dessa ilusão não seria incrivelmente libertadora?
Você quer ter uma morte fácil?
Você prefere morrer sem sofrimento, sem agonia? Então, morra para o passado a
cada instante e permita que a luz da sua presença apague o pesado e limitado
“eu” que você pensou que era “você”.
O caminho da cruz
Existem muitos relatos de pessoas
que dizem ter encontrado Deus através de um sofrimento profundo, e há também a
expressão cristã “o caminho da cruz”, que acredito apontar para a mesma coisa.
Esse é o nosso principal
interesse aqui. Na verdade, essas pessoas não encontraram Deus através do
sofrimento, porque sofrimento supõe resistência. Elas encontraram Deus através
da entrega, da completa aceitação daquilo que é, aonde chegaram por força do sofrimento
intenso por que passaram. Elas devem ter percebido, em algum momento, que eram
elas que geravam o sofrimento.
Como você compara a entrega com o
encontro com Deus?
Como a resistência é inseparável
da mente, o abandono da resistência – a entrega – é o fim da atuação dominadora
da mente, do impostor fingindo ser “você”, o falso deus. Todo o julgamento e
toda a negatividade se dissolvem. A região do Ser, que tinha sido encoberta
pela mente, se abre. De repente, surge uma grande serenidade dentro de você,
uma imensa sensação de paz. E dentro dessa paz existe uma grande alegria. E
dentro dessa alegria existe amor. E lá no fundo está o sagrado, o
incomensurável, o que não pode ser nomeado.
Não chamo isso de encontrar Deus,
porque como se pode encontrar o que nunca foi perdido, a própria vida que é
você? A palavra Deus é limitadora, não somente por causa de milhares de anos de
má interpretação e uso equivocado, mas também porque pressupõe uma outra
identidade que não é você. Deus é o próprio Ser, não um ser. Não pode haver
nenhuma relação aqui de sujeito-objeto, nenhuma dualidade, nenhum você e Deus.
A percepção de Deus é a coisa mais natural que existe. O fato estranho e
incompreensível não é que possamos nos tornar conscientes de Deus, mas sim que
não somos conscientes de Deus.
O caminho da cruz a que você se
referiu é o velho caminho para a iluminação, e até recentemente era o único
caminho. Mas não o rejeite nem subestime sua eficácia. Ele ainda funciona.
O caminho da cruz é uma inversão
completa. Significa que a pior coisa na sua vida, a sua cruz, se transforma na
melhor coisa que já aconteceu, ao forçar você para a entrega, para a “morte”,
ao forçar você a se tornar nada, a se tornar como Deus, porque Deus também é
coisa nenhuma.
Nesse momento, para a maioria
inconsciente dos seres humanos, o caminho da cruz ainda é o único caminho. Eles
só vão acordar através de mais sofrimento e a iluminação, como um fenômeno
coletivo, será precedida por grandes revoluções. Esse processo reflete o
funcionamento de certas leis universais que governam o crescimento da
consciência e já previsto por alguns videntes. Ele é descrito, dentre outros
lugares, no Livro das Revelações ou Apocalipse, embora disfarçado em uma
simbologia obscura e algumas vezes incompreensível. Esse sofrimento não é
imposto por Deus, mas pelos próprios humanos, assim como por certas medidas
defensivas que a Terra, que é um organismo vivo e inteligente, vai adotar para
se proteger do ataque furioso da loucura humana.
Entretanto, existe um número crescente
de seres humanos cuja conscientização está suficientemente desenvolvida para
não precisar de nenhum sofrimento adicional antes de alcançar a iluminação.
Talvez você seja um deles.
A iluminação através do
sofrimento, o caminho da cruz, significa ser levado para o reino dos céus,
esperneando e gritando. Você finalmente se entrega porque já não suporta mais
sofrer. A iluminação escolhida conscientemente significa abandonar nossos
apegos ao passado e ao futuro e fazer do Agora o ponto principal da nossa vida.
Significa escolher permanecer no estado de presença e não no tempo. Significa
dizer sim àquilo que é. Você já não precisa mais sofrer. De quanto tempo você
precisa para ser capaz de dizer “Não vou mais criar dores, nem sofrimentos”?
Quanto você ainda tem que sofrer antes de fazer essa escolha?
Se você pensa que precisa de mais
tempo, você terá mais tempo – e mais sofrimento. O tempo e o sofrimento são
inseparáveis.
O poder de escolher
Por que tantas pessoas escolhem o
sofrimento? Tenho uma amiga cujo companheiro abusa fisicamente dela e que já
viveu o mesmo problema em uma relação anterior. Por que ela escolhe esse tipo
de homem e por que se recusa a sair dessa situação?
Sei que a palavra escolher é um
termo muito usado na Nova Era, mas não é apropriado ao presente contexto. É uma
ilusão dizer que alguém “escolhe” um relacionamento problemático ou alguma
outra situação negativa na vida. Uma escolha sugere uma consciência, um alto
grau de consciência. Sem ela, não há escolha. A escolha começa no instante em
que nos desidentificamos da mente e de seus padrões condicionados, o instante
em que nos tornamos presentes. Até alcançar esse ponto, você está inconsciente,
espiritualmente falando. Significa que você foi obrigado a pensar, sentir e
agir de determinadas maneiras, de acordo com o condicionamento da sua mente. É
por isso que Jesus disse: “Perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem”. Isso
não está relacionado à inteligência no sentido convencional da palavra. Já
encontrei inúmeras pessoas altamente inteligentes e educadas que eram também
completamente inconscientes, o que significa dizer, completamente identificadas
com suas mentes. Na verdade, se o desenvolvimento mental e o aumento do
conhecimento não são contrabalançados por um crescimento correspondente na
consciência, o potencial para a infelicidade e o desastre é muito grande.
Sua amiga está paralisada em um
relacionamento com um parceiro abusivo e não é a primeira vez. Por quê? Porque
não escolheu. A mente, condicionada como é pelo passado, sempre busca recriar o
que conhece e com o que está familiarizada. Mesmo que seja doloroso, ao menos é
familiar. A mente sempre se apega ao que lhe é familiar. O desconhecido é
perigoso porque ela não tem controle sobre ele. É por isso que a mente não gosta
do momento presente e prefere ignorá-lo. A percepção do momento presente cria
um espaço, não somente no fluxo da mente, mas também no contínuo do passado e
futuro. Nada realmente novo e criativo pode acontecer nesse mundo a não ser
através desse espaço, um espaço nítido com infinitas possibilidades.
Portanto, sua amiga pode estar
recriando um padrão aprendido no passado no qual a intimidade e o abuso eram
inseparavelmente relacionados. Por outro lado, ela pode estar representando um
padrão mental aprendido na infância, segundo o qual ela é alguém desprezível e
merece ser punida. É também possível que ela viva grande parte da vida através
do sofrimento, que está sempre em busca de mais sofrimento para se alimentar. O
parceiro também tem seus próprios padrões inconscientes, que completam os dela.
Quem criou essa situação? A sua própria amiga, ou melhor, o falso eu interior
dela, um padrão mental e emocional do passado, nada mais do que isso. Se você
lhe disser que ela escolheu essa situação, estará reforçando o estado de
identificação dela com a mente. Mas o padrão mental é ela? Sua verdadeira
identidade é derivada do passado? Mostre à sua amiga como ser a presença
observadora por trás dos pensamentos e das emoções. Conte-lhe sobre o
sofrimento e como se libertar dele. Ensine-a a arte da percepção do corpo
interior. Demonstre o sentido da presença. Assim que ela for capaz de acessar o
poder do Agora e, em consequências, romper com o passado condicionado, ela vai
ter uma escolha.
Ninguém escolhe o problema, a
briga, o sofrimento. Ninguém escolhe a doença. Elas acontecem porque não existe
presença suficiente para dissolver o passado, ou luz suficiente para dispersar
a escuridão. Você não está aqui por inteiro. Você ainda não acordou. Nesse meio
tempo, a mente condicionada está governando a sua vida.
Do mesmo modo, se você é uma das
inúmeras pessoas que têm assuntos mal resolvidos com os pais, se ainda guarda
ressentimentos por alguma coisa que eles fizeram ou deixaram de fazer, então
você ainda acredita que eles tiveram uma escolha e que poderiam ter agido
diferente. Sempre parece que as pessoas fizeram uma escolha, mas isso é ilusão.
Enquanto a sua mente, com os seus padrões de condicionamento, dirigir a sua
vida, enquanto você for a sua mente, que escolhas você tem? Nenhuma. Você não
está nem ligando. O estado identificado com a mente é altamente defeituoso. É
uma forma de insanidade. Quase todas as pessoas estão sofrendo dessa doença em
vários graus. No momento em que você perceber isso, não haverá mais ressentimento.
Como você pode se ressentir com a doença de alguém? A única resposta adequada é
compaixão.
Quer dizer que ninguém é
responsável pelos atos que pratica? Não gosto dessa ideia.
Se você é governado pela mente,
embora não tenha escolha, vai sofrer as consequências da sua inconsciência e
criar mais sofrimento. Você vai carregar o fardo do medo, das disputas, dos
problemas e do sofrimento. Até que o sofrimento force você, no final, a sair do
seu estado de inconsciência.
O que você diz a respeito da escolha
também se aplica ao perdão, suponho. Precisamos estar inteiramente conscientes
e entregues antes de poder perdoar.
“Perdão” é uma palavra que vem
sendo usada há mais de dois mil anos, mas a maioria das pessoas tem uma visão
muito limitada do que ela significa. Não podemos perdoar a nós – 131 – mesmos
ou aos outros enquanto extrairmos do passado o nosso sentido do eu interior.
Somente acessando o poder do Agora, que é o seu próprio poder, pode haver um
verdadeiro perdão. Isso tira a força do passado e você percebe, profundamente,
que nada que você fez ou que os outros lhe fizeram poderia atingir, nem de
leve, a radiante essência de quem você é. Todo o conceito de perdão se torna
então desnecessário.
E como chego a esse ponto de
consciência?
Quando nos rendemos àquilo que é e assim
ficamos inteiramente presentes, o passado deixa de ter qualquer força. Não
precisamos mais dele. A presença é a chave. O Agora é a chave.
Quando vou saber que me
entreguei?
Quando você não precisar mais
fazer essa pergunta
=Pausa=
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